• Sábado, 13 de setembro de 2025

Reação da direita internacional à pena de Bolsonaro deve ser limitada

Mesmo com apoio do governo norte-americano, julgamento de ex-presidente brasileiro possui maior apelo à oposição, dizem especialistas.

Na 5ª feira (11.set.2025), o STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado. A decisão, inédita na história do país, deve intensificar medidas da administração do presidente norte-americano Donald Trump (Partido Republicano) contra o Brasil, em entrave diplomático que se estende por meses. 

Segundo especialistas ouvidos pelo Poder360, a reação de líderes de direita ao redor do mundo à condenação deve ser limitada, o que configuraria uma posição de isolamento de Bolsonaro no cenário externo para além dos EUA.

O ex-presidente brasileiro intensificou sua ligação com a direita dos EUA, muito em razão dos esforços de seu filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), junto a integrantes do governo Trump.

À luz da condenação de 5ª feira (11.set), Trump elogiou Bolsonaro e se disse “surpreso” pelo resultado do processo. Questionado por um jornalista, o presidente dos EUA não respondeu se intensificará as sanções ao Brasil –movimento esperado pelo governo brasileiro desde agosto. 

Sob ordem de Trump desde 6 de agosto, os EUA têm imposto tarifas contra produtos brasileiros. Cerca de 700 itens ficaram de fora da medida, que continuam sujeitos à cobrança de 10%, anunciada em abril. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) respondeu dizendo que não vai “chorar o leite derramado” e que irá buscar novos mercados, enquanto os EUA não estiverem abertos à discussão do tema. 

Em resposta ao julgamento de Bolsonaro, o país norte-americano usou a Lei Magnitsky para estabelecer sanções ao ministro Alexandre de Moraes.

Moraes se tornou o 1º brasileiro incluído na SDN List (Lista de Cidadãos Especialmente Designados e Pessoas Bloqueadas) dos Estados Unidos. O ministro está banido do país e impedido de solicitar visto enquanto estiver sob a inclusão da lei. A medida também bloqueia bens e ativos financeiros em território norte-americano.

Thiago Rodrigues, cientista político e professor de relações internacionais na UFF (Universidade Federal Fluminense), explica que essa política é um reflexo da autonomia cada vez maior do Brasil em relação aos EUA. Desde o anúncio das tarifas, Lula reforçou a independência do Brasil e a aliança com a China. 

No caso específico do Trump, tem a ver com um problema anterior, que é a presença cada vez mais marcante da China, do ponto de vista comercial, e essas conversações avançadas para que o dólar deixe de ser a moeda comercial entre o Brics. Trump instrumentaliza a questão do Bolsonaro para pressionar o Brasil”, afirma o professor ao Poder360.

Em seu perfil no X, Marco Rubio, secretário de Estado norte-americano, declarou que “os EUA responderão adequadamente a essa caça às bruxas”, em referência à condenação de Bolsonaro na 5ª feira (11.set). Rodrigues não descarta a possibilidade das sanções serem estendidas para outros ministros do STF. 

Para Kai Lehmann, professor de relações internacionais na USP (Universidade de São Paulo), o julgamento de Bolsonaro vai refletir de forma diferente entre os líderes da direita na Europa. Na Alemanha, onde a família Bolsonaro tem uma relação mais próxima com integrantes da AfD (Alternativa para a Alemanha), a manifestação do partido a favor do ex-presidente é mais provável. O partido é acusado de adotar condutas discriminatórias contra alemães naturalizados.

De acordo com Rodrigues, existe uma relação de apoio simbólico entre líderes como Viktor Orbán (União Cívica Húngara, direita), primeiro-ministro da Hungria, Trump, Bolsonaro, Javier Milei (La Libertad Avanza, direita), presidente da Argentina, e Nayib Bukele (Nuevas Ideas, direita), presidente de El Salvador.

Quando teve seu passaporte apreendido pela PF (Polícia Federal) em 2024, Bolsonaro se hospedou por 2 dias na embaixada da Hungria, em uma tentativa de estreitar laços com Orbán. Em 21 de julho deste ano, o primeiro-ministro postou em seu perfil no X: “Continue lutando, Bolsonaro!”. Orbán ainda não se posicionou publicamente sobre a sentença. Rodrigues acredita que há a formação de uma rede internacional de “ultradireita”, em que “o sucesso de um reforça o discurso do outro para o seu público interno”.  

Com a prisão do ex-presidente, o professor da UFF afirma que “em países onde a direita cresce, como é o caso da Alemanha, da Espanha, de Portugal, mas que eles ainda não são governo, isso manda um recado preventivo”. Já na Hungria, onde o controle do governo sobre o discurso público é maior, Rodrigues diz que a influência do julgamento de Bolsonaro não é tão significativa. 

Em outros governos europeus de direita, como a Itália com a primeira-ministra Giorgia Meloni (Irmãos de Itália), Rodrigues considera improvável o decreto de bloqueios, como se deu por parte dos EUA, tanto pela relação comercial dos países com o Brasil, quanto pela própria estrutura do bloco.

A Itália isoladamente não conseguiria tomar algumas decisões de sanções ao Brasil que não desrespeitasse os seus compromissos comerciais com a UE”, afirmou Rodrigues.

Segundo Ernesto Bohoslavsky, professor da Universidade Nacional de General Sarmiento e especialista no estudo das direitas latino-americanas, Bolsonaro formou “alguns laços ao menos desde 2018” com líderes e partidos de direita da América do Sul. Porém, a relação de maior proximidade do ex-presidente se mantém com o Partido Republicano dos EUA. 

Não fico muito convencido pela leitura de muitos jornalistas e cientistas políticos que acham que existe um bloco latino-americano de direita. Continuo a pensar que a política é, essencialmente, nacional”, afirma o professor.

De acordo com Bohoslavsky, “os grupos de direita de todos os países tecem redes, tentam construir inimigos comuns, partilham recursos”. Essa lógica externa, porém, é apropriada por líderes como Milei, Bolsonaro e Trump principalmente dentro de um discurso interno, voltado à própria população.

Para o professor, isso ajuda a explicar parte do interesse do presidente norte-americano no julgamento. “Trump olha com maior preocupação a situação de Bolsonaro porque poderia ser julgado por uma coisa similar ao 8 de Janeiro”, disse Bohoslavsky referenciando a invasão ao Capitólio por apoiadores do republicano, em 2021.

Para além dos EUA, no entanto, Bohoslavsky explica que Bolsonaro, depois da derrota nas eleições de 2022 e “sem os recursos do Estado e da diplomacia”, teve um envolvimento mais restrito na política externa brasileira, o que o fez perder uma certa respeitabilidade, mesmo dentre “os clubes de direita e extrema-direita”.

No caso da Argentina, por exemplo, o historiador e professor da USP Osvaldo Coggiola considerou improvável a radicalização do discurso de Milei, presidente argentino próximo a Bolsonaro.

A condenação de Bolsonaro é um assunto totalmente secundário para Milei neste momento”, afirma. “O problema de Milei é a economia, a corrupção do seu governo, o desemprego; ou seja, são os problemas da Argentina”, diz. 

Para Coggiola, a condenação seria um argumento mais forte para a oposição contra a direita nas eleições argentinas, mas apenas como mais um argumento, “sem o peso decisivo” das questões políticas e econômicas internas do país.

Na 5ª feira (11.set), pouco depois do resultado do julgamento de Bolsonaro, a vice-presidente argentina, Victoria Villarruel, publicou em seu perfil no X, sem citar nomes, que “é perturbador que na América presidentes eleitos democraticamente terminem presos”. 

Em 20 de agosto de 2025, a PF afirmou, com base em documento encontrado no celular do ex-presidente, que Bolsonaro planejava pedir asilo político a Milei, para evitar prisão em eventual condenação. 

O presidente argentino ainda não se pronunciou sobre a condenação, assim como Bukele, líder rodeado por acusações de autoritarismo que Bolsonaro sugeriu se inspirar em entrevista neste ano.

A 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) condenou Jair Bolsonaro (PL) em 11 de setembro de 2025 por 5 crimes, incluindo tentativa de golpe de Estado. Votaram pela condenação do ex-presidente e dos outros 7 réus: Alexandre de Moraes (relator), Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin (presidente da 1ª Turma).

Luiz Fux foi voto vencido. O ministro votou para condenar apenas Mauro Cid e Walter Braga Netto por abolição violenta do Estado Democrático de Direito. No caso dos outros 6 réus, o magistrado decidiu pela absolvição.

Foram condenados:

Veja na galeria abaixo as penas e multas impostas a cada um:

Condenados do núcleo 1 da tentativa de golpe de Estado

Os 8 formam o núcleo 1 da tentativa de golpe. Foram acusados pela PGR de praticar 5 crimes: organização criminosa armada e tentativas de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, além de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. 

Esta reportagem foi produzida pelos estagiários de jornalismo Gabriela Varão e João Lucas Casanova sob supervisão da editora-assistente Aline Marcolino. 

Por: Poder360

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