• Segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Subestimar a revisão do TCU no Tecon Santos 10 é um erro

Artigo diz que a nota técnica da Antaq sobre o Tecon Santos não foi submetida à consulta pública.

É imperativo contestar a tese de que a área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) e a procuradoria do Ministério Público Federal teriam incorrido em erro na análise do leilão do terminal Tecon Santos 10. Na realidade, o que se observa, de forma contínua, são premissas frágeis adotadas pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) na nota técnica 51, de 2025, e isso se torna cada vez mais evidente.

A referida nota técnica, que propôs restrições à participação de operadores incumbentes, carece de metodologia clara, não foi submetida à consulta pública nem recebeu parecer técnico prévio de órgãos especializados em defesa da concorrência.

Em sentido oposto, o TCU, apoiado em quadros técnicos próprios, buscou avaliações independentes para fundamentar as respectivas análises. O ministro relator abriu um painel público específico para discutir o tema concorrencial. A Subsecretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, quando provocada pelo Tribunal, descartou a necessidade de qualquer restrição à participação no certame e defendeu a manutenção da ampla concorrência. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), igualmente acionado pelo TCU, concluiu que a nova concessão não apresenta problemas concorrenciais que justifiquem a exclusão prévia de incumbentes.

Dentre as alternativas discutidas no âmbito regulatório está a possibilidade de desinvestimento caso uma das acionistas da BTP, da TIL ou da APM Terminals venha a vencer o leilão do Tecon Santos 10. Essa solução implicaria à alienação da participação no terminal atualmente operado pela joint venture, resultando na separação das operações portuárias das duas empresas.

Ao assumir que, nesse cenário, haverá 4 operadores antes e depois do leilão, sem ganhos concorrenciais, a tese de que o Ministério Público junto ao TCU teria sido induzido ao erro trata o ambiente competitivo como estático e desconsidera elementos estruturais essenciais.

O fato é que tal reorganização altera de forma relevante a dinâmica competitiva. O que hoje é uma atuação conjunta passaria a configurar rivalidade direta, com cada grupo econômico controlando o próprio terminal e adotando estratégias independentes de preços, investimentos e atração de serviços. 

A própria Antaq reconheceu que, nesse cenário, haveria maior equilíbrio na distribuição de capacidades entre os operadores, com reflexos positivos em rivalidade, eficiência e condições comerciais para os usuários, pois trata-se de 2 dos maiores operadores portuários do mundo, com investimentos de longo prazo no Brasil e forte disposição em competir em ambiente plenamente concorrencial.

Outro ponto totalmente ausente nessa mais recente tese lançada para justificar a exclusão de concorrentes no leilão é o papel estratégico da infraestrutura, especialmente a redistribuição dos berços de atracação, como elemento determinante da competição no Porto de Santos.

A disponibilidade de berços determina quantos navios de grande porte cada terminal pode receber, o nível de ociosidade ou saturação das instalações e a capacidade de acomodar novas rotas.

No cenário de eventual desinvestimento por 1 dos sócios, a BTP estaria sob controle de um grande operador global com 3 berços à disposição, Santos Brasil manteria operando com capacidade equivalente a 4 berços, o Tecon Santos 10 nas mãos de outro operador com 4 berços de capacidade, e a DP World, dona de 2 berços com liberdade para ampliar a própria infraestrutura.

Ao contrário, caso 1 novo participante ingresse no mercado, a configuração se torna assimétrica: 3 terminais com capacidade suficiente para que os operadores possam concorrer à disputa pelos grandes navios, enquanto os sócios da BTP permaneceriam limitados, em tese, a 1,5 berço para cada grupo econômico. Trata-se de um forte desequilíbrio estrutural com impacto direto na dinâmica competitiva.

A experiência da Argentina ilustra bem esse erro estratégico. Ao longo das últimas décadas, o país fragmentou o Porto de Buenos Aires em múltiplas áreas operadas por diferentes grupos, sob a premissa de que a multiplicação de operadores significaria mais concorrência. O resultado foi justamente o oposto. A excessiva dispersão operacional gerou ineficiências, dificuldades de coordenação, incapacidade de atrair navios maiores e perda progressiva de competitividade frente aos portos vizinhos. A competição artificialmente ampliada não produziu rivalidade saudável, mas, sim, um sistema desequilibrado, com operadores incapazes de investir, margens comprimidas, conflitos de sobreposição e desempenho operacional muito abaixo do esperado.

Concorrência efetiva não se constrói com a criação de players por decreto, mas com arranjos que favoreçam escala, eficiência e competição real por mérito operacional.

Outra falha grave da Antaq foi definir o mercado relevante de forma excessivamente restrita, limitando-o ao Complexo Portuário de Santos. Essa definição desconsidera a ampla substitutibilidade geográfica observada no setor com alternativas efetivas, como os portos de São Sebastião e Itajaí e os terminais privados já autorizados em Santos e Paranaguá, o que produz um retrato artificialmente concentrado que não corresponde à realidade competitiva.

A tese que induz ao erro ignora ainda mais outra inconsistência. O Tecon Santos 10 só atingirá a plena capacidade em 2034. A análise da Antaq não considera nenhum dos projetos que avançam paralelamente e que afetarão diretamente o nível de competição, como o novo terminal de São Sebastião, os 3 TUPs (Terminais de Uso Privado) autorizados em Santos, o novo porto da Imetame (ES), o novo super terminal de Itajaí (SC)  e a expansão urgente da capacidade em Paranaguá (PR).

Em um horizonte de 9 anos, é inconsistente presumir que nenhum desses projetos será implementado, o que distorce qualquer avaliação do ambiente competitivo esperado, ou seja, a concentração projetada pode jamais se concretizar e não há garantia de que qualquer operador venha a deter uma posição dominante no futuro. 

Por fim, não há fundamento técnico que justifique restringir a participação de operadores incumbentes no leilão do Tecon Santos 10. A ideia de que excluir previamente empresas atuantes aumentaria a competição não encontra apoio empírico nem teórico, enquanto reduzir o número de concorrentes qualificados diminui a competição pelo mercado e não assegura ganhos na competição no mercado.

Na realidade dos fatos e dados, a área técnica do TCU e a procuradoria do Ministério Público junto ao Tribunal não incorreram em qualquer erro. As conclusões estão alinhadas ao melhor entendimento técnico do setor e às diretrizes das autoridades especializadas em defesa da concorrência.

Este conteúdo foi produzido e pago por Luis Claudio Montenegro. As informações e opiniões divulgadas são de total responsabilidade do autor.

Por: Poder360

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