É possível enxergar construções completamente devastadas nas cidades de Khuza’a e Abasan al-Kabera, , quando se está na comunidade judaica de Nir Oz. Com uma distância de dois quilômetros, as bombas e mísseis que caem nos territórios palestinos são ouvidos claramente. São estampidos secos que chegam aos ouvidos de qualquer um a cada 30 minutos. Semelhante a um alarme para avisar que a guerra, iniciada em outubro de 2023, continua, eles , que está longe dos centros do poder econômico e político de Israel.
Nir Oz é um kibutz que reúne, principalmente, de origem judaica. São homens e mulheres que trocaram o sul da América para viver e trabalhar no sul de Israel., têm origem ainda no começo do século passado, quatro décadas antes da criação do país israelense. Um kibutz é uma comuna agrícola onde um grupo pequeno de pessoas, normalmente na casa das centenas, moram. Os recursos são divididos em conjunto, conforme a necessidade de cada família.
Por sua proximidade, sendo basicamente um dos locais mais próximos de Gaza, Nir Oz serviu como um ponto em que moradores palestinos e israelenses poderiam atuar juntos nos campos agrícolas compartilhados entre as duas nações. No entanto, justamente por conta dessa proximidade, o kibutz foi também um dos primeiros lugares

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1 de 7 Veja como ficou o kibutz Nir Oz, em Israel Material cedido ao Metrópoles
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7 de 7 Veja como ficou o kibutz Nir Oz, em Israel Material cedido ao Metrópoles
Desde aquele dia, quando as sirenes anti-mísseis da comunidade acordaram os latinos às 6h30, tudo mudou para os moradores. Mais de 100 pessoas foram assassinadas ou sequestradas pelos terroristas, incluindo crianças e bebês. Os destroços deixados pelos ataques continuam iguais após quase dois anos. As pessoas, não.
Uma grande parte dos moradores não conseguiu voltar a ver Nir Oz como o lugar onde compartilhavam alimentos e vivências. Vidraças quebradas, portas arrombadas, marcas de explosões seguem intocadas, assim como os traumas de ver vizinhos, pais, filhos mortos por conta de uma disputa na qual eles não possuem qualquer envolvimento.
Cidade destruída
O conflito segue em uma escala bem maior, com o outro lado da faixa. Khuza’a, cidade mais próxima do kibutz e onde cerca de 11 mil palestinos viviam antes da guerra, praticamente não existe mais. A autoridade municipal lamenta o fim da vida na localidade: “A cidade que costumava ser cheia de vegetação, tranquilidade e trabalho se tornou uma terra vazia, exceto por escombros e fumaça”.

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1 de 4 Khuza´a- 10 de agosto de 2023 Reprodução/Google Earth
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2 de 4 Khuza´a- 30 de outubro de 2023 Reprodução/Google Earth
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3 de 4 Khuza´a- 24 de novembro de 2023 Reprodução/Google Earth
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4 de 4 Khuza´a- 4 de junho de 2024 Reprodução/Google Earth
Em publicação no Facebook, compartilhada em 31 de maio deste ano, e informou que “a máquina de guerra” afetou tudo, sendo que os habitantes precisaram fugir por medo dos bombardeios. Escolas e instalações de saúde foram destruídas. As estradas e a infraestrutura estão fora de serviço. Tanto em Nir Oz quanto em Khuza’a as casas e as vidas foram arrasadas.

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1 de 4 Centro de Khuza´a - 10 de agosto de 2023 Reprodução/Google Earth
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2 de 4 Centro de Khuza´a - 4 de junho de 2024 Reprodução/Google Earth
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3 de 4 Áreas muito atingidas de Khuza´a - 10 de agosto de 2023 Reprodução/Google Earth
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4 de 4 Áreas muito atingidas de Khuza´a - 04 de junho de 2024 Reprodução/Google Earth
Sobrevivendo entre Israel e Gaza
Dedicado a trabalhar no campo de Nir Oz nas últimas décadas, o agricultor argentino Martin Finkelstein diz ser um homem simples e “pouco entendido de política”, mas se mostra muito interessado em algo mais importante para a sua família. A maior vontade dele é que a paz volte. Apesar disso, perguntado sobre a possibilidade do fim do conflito, ele não esbanja otimismo e indica que isso é algo improvável num futuro próximo.
“Acho difícil acreditar que isso (paz) seja algo que possa ser alcançado. Tenho interesse em poder viver aqui, com essa mesma distância de 2,5 km, assim como fazíamos antes, em paz e em segurança. Quero viver sem ter medo de que meus filhos corram perigo. Sei que, do outro lado, também há pessoas que querem viver em paz e querem levar uma vida normal, como todos do outro lado do mundo”, conta o trabalhador.
Martin chegou ao país no fim da década de 1990 e vive em Nir Oz há 23 anos: “Conheci minha mulher em Israel, nos casamos neste kibutz. Tenho três filhos que nasceram e cresceram neste kibutz. Minha vida está aqui desde que cheguei. Minha vida, tudo que tenho, tudo que consegui durante esses anos foi este kibutz e a gente que vive aqui que me deu”.
Nir Oz tem 1,6 mil hectares de campo em que as pessoas poderiam trabalhar. Havia plantações de abacates, romãs e batatas no local. Antigamente, muitos trabalhadores palestinos dividiam esses espaços com os latinos judeus. Esse passado comunitário e pacífico entre os povos é quase impossível de se repetir, segundo os moradores, já que existe um grande ressentimento de ambas as partes.
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Na comunidade, tendo em vista os riscos de uma das regiões mais tensas do mundo, praticamente todas as casas possuem um “quarto de segurança”. É um cômodo com estruturas, sobretudo as janelas e portas, reforçadas. É onde os moradores ficam quando os alarmes de mísseis começam a tocar ou comunicados de possíveis ataques são divulgados.
Martin Finkelstein e toda a sua família passaram cerca de 8 horas dentro do “quarto de segurança”, enquanto membros do Hamas andavam pelo kibutz em outubro de 2023. Foram minutos eternos ouvindo uma mistura de disparos de fuzis e gritos de socorro dos vizinhos. Inicialmente, conta o homem, eram 150 terroristas no local, mas o número aumentou após eles perceberem que não haveria resistência.

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1 de 4 Martin Finkelstein Material cedido ao Metrópoles
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2 de 4 Martin Finkelstein Material cedido ao Metrópoles
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3 de 4 Martin Finkelstein Material cedido ao Metrópoles
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4 de 4 Martin Finkelstein Material cedido ao Metrópoles
“O exército não estava no kibutz e não conseguiu chegar em nenhum momento. As pessoas do kibutz, que estavam preparadas para dar a primeira resposta, tentaram fazê-lo, mas não conseguiram deter um número tão grande de terroristas. O que acabou acontecendo foi que, das 7h até 13h30, cerca de mil terroristas entraram e saíram”, relembra.
Após o ataque do Hamas
O argentino menciona que a maior parte dos sobreviventes continuou nos abrigos mesmo após os terroristas já terem ido embora: “Naquela manhã, havia 400 pessoas morando aqui. Quando o exército finalmente chegou, às 14h30 da tarde, não havia mais terroristas para lutar. A única coisa que o exército acabou fazendo foi reunir todas as famílias que ainda estavam trancadas nos quartos de segurança”.
“Quando não conseguiram tirar todo mundo de lá, percebemos que havia apenas 300 pessoas. Cerca de 100 habitantes estavam desaparecidos. Alguns deles, o exército nos disse que foram mortos dentro de suas casas, sem saber o número exato ou a identidade das pessoas”, continua.
O resultado, aponta Finkelstein, é que, das primeiras 250 pessoas que foram sequestradas naquela manhã em Israel, 75 foram levadas daquele kibutz. Até o começo do mês passado, 14 moradores de Nir Oz continuavam desaparecidos. “Perguntamos, mas nunca tivemos resposta”, diz Martin ao ser questionado sobre o porquê dos soldados terem demorado tanto a socorrer o kibutz.
Um filme de terror no kibutz
Na casa do filho de Silvia Cunio, o chão tem pequenos buracos. Os sinais veio com disparos dos terroristas do Hamas contra a cachorrinha da família. Nascida também na Argentina, a mulher relembra o “quarto de segurança” completamente sujo de sangue, que imagina ter vindo dos tiros contra o animal de estimação, quando entrou no lugar pela primeira vez após o ataque.
Ela é mãe de quatro filhos, sendo David e Ariel os dois que foram sequestrados e mantidos como reféns pelo Hamas. Silvia Cunio passou mais de 13 mil dias dentro de Nir Oz entre janeiro de 1988 até o seu último momento na comunidade, em 8 de outubro de 2023: “Foram 95% um paraíso e uns 5% um desastre com os mísseis e tudo mais”.
No dia anterior, uma sexta-feira, toda a família participou de um jantar. Eram cerca de 20 pessoas reunidas na casa de Silvia para se divertir, comer juntos e festejar. Horas depois, começou o que ela classifica como um “filme de terror”. Foi esse termo que apareceu no seu celular no momento em que Ariel contou da presença de terroristas na residência dele. Foram as últimas palavras que ela teve do filho. O jovem foi sequestrado junto com a sua namorada, Arbel Yehud, que conseguiu ser resgatada em janeiro.
“Começamos a conversar pelo WhatsApp sobre o que estava acontecendo e meu filho mais novo, Ariel, disse: ‘Há terroristas no kibutz disfarçados de soldados aqui na enfermaria do kibutz’. Então, nos perguntamos sobre o que estava acontecendo. Bem, talvez sejam dois ou três terroristas que entraram, eles os pegaram por duas horas e pronto. Não seria muito tempo. Mas havia milhares deles. Não eram apenas alguns”, contou em entrevista no fim de abril.
Desde então, Silvia Cunio deixou os seus milhares de dias no kibutz e ingressou em um novo período da sua vida. São mais de 500 dias lutando para ver os seus filhos novamente.
“Esperávamos que houvesse mais uma libertação de prisioneiros. Não aconteceu. Não vou dizer que isso partiu meu coração, senão eu não estaria aqui. Mas me machucou muito. Fiquei muito magoada com o fato de todos os que estão no poder não terem sido capazes de fazer o que tinham de fazer com a libertação das pessoas sequestradas. […] Vamos esperar que estejam fazendo alguma coisa lá, porque se não, é uma vergonha”, classifica.
Mesmo ela esperando pelo abraço de seus filhos, não há garantias de que eles estejam vivos. A mulher levava um broche amarelo, símbolo usado por israelenses que lutam pelo resgate dos reféns, enquanto diz torcer pela paz na sua região, embora considere que isso seja muito difícil. Os sinais aparecem por todo o kibutz de Nir Oz e também são vistos nas principais cidades de Israel, como Tel Aviv.
A guerra no outro lado
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, usava o mesmo broche amarelo quando comentou que iria ser realizada uma nova ofensiva da guerra dentro da Faixa de Gaza. O anúncio foi divulgado em maio deste ano, e a promessa do político era de uma ação intensa para trazer de volta os reféns remanescentes. Houve também o indicativo de uma ocupação do território palestino, envolvendo um outro aumento dos bombardeios.
“Ontem à noite ficamos até tarde no gabinete e decidimos por uma operação intensificada em Gaza. Foi a recomendação do chefe das Forças Armadas prosseguir, como ele disse, rumo à derrota do Hamas e, nesse caminho, ele acredita que isso também nos ajudará a resgatar os reféns, e eu concordo com ele. Não vamos desistir desse esforço, e não vamos abandonar ninguém”, afirmou Netanyahu na rede social X na ocasião.
De acordo com relatório divulgado no mês passado pela Organização das Nações Unidas (), a região inteira de Gaza contava com o número de . As cidades de Khuza’a e Abasan al-Kabera, localizadas ao lado do kibutz de Nir Oz, tinham, respectivamente, 2.412 e 3.182 edificações completamente assoladas.

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1 de 8 Centro de Abasan Al-Kabera - 10 de agosto de 2023 Reprodução/Google Earth
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2 de 8 Centro de Abasan Al-Kabera - 04 de junho de 2024 Reprodução/Google Earth
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3 de 8 Área muito atingida em Abasan Al-Kabera - 10 de agosto de 2023 Reprodução/Google Earth
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4 de 8 Área muito atingida em Abasan Al-Kabera - 04 de junho de 2024 Reprodução/Google Earth
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5 de 8 Abasan Al-Kabera - 30 de outubro de 2023 Reprodução/Google Earth
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6 de 8 Abasan Al-Kabera - 24 de novembro de 2023 Reprodução/Google Earth
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7 de 8 Abasan Al-Kabera - 10 de agosto de 2023 Reprodução/Google Earth
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8 de 8 Abasan Al-Kabera - 4 de junho de 2024 Reprodução/Google Earth
Após bloquear a entrada de ajuda humanitária em Gaza, Netanyahu voltou atrás e suspendeu o bloqueio no enclave palestino em 19 de maio. Segundo o governo israelense, a medida visava pressionar o Hamas a entregar o restante dos reféns que ainda estão lá. No entanto, a ação agravou a crise humanitária.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura , dos 150 km² de , mais de 121 km² foram destruídos ou danificados após a guerra contra Israel.
A situação ainda é mais cruel no norte do território palestino, onde 88% de todas as terras agrícolas foram destruídas ou danificadas. O cenário causa um colapso do sistema de produção de alimentos na região, que depende diretamente de ajuda humanitária.
Recentemente, 51 pessoas foram mortas e 200 ficaram feridas enquanto aguardavam caminhões de ajuda humanitária em Khan Younis, no sul do local. A informação foi repassada pelo Ministério da Saúde de Gaza. O órgão estima que, entre 7 de outubro de 2023 e 11 de junho de 2025, e 127.394 ficaram feridos.
No início deste mês, a população precisou chorar por mais 26 pessoas que foram mortas em Rafah, no sul do território, depois que tropas abriram fogo no momento em que palestinos esperavam para coletar alimentos no novo posto de distribuição. Rafah fica a pouco mais de 15 quilômetros do kibutz Nir Oz, onde Silvia também não consegue esquecer dos seus filhos sequestrados e amigos mortos.