O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) celebra hoje (26.nov.2025) sua maior vitória legislativa no ano. Sanciona a lei que isenta de pagar Imposto de Renda da Pessoa Física quem ganha até R$ 5.000 por mês. Também promove uma redução do IR para os que têm salários de até R$ 7.350.
A medida foi uma das principais promessas eleitorais de Lula na campanha de 2022. Foi aprovado de forma unânime na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Será um dos grandes trunfos na campanha à reeleição em 2026.
Servirá para ilustrar o discurso da justiça tributária e ganhar espaço em algumas das faixas do eleitorado em que Lula tem suas menores taxas de aprovação.
Atingirá diretamente a classe média e média alta do país, que vive predominantemente nas regiões Sul e Sudeste. Levantamento do Poder360 mostra que 7 a cada 10 beneficiados pela isenção do IR estão em cidades em que Lula perdeu para Bolsonaro em 2022.
Lê-se pouco a respeito de qual seria a justificativa técnica e econômica para o valor de R$ 5.000 como limite para a isenção. É que não houve ciência nem técnica na escolha dessa cifra. Trata-se de um número “redondo”, pensado por Lula, de apelo no discurso e fácil de decorar –perfeito para a campanha eleitoral, mas não necessariamente para uma política central para o Estado brasileiro.
Como vem sendo regra neste 3º mandato de Lula, será mais uma expansão de benefícios sociais sem contrapartidas verdadeiras para buscar o equilíbrio nas contas públicas.
A solução para bancar um welfare state de R$ 441 bilhões, como mostrou esta edição especial do Drive – newsletter premium do Poder360, vem sempre do aumento da arrecadação. Desde o início do mandato, o governo federal promoveu 27 medidas que visaram a aumentar impostos.
Do outro lado das contas públicas, não se vê empenho em reduzir os gastos e equilibrar a balança. O resultado é o aumento da carga tributária e das despesas de governo a níveis recorde, com mais um deficit fiscal em 2025 –o 10º nos últimos 11 anos.
Na isenção da IR, as perdas de receita também serão compensadas pela criação de novos impostos. No caso, a taxação em 10% dos lucros e dividendos acima de R$ 50.000. Eis o ponto da justiça tributária que o governo vai martelar: os mais ricos pagando para aliviar que tem renda até R$ 5.000 por mês.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou a aprovação do projeto como uma forma de trazer justiça para os trabalhadores “que carregam o país nas costas”, com benefícios também para os “do andar de cima”, que vão pagar mais imposto, mas se beneficiarão do ciclo virtuoso da economia provocado pela medida.
É necessário registrar também a existência de uma crença errada no Brasil sobre o que são dividendos.
O governo ajuda a propagar a ideia de que esse dinheiro é livre de impostos. Não é verdade essa assertiva. Essa narrativa deseduca os cidadãos e só serve para aumentar o divisionismo no país, a polarização do “nós contra eles”.
O fato é que as empresas pagam impostos e cumprem todas as suas obrigações tributárias. Têm custos operacionais: aluguel, pagamento de insumos, compra de equipamentos e muito mais. Há também altíssimos encargos sobre salários: em alguns casos, o custo do trabalhador é o dobro do vencimento que é pago a ele. Depois de sobreviver a esse manicômio tributário e burocrático, alguns empreendimentos heroicamente conseguem ter algum lucro. Esse é o dividendo do empresário, que resulta depois de todos os impostos pagos pela empresa que oferece empregos e ajuda o país a crescer.
Agora, haverá um imposto extra de 10% sobre os dividendos acima de R$ 600 mil por ano. É um dinheiro que será taxado duas vezes. Será uma punição para quem for muito bem-sucedido: já terá feito o pagamento de altos encargos e impostos por meio da empresa e, se tiver lucro, mesmo depois dessa saga, terá de dar ainda mais dinheiro para o Estado.
O que o governo tampouco considera ao dizer que o projeto contribui para uma sociedade melhor é que a nova isenção afasta o Brasil justamente daqueles países com o modelo mais consolidado de welfare state.
Nos países escandinavos –referências em igualdade social e justiça tributária–, o que se tem é uma rede de benefícios sociais robusta sustentada por um modelo tributário que incide mais sobre a renda e menos sobre o consumo.
Nesses países, quase toda a população ativa paga imposto de acordo com sua renda. Os mais ricos pagam proporcionalmente mais, os mais pobres pagam menos. Mas todos pagam sua parte.
No Brasil, o que se verá com a nova isenção é o oposto: só 34 milhões de brasileiros (16% da população) deverão pagar IR a partir de 2026 –muito distante dos 93% da Noruega ou dos 90,6% da Dinamarca.

Com a redução da base de pagadores de impostos, perde-se mais do que a arrecadação. Perde-se também o letramento fiscal da população.
O cidadão que paga imposto, mesmo que pouco, tende a cobrar mais do governo. Quem não paga nada fica sem motivo para reclamar.
Nos países desenvolvidos em que mais pessoas pagam imposto sobre a renda, os cidadãos percebem que estão financiando o Estado. Tendem a cobrar com maior empenho a eficácia do gasto público.
“Pagar Imposto de Renda é um exercício de cidadania. Não se pode comemorar excluir do universo os pagantes. O que pode ter é uma escada de progressividade: quem ganha pouco pagar muito pouco. Os que ganham muito, pagarem mais”, explicou o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel em entrevista ao Poder360.
Mas há ainda uma consequência mais perversa de ter tão poucas pessoas pagando imposto sobre a renda. Essa redução faz a balança da arrecadação pender para o lado da taxação sobre o consumo –impostos sobre produtos e serviços.
Esses impostos pesam mais sobre os mais pobres, já que as alíquotas são as mesmas para quem é milionário ou miserável.
Mesmo com a nova taxa sobre os dividendos, a tendência é que após um tempo os muito ricos descubram meios de enquadrar seus ganhos de outras maneiras para escapar do novo imposto –a chamada elisão fiscal.
Com arrecadação restrita e necessidade de novas medidas, a chance de a balança pesar ainda mais sobre o consumo –e sobre os mais pobres– é muito maior.
Uma proposta aparentemente progressiva de isenção pode descambar assim em modelo regressivo no médio prazo.
Para sustentar um Estado de bem-estar social mais escandinavo, o Brasil precisaria de um modelo tributário mais escandinavo. Um modelo ideal seria ter todos os cidadãos pagando imposto sobre sua renda de maneira proporcional, com os pobres desembolsando muito pouco.
Com o novo modelo da isenção do IR, o Brasil caminha no sentido contrário.





