Após conhecer quase 200 equipamentos culturais da Grande São Paulo, Mariana Oliveira Arantes constatou que há trabalho a ser feito, em relação a melhoras no vocabulário e no repertório dos agentes culturais. Um dos problemas que observou foi a utilização, por oficineiros, de nomenclaturas inadequadas e ultrapassadas, o caso de "alunos especiais" ou "alunos com necessidades especiais". A historiadora, que registra suas percepções e avaliações sobre acessibilidade no site Mundo em Conta, diz, ainda, que os profissionais da cultura andam ansiosos com a mudança com que têm tido que lidar, de ventos mais favoráveis às pessoas com deficiência, uma vez que editais de fomento estão tornando compulsórias ações específicas para elas ou, pelo menos, algo que vale pontuação nas seleções. "As pessoas, os artistas, estão desesperados, sem saber o que fazer", relata ela, reprovando os que deixam para pensar nisso na última fase de seus projetos, caracterizando uma “acessibilização um tanto fajuta”. Ao participar do 1ª Congresso Internacional sobre Deficiência da Universidade de São Paulo (USP), realizado na semana passada, Arantes confirmou, pela fala de um docente da Escola Politécnica da instituição (Poli-USP), que em boa parte do tempo as circunstâncias adversas podem estar relacionadas à falta de disposição e ao desinteresse de quem não tem deficiência, o que leva ao fracasso de empreitadas. Segundo ela, o acadêmico contou que já se deparou com um armário lotado de projetos empoeirados, o que corresponde à realidade evidenciada em um estudo que revelou que a maioria daqueles pensados para pessoas com deficiência é interrompido no seu primeiro protótipo, ou seja, em sua primeira fase de teste, não sendo, portanto, finalizado."É um processo colaborativo e contínuo, em que a gente assume riscos, que podem ser organizados de uma forma que parece muito simples, fácil, mas tem muito empenho, estrutura e organização", disse, referindo-se à complexidade e às negociações que permeiam iniciativas como o dossiê do IC.
Olho
Ex-colega de Claudio Rubino e ainda funcionária do Instituto Tomie Ohtake, a especialista em editoração Divina Prado comenta um projeto desenvolvido pelos dois, dez anos atrás, que foi como uma lanterna no caminho que foram pavimentando desde então. No desenvolvimento do projeto, procuraram produzir um material educativo, para acolher e tratar com a mesma dignidade crianças com e sem deficiência. Foi concebido um jogo que convocava à ação coletiva e à individual, com toda uma parafernália bastante essencial para a proposta, de caderno, livro ilustrado sobre a história da artista, audiodescrição, papel, tinta, tela e pincéis. O princípio de tudo isso foi a exposição Tomie Ohtake 100 101, que ficou em cartaz no instituto que leva seu nome, de abril a junho de 2015. Pelo projeto, piloto e com grande número de crianças com deficiência visual, ambos aprenderam, de certa forma, um método, constantemente renovado a cada meta que se pretende atingir. A postura anticapacitista, pontua Prado, admite a combinação de elementos como a inserção de texturas, a descrição de ambientes que não são familiares para todos que estão em contato com as obras e a construção de paisagens sonoras. No caso da Bolsa de Artista, atribuíram a mesma relevância ao CD com a paisagem sonora e à serragem para misturar na tinta."Acessibilidade depende muito mais de mudança de comportamento do que de verba, estrutura", opina a educadora.
A especialista menciona dois destaques do instituto nessa área, deste ano. O primeiro deles é Caderno-ensaio 3: Povo, para o qual os profissionais pararam para entender que sons remetem à ideia de povo. "É algo que junta criança brincando, gente pisando no chão, água fervendo, algo que é povo qualquer lugar do mundo", diz ela. O outro motivo de orgulho de Prado, idêntica ferramenta de acessibilidade, é o Palavra, vencedor da categoria Projeto Gráfico, no Eixo Produção Editorial do Prêmio Jabuti. Nesse caso, optaram por instrumentos de corda, "um pouco de voz, um pouco de canto guarani". "Existe um processo de circularidade, que é uma tentativa de fazer com que isso fique mais agradável para a pessoa ouvir, para a pessoa com deficiência visual, para a pessoa não alfabetizada, para a pessoa que está atravessando a cidade num trem lotado e não quer carregar o livro, mas vai poder ir escutando isso. O livro tem também audiodescrição de todas as imagens e que pensa numa sensibilidade estética e considera também outros elementos que estão ali, entendendo que isso é uma ferramenta de mediação editorial. É para todas as pessoas." Trata-se de "convidar cada pessoa a ler do seu jeito". "Você pode ouvir, ler, ler ouvindo, ouvir só a paisagem sonora. São muitas entradas possíveis. Isso é um desejo de pensar também num, digamos, hábito contemporâneo de leitura", finaliza Prado. O Dossiê Acessibilidade ficará disponível no site do IC. *Texto alterado, às14h48, para correção Relacionadas"Na época, usava-se o CD. Isso também é uma discussão desse campo. A gente tem que estar acompanhando as tecnologias. Hoje a gente usa o QR Code. Daqui a um tempo, isso vai estar obsoleto", reflete Prado, que, naquele momento, havia acabado de chegar ao instituto, para atuar na equipe responsável pela função educativa. "Pouco tempo depois eu comecei a construir os materiais educativos e o primeiro deles já foi feito com a participação de pessoas convidadas, professores, educadores, estudantes."





