Por Joshua Benton*
De todas as iniciativas políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), esta pode ser a que conta com a maior base de apoio não relacionada ao movimento MAGA (Make America Great Again). Em 9 de setembro, a Casa Branca anunciou que planeja tornar muito mais difícil —provavelmente impossível— para as empresas farmacêuticas anunciarem seus medicamentos na TV.
Veja bem, até 1997 as empresas farmacêuticas eram obrigadas a incluir enormes quantidades de informações sobre os potenciais efeitos colaterais e riscos de um medicamento em qualquer anúncio. A quantidade de informações exigida caberia, digamos, em um anúncio de página inteira em uma revista —mas era muita informação para caber em um comercial de TV de 30 ou 60 segundos. Isso significava que os anúncios farmacêuticos, embora não proibidos, eram quase inéditos na televisão. Mas naquele ano, a FDA (Food and Drug Administration) mudou suas regras para permitir que as empresas farmacêuticas incluíssem só um “breve resumo” dos maiores riscos.
Essa mudança deu origem a um boom publicitário para a história. Em 1996, ano anterior ao afrouxamento das normas, a publicidade de medicamentos nos Estados Unidos totalizou US$ 600 milhões (cerca de US$ 1,2 bilhão em valores atuais). Em 2024, esse número seria de US$ 10,1 bilhões. Nos primeiros 5 meses deste ano, os anúncios de medicamentos representaram 24% de todos os anúncios nos noticiários noturnos da TV a cabo. (A vantagem de ter um público mais velho, supõe-se).
Trump quer voltar à regra antiga, tornando obrigatória novamente aquela lista exaustiva de riscos —o que tornaria a publicidade na TV praticamente impossível novamente. É uma ideia muito razoável. Os Estados Unidos são um dos 2 únicos países a permitir anúncios de medicamentos prescritos na TV. (Olá, Nova Zelândia!) Poucas pessoas deixariam de ver os anúncios sobre disfunção erétil ou tentar adivinhar qual repositório de dados de vigilância digital fez o YouTube decidir que você é o alvo perfeito para o tratamento de eczema.
Uma pesquisa em junho descobriu que 75% dos norte-americanos apoiam a restrição de anúncios de medicamentos na TV.1 Também é uma questão rara que não é especialmente partidária. E os anúncios de medicamentos podem estar se tornando menos eficazes à medida que os hábitos da mídia mudam. Em 2015, uma pesquisa descobriu que 31% dos norte-americanos conversavam com seu médico sobre um medicamento que tinham visto em um anúncio. Uma pesquisa da KFF (Kaiser Family Foundation) no início de 2025 descobriu que esse número havia caído para 18%.
Mas, ainda assim, estamos falando de uma enorme quantidade de receita publicitária —desproporcionalmente focada em programação jornalística!— que poderia simplesmente… desaparecer.2 Anúncios de medicamentos representam 13% de toda a receita publicitária das redes nacionais. Juntos, eles geraram US$ 2,7 bilhões em receita para ABC, NBC, CBS e Fox, e se essa receita desaparecesse repentinamente, seria de se esperar que os cortes orçamentários resultantes vissem desproporcionalmente o setor de notícias.
No outono de 2024, escrevi sobre todas as propostas do Projeto 2025 que poderiam ter um grande impacto no jornalismo —uma coleção de recauchutagens do 1º governo Trump e de antigas listas de desejos conservadores. Uma das 8 propostas que destaquei foi, na verdade, a proibição da propaganda de medicamentos na TV. Desde então, a maioria das 8 passou de ideia para política federal. Pelas minhas contas, 5 foram colocadas em prática. Duas ainda estão em andamento, mas quase certamente serão realizadas. A última é tecnicamente improvável —mas também já foi realizada em espírito. Aqui está o resumo deprimente:
Feito. Em abril, a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, encerrou uma política do Departamento de Justiça que impedia promotores federais de intimar e apreender registros de repórteres, exceto nas circunstâncias mais extremas. (Eles adquiriram bastante prática nisso durante o 1º governo Trump).
Feito. Em julho, Trump convenceu o Congresso a rescindir US$ 1,1 bilhão em financiamento já aprovado para a CPB (Corporation for Public Broadcasting), forçando-a a fechar completamente e esvaziando os orçamentos das estações de rádio mais pobres do sistema.
Feito. Em março, Trump assinou uma ordem executiva essencialmente fechando a Voz da América (ou, como a Casa Branca a chama, “Voz da América Radical”), colocando todos os funcionários em licença administrativa. Um juiz federal emitiu uma liminar para impedir Trump, mas a chefe da Voz da América, Kari Lake, foi em frente e fez uma limpeza geral mesmo assim, demitindo 1.400 de seus 1.650 funcionários —mantendo o restante apenas porque a lei federal exige que o serviço de radiodifusão tenha pelo menos 250 funcionários. O site da Voz da América ainda está no ar —com uma reportagem datada de 15 de março destacada.
Feito. Em fevereiro, o Pentágono anunciou que faria um “rodízio” dos veículos de comunicação que poderiam ter um espaço de trabalho lá. Saíram: NPR, NBC News e Politico. Entraram: Breitbart, OANN e New York Post. Naquele mesmo mês, a Casa Branca decidiu unilateralmente que escolheria quais repórteres cobririam o presidente. A Casa Branca proibiu o acesso da AP (Associated Press) a Trump porque ele não gostava que chamassem o golfo do México de golfo do México. Então, quando um juiz federal nomeado por Trump disse que ele não poderia fazer isso, ele baniu todos os serviços de notícias da Casa Branca. A sala de imprensa da Casa Branca não foi fechada, mas foi transformada em um conjunto de podcasters, blogueiros e acólitos do MAGA que iniciam suas perguntas com: “O presidente Trump parece mais saudável do que nunca. Tenho certeza de que todos nesta sala concordam”.3
Feito. Em agosto, a diretora de Inteligência Nacional dos EUA, Tulsi Gabbard (ainda um nome estranho de se digitar), revogou as autorizações de segurança de 37 funcionários de inteligência, atuais e antigos, por terem falado com repórteres. (Ou, como ela definiu, “politizar e manipular inteligência” e “vazar inteligência confidencial sem autorização”). Essa foi só a mais recente rodada de rescisões que visam aqueles que Trump considera responsáveis pela cobertura negativa da imprensa.
Em andamento. A FCC (Comissão Federal de Comunicações) anunciou em 10 de setembro que iniciará o processo de remoção (ou melhor, “modernização”) das regras que atualmente impedem que grandes empresas de mídia possuam muitas emissoras de TV em um determinado mercado. Considerando que o presidente da FCC, Brendan Carr, literalmente escreveu esta proposta para o Projeto 2025, acredito que podemos esperar que isso aconteça assim que o calendário regulatório permitir.
Em andamento. (Você não pode ter tudo, sabe). Em abril, autoridades do governo realizaram uma grande conferência para defender a “reforma” da Seção 230 como a maneira de lidar com a “censura das big techs” que, segundo eles, os conservadores enfrentam. Carr prometeu “avançar na reforma da Seção 230” e “esmagar o cartel da censura”, afirmando que as empresas de tecnologia deveriam enfrentar ações legais do governo federal quando retiram conteúdo que o governo gosta. O presidente da Comissão Federal de Comércio, Andrew Ferguson, endossou uma lei da Flórida atualmente bloqueada que, segundo Ron DeSantis, foi criada para proteger “nossa liberdade de expressão como conservadores” e aplicar multas de até US$ 250.000 por dia para decisões de moderação que o governo não gosta. É provável que isso aconteça, pessoal.
Em pausa e improvável —mas realizado em espírito. O TikTok deveria ser banido em 18 de janeiro, e a rede foi desativada por algumas horas. Mas Trump disse que ofereceria uma extensão de 90 dias para permitir que o aplicativo fosse vendido pela ByteDance, sediada na China, a novos proprietários escolhidos por Trump, como talvez Elon Musk ou Larry Ellison —literalmente os 2 seres humanos mais ricos da história da espécie. Foi uma evidência precoce de seu recém-descoberto amor pela política industrial e seu interesse de longa data em nepotismo. Uma extensão de 90 dias se tornou 3 (e provavelmente em breve 4 extensões). O pânico da segurança nacional sobre a influência tortuosa da China acabou por se resumir principalmente a crianças que apoiavam os palestinos; Trump agora chama essas preocupações de “altamente superestimadas” e ele próprio se juntou à plataforma em junho. Portanto, embora o TikTok quase certamente não seja banido, ele será vendido para qualquer bilionário que Trump ache que pode ajudar mais em sua causa.
Notas de rodapé
1 Embora essa pesquisa tenha sido encomendada por algo chamado Aliança pela Reforma Farmacêutica, que pressiona a “Big Pharma” a reduzir os preços dos medicamentos. Eles não divulgam nada sobre seus líderes ou doadores em seu site; aposto US$ 5 que ela é financiada por grandes seguradoras, grandes hospitais, grandes gestoras de benefícios de farmácias ou algum outro setor da indústria que se beneficiaria com preços mais baixos de medicamentos.
2 A indústria farmacêutica certamente lutará contra essa quase proibição na Justiça, argumentando que ela viola seus direitos da 1ª Emenda.
3 Essa fala foi de um “correspondente” da Lindell TV, o serviço de streaming do cara do MyPillow.
*Joshua Benton é fundador e escritor sênior do Nieman Lab.
Texto traduzido por Letícia Mendes. Leia o original em inglês.
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