• Sábado, 20 de setembro de 2025

Pressão de Trump transforma liberdade de imprensa em censura velada

As declarações do presidente americano repercutiram amplamente por sugerir sanções a redes como ABC e NBC

Durante o voo de retorno de sua viagem oficial ao Reino Unido, o presidente dos Estados Unidos, , sugeriu retirar licenças de emissoras que o criticam, ampliando tensões com a mídia. Em entrevista à RFI, a professora de ciências politicas Élizabeth Sheppard-Sellam alerta para um “clima de medo” nos bastidores da TV norte-americana. Segundo ela, empresas cedem à pressão do governo por receio de perder fusões e concessões reguladas pela FCC, agência hoje sob influência direta do Executivo. O presidente dos Estados Unidos afirmou ter lido “em algum lugar” que “as redes estavam 97% contra mim, recebo 97% de cobertura negativa, e mesmo assim venci — e com facilidade”, disse Trump ao retornar a Washington, acrescentando: “Acho que talvez a licença deles devesse ser retirada.” Leia também As declarações de Trump, registradas por jornalistas a bordo do avião presidencial Air Force One, repercutiram amplamente por sugerir sanções a redes como ABC e NBC, intensificando o debate sobre liberdade de imprensa nos Estados Unidos. “Clima de medo” A suspensão do humorista Jimmy Kimmel, apresentador de um dos principais late shows da televisão norte-americana, após críticas ao presidente Donald Trump, reacendeu o debate sobre liberdade de expressão e pressão política sobre os meios de comunicação nos EUA. Para a professora sênior de ciências políticas da Universidade de Tours, Élizabeth Sheppard-Sellam, o episódio revela um “clima de medo” instalado nas redações e emissoras, com consequências diretas sobre a pluralidade de vozes no país. Em entrevista à RFI, Sheppard-Sellam afirmou que, embora juridicamente não seja possível retirar licenças de emissoras por críticas ao presidente, “tudo se torna possível a partir do momento em que as instituições não enfrentam Donald Trump”. Segundo ela, há uma série de mecanismos indiretos de pressão que levam grupos de mídia a se autocensurar ou a tomar decisões editoriais por receio de represálias. A especialista cita o caso de Stephen Colbert, apresentador do Late show, cujo programa foi cancelado pela CBS sob justificativa financeira. “É um pretexto”, afirma. “Estamos falando de emissões cultuadas, com boa audiência. As empresas que os produzem, como a Paramount, estão em processo de fusão ou expansão e dependem da aprovação da FCC, agência reguladora do setor audiovisual, hoje sob influência direta do Executivo.” “Censura velada” Sheppard-Sellam lembra que Trump nomeou o atual chefe da FCC, o que coloca as emissoras em posição vulnerável. “Elas temem não obter validação para seus negócios e às vezes cedem sem que lhes seja sequer pedido para fazê-lo”, explica. No caso de Kimmel, não houve solicitação formal, mas o medo se impôs. “Algumas afiliadas da ABC, como a Sinclair, são extremamente conservadoras. Há uma pressão econômica que funciona como censura velada.” A professora também menciona que grandes redes como CBS e NBC aceitaram pagar para encerrar processos judiciais com Trump, mesmo quando havia chances reais de vitória. “É um clima de medo que prevalece”, resume. “Produtores do programa 60 Minutes deixaram a emissora e escreveram uma carta clara: ‘Hoje, o clima de medo se instala e isso leva a uma censura inicial, defensiva, para evitar problemas com a administração Trump'”, relata. Questionada sobre o agravamento da situação em relação ao primeiro mandato de Trump, Sheppard-Sellam destaca que o cenário atual é “absolutamente alucinante do ponto de vista jurídico”. Ela lembra que a Primeira Emenda da Constituição dos EUA garante uma liberdade de expressão mais ampla do que as legislações europeias. “Não estamos falando de discurso ilegal. Nem Colbert, nem Kimmel violaram a lei. Portanto, não é a lei que dita isso.” Autocensura Segundo a especialista, o que mudou foi a influência crescente do presidente sobre instituições federais e até sobre alguns tribunais, impulsionada pela implementação do chamado Projeto 2025, elaborado por ideólogos ultraconservadores. “A Primeira Emenda é quase absoluta. Ela existe para proteger os governados, não os governantes”, reforça. Sobre a proposta dos democratas de criar uma nova lei para garantir a liberdade de imprensa, Sheppard-Sellam é cética. “O problema não é a lei. É preciso respeitar o que já existe. Um novo texto não tem grandes chances de passar pelo Congresso, onde os democratas não têm maioria. Governadores como Gavin Newsom, na Califórnia, e J.B. Pritzker, em Illinois, estão reagindo, mas no nível federal, não há muito o que fazer.” Para a professora, o cerne da questão não está na legislação, mas na administração e na capacidade das instituições de resistirem à pressão política. “Hoje, vemos empresas cedendo por medo, e isso compromete profundamente a saúde democrática dos Estados Unidos.” Leia mais em , parceira do Metrópoles.
Por: Metrópoles

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