Roraima vive uma transformação energética e econômica sem precedentes.
Até 2018, sofria com mais de 80 apagões por ano. Desde então, reduziu os blecautes em 95% graças ao gás natural –combustível de transição que hoje responde por quase 10% da energia elétrica do país e 70% da produzida no Estado. Roraima também viu seu PIB disparar 37,7% em 6 anos, quase 3 vezes acima do crescimento nacional.
Desde a aprovação do novo marco regulatório do gás, em 2021, o setor brasileiro se aproxima de um novo horizonte: competitivo, regionalizado e estratégico para o desenvolvimento.
A comparação mais próxima vem da Argentina, que produz mais da metade de sua energia a partir do gás natural e conta com mais de 162.000 quilômetros de gasodutos. No Brasil, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), são pouco mais de 58.000 quilômetros –cerca de 1/3 da malha argentina.
Para mostrar as oportunidades e os desafios dessa transformação, o Poder360, em parceria com a empresa de energia Eneva, apresenta a série Rota do Gás.
Em 3 capítulos, a reportagem percorre Roraima, Amazonas, Maranhão e Sergipe para entender como o combustível de transição está moldando o futuro energético do país.
Na 1ª parte, o foco está na rota amazônica –um caminho que começa no subsolo do Amazonas e termina em Roraima, onde o gás natural ajudou o Estado a vencer um histórico de apagões e a se conectar, pela 1ª vez, ao SIN (Sistema Interligado Nacional).
Assista ao 1º capítulo da série Rota do Gás (14min56s):
Roraima enfrentava uma crise energética profunda até 2018. Era dependente da importação de energia da Venezuela e sofria com mais de 80 apagões por ano. Em 2024, foram só 4.
O governador Antonio Denarium (PP) resume o impacto da transformação: “A segurança energética é de fundamental importância para o desenvolvimento de uma nação e de um Estado. Vivíamos uma crise profunda no fornecimento de energia elétrica em 2018. Agora, tivemos a redução de mais de 95% nos apagões. Hoje, Roraima está interligada ao Sistema Nacional e tem energia limpa e segura”.
Assista à entrevista ao Poder360 (15min50s):
O reflexo também se vê na economia.
“Roraima tem por 6 anos consecutivos o maior crescimento do PIB do Brasil. De 2019 a 2024, tivemos um crescimento de 37,7% no PIB do Estado, enquanto o Brasil cresceu 10,5%”, afirma.
Vencer os apagões exigiu mais do que vontade política. O gás que hoje ilumina Roraima percorre mais de 1.000 quilômetros desde sua origem até o destino final.
Sai de Silves (AM), no coração da Amazônia, e atravessa a floresta até Boa Vista (RR). É um trajeto longo, complexo –e decisivo– para manter o Estado aceso e conectado.
O combustível cruza os 2 Estados, passa pelas suas capitais e termina em forma de eletricidade. O ponto final dessa jornada é a usina Jaguatirica 2, nos arredores da capital roraimense.
O gerente de operações da planta, Denis Luz, explica o papel da estrutura: “Essa usina tem capacidade para gerar até 70% da carga aqui do Estado. Outro ponto importante é que substituiu em grande parte a geração a diesel. Mesmo com Roraima conectada ao sistema nacional, Jaguatirica é fundamental para garantir a estabilidade do fornecimento.”
Roraima foi o último Estado do país a ser conectado ao SIN. Só em 10 de setembro de 2025 essa ligação foi realizada. Até então, era necessário usar fontes locais ou importar energia.
Independentemente do novo status de Roraima, o combustível que move Jaguatirica 2 tem origem no Amazonas.
É em Silves, no Complexo Azulão, que o gás é retirado do subsolo e começa sua trajetória. Três poços ativos alimentam uma cadeia de tecnologia e precisão.
Ali, o gás é liquefeito e embarcado em um sistema door to door que virou referência no país: 110 carretas cruzam a floresta, formando o maior corredor de gás movido a caminhões da América Latina.
São 21 carretas por dia, atravessando rios e estradas –uma operação que combina engenharia, logística e propósito: manter aceso o Norte do Brasil.
O gerente da usina, Thiago Cury, dá detalhes sobre o processo: “Temos aqui um cluster com 3 poços. O gás extraído passa por separação do líquido e do gasoso. Parte dele abastece nossa autogeração, e parte segue para liquefação, onde reduzimos a molécula em 600 vezes para aumentar a capacidade de transporte. Após liquefeito, o gás vai para tanques de armazenamento e segue em carretas até Boa Vista”.
Segundo Cury, o Projeto Azulão-Jaguatirica demandou R$ 1 bilhão em investimentos e criou uma ampla rede de empregos locais. “Atualmente, a Eneva possui uma escola técnica em Silves, hotelaria em Itapiranga [cidade vizinha] e diversos projetos sociais. Nosso propósito é apoiar as famílias a gerar suas próprias riquezas”, disse.
Um dos legados citados por Cury é o projeto Elas Empreendedoras –iniciativa voltada à capacitação de mulheres da região. Mais de R$ 3 milhões foram investidos em cursos de confeitaria, costura, artesanato, entre outros.
Em Itapiranga, cidade vizinha de Silves, as participantes produzem a alimentação de escolas locais e costuram os uniformes das crianças.
“Esse projeto acolhe mulheres e a gente trabalha com costura, alimentação e biojoia […] Na cozinha, fazemos a merenda de 4 escolas, para 160 crianças, 4 dias por semana. Fazemos bolo, patê, mingau e kikão [um tipo de cachorro-quente]”, conta Hildarlene Anne dos Santos Serrão, 43 anos, participante há 3 anos do projeto.
O impacto do gás natural não passou despercebido –nem pela sociedade, nem pelos governos.
O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), recebeu o Poder360 para falar sobre a relevância do setor.
“O gás natural é importante do ponto de vista social, porque deixa um legado nas áreas onde é explorado. Silves e Itapiranga vivem outra realidade. Os terrenos valorizaram, há programas de acolhimento e formação profissional. Apesar de ser fóssil, é o combustível mais seguro e abundante para a transição energética.”
Assista à íntegra da entrevista ao Poder360 (17min19s):
A cadeia do gás é complexa –e profundamente humana. Da extração no subsolo à travessia pelas florestas, cada etapa movimenta tecnologia, empregos e conhecimento.
O Complexo Azulão se prepara para uma nova fase, com o projeto Azulão 950, que ampliará a produção e consolidará o polo energético na Amazônia.
Agora, além de explorar o gás do subsolo, Silves terá uma usina de produção de energia.
O gás natural oferece geração de energia constante, diferentemente de outras fontes renováveis, mas intermitentes, como sol e vento. Wilson Lima traz um ponto interessante: mesmo sendo renováveis, essas energias também dependem de elementos não renováveis, assim como os combustíveis fósseis.
“A energia solar é uma saída interessante, mas qual o custo disso? O quanto a gente vai precisar de minerais estratégicos? Quanto a gente vai ter que escavar? Quantas minas vão ter que ser exploradas, descobertas para poder atender a demanda do mundo para fabricar, por exemplo, as placas de energia solar? Então a gente precisa, e com muita ponderação, com relação a essa transição energética, entender que não existe um único modelo. É preciso levar em consideração cada realidade.”
No Amazonas, a transformação local chegou também na forma de royalties e oportunidades. Do Estado aos municípios.
“Os royalties hoje ainda estão numa faixa de cerca de R$ 150 mil por mês, algo em torno de R$ 2 milhões por ano”, afirma Paulino Grana (Republicanos), prefeito de Silves. “O recurso é aplicado em educação (25%), saúde (15%) e infraestrutura. O objetivo é melhorar a cidade de forma permanente.”
Denarium destaca também o efeito sobre o emprego na capital e no interior: “Temos o Estado que mais gera empregos formais do Brasil. Desde 2018, ampliamos em 61% o número de carteiras assinadas. A taxa de desemprego caiu de 15,9% para 5,5%. Agora o foco é capacitar mais pessoas para que possam entrar no mercado e somar à força de trabalho do Estado”.
O gás natural mudou o Norte do Brasil. No Amazonas, levou desenvolvimento e empregos. Em Roraima, trouxe luz, estabilidade e um novo ciclo de crescimento –mantendo viva a floresta.
O combustível de transição mostra que é possível crescer com responsabilidade ambiental. O gás emite até 35% menos resíduos que o diesel, reduzindo impactos e fortalecendo o equilíbrio entre progresso e preservação.
“Temos um potencial muito grande para usar essa energia em favor da população, no processo de transição energética e também como contrapartida social: geração de emprego, renda e aumento do PIB”, afirma Wilson Lima.
Essa combinação de inovação, política pública e sustentabilidade redefine o papel do gás no Brasil. Do Norte ao Nordeste, conecta territórios e transforma vidas.
A próxima reportagem da série mostra como o Maranhão vive a sua própria revolução energética –o novo eixo da Rota do Gás.
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