A indústria química brasileira enfrenta hoje uma ociosidade de até 40% de sua capacidade instalada. Impactada pela desidratação do Reiq (Regime Especial da Indústria Química), a partir de 2016, a indústria tem perdido espaço para importadores.
Segundo o presidente-executivo da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), André Passos, 55 anos, a entidade defende um pacote para reduzir custos, aumentar a produção e gerar até R$ 65 bilhões em arrecadação em 5 anos.
“Queremos intensificar o incentivo para retomar a produção. Hoje, a ociosidade é de até 40%, quando o ideal seria operar com 80%. Propusemos reduzir novamente a alíquota para 1%. O objetivo é elevar produção, vendas, faturamento e arrecadação. Caso contrário, o efeito será o oposto: aumento da carga tributária e queda na arrecadação”, disse em entrevista ao Poder360. Assista à íntegra (31min29seg):
André Passos tem 55 anos e é presidente da Abiquim desde 2022. É economista e atua há mais 20 anos no setor petroquímico. Foi secretário de Orçamento da prefeitura de Porto Alegre (RS).
Outro ponto de preocupação do setor é o tarifaço de 50% sobre importações de produtos brasileiros pelos Estados Unidos. Segundo Passos, o setor é altamente impactado porque o país é o maior cliente dos produtos brasileiros.
“Afeta de forma indistinta empresas que exportam de US$ 1 milhão a US$ 400 milhões. Todas vão sofrer no faturamento e no resultado. É uma situação crítica que exige decisão rápida. O governo reconheceu a fragilidade do setor –com custos de produção mais altos e dependência de matéria-prima cara– e elevou o imposto de importação para conter práticas predatórias. Mas isso não resolve de forma estrutural. A saída é reduzir o custo da matéria-prima no Brasil e aliviar a carga tributária”, disse.
Leia trechos da entrevista:
A Abiquim apoiou estudo do Instituto Esfera que projeta o Brasil como o país com maior alta da carga tributária até 2050, de 34% para 42,8% do PIB. Por que esse salto?
Nosso interesse nesse estudo foi em dimensionar perspectivas. A carga tributária brasileira inclui o que chamamos de investimento tributário, que são os programas que implicam na redução de carga tributária para setores. Aí tem uma alíquota reduzida mediante determinado objetivo. A indústria química tem um tipo de investimento tributário, que é o Reiq (Regime Especial da Indústria Química). É um regime flexível com contrapartidas e objetivos claros, mensuráveis. Garante a competitividade da indústria química brasileira em comparação com outros países. Há contrapartidas na taxa de ocupação da indústria, no ponto de vista ambiental. O principal objetivo do estudo é analisar a qualidade de cada um. Sobre a expectativa de alta tributária, ela talvez possa ser revertida com a implantação da reforma tributária. Mas, assumidas as premissas atuais, a tendência é de crescimento da carga tributária, especialmente sobre a indústria, que paga mais de um terço da carga.
Como assim?
A carga tributária é mal distribuída. Hoje, a indústria responde por cerca de 1/3 da arrecadação nacional, o que a torna o principal sustentáculo do sistema. Sua proporção no PIB é de 11% a 12% –uma relação desproporcional. Além disso, a carga não para de crescer e, em muitos casos, faltam dados consistentes para avaliar a real eficácia desses tributos.
Que dados mostram a eficiência do Reiq?
Há uma tendência de crescimento da carga tributária ao longo do tempo, e entendemos que era necessário avaliar o investimento. O regime foi criado no início dos anos 2000, quando os Estados Unidos descobriram o gás xisto –matéria-prima 3 a 4 vezes mais barata que a nafta, predominante no Brasil. Como se tratava do nosso principal competidor, levamos ao governo a preocupação de que, sem desoneração, perderíamos capacidade de competir e o país reduziria arrecadação. Na época, a alíquota de PIS/Cofins foi fixada em 1%. Funcionou: a indústria usava cerca de 80% da capacidade produtiva. Mesmo com os EUA reduzindo custos e tentando dominar o mercado brasileiro de químicos, o regime deu resultado por um tempo. A partir de 2016, porém, o imposto começou a subir –chegou a 5,6%. O regime perdeu força, a produção nacional mergulhou e os importados passaram a ganhar espaço. No caso das resinas, usadas para fabricar plásticos, a indústria nacional já deteve 70% do mercado; hoje está em torno de 40%. Produção e arrecadação caíram. Depois de 2022, a situação se agravou. O governo elevou o PIS/Cofins para 9,25% por um ano, mas perdeu R$ 6 bilhões em arrecadação, já que a produção recuou. Em novembro de 2023, reduziu ligeiramente para 8,52%. Por esses efeitos claros e mensuráveis, defendemos que o regime especial da indústria química é um bom investimento tributário.
O que vocês propõem agora?
Queremos intensificar o incentivo para retomar a produção. Hoje, a ociosidade é de 35%, quando o ideal seria operar com 80% da capacidade. Propusemos reduzir novamente a alíquota para 1% e estamos em diálogo com o Congresso e com os ministérios da Fazenda, Casa Civil e Indústria para definir o ponto de equilíbrio. O objetivo é elevar produção, vendas, faturamento e arrecadação. Estimamos que o governo possa ganhar até R$ 65 bilhões adicionais em 5 anos com o programa. Caso contrário, o efeito será o oposto: aumento da carga tributária e queda na arrecadação.
Qual o faturamento líquido anual do setor?
Em 2024, foi de US$ 170 bilhões. O setor emprega 400 mil pessoas diretamente e mais de 1,5 milhão, indiretamente. O grande desafio, porém, é o custo de produzir no Brasil. Até o início dos anos 2000, 60% a 70% da nafta era nacional; hoje, só 30%. Dependemos do refino externo, sobretudo dos EUA. Deveríamos ter avançado no uso dos líquidos do gás natural, como o etano, mas não fizemos esse movimento. Resultado: produzimos com uma matéria-prima que já começa 20% mais cara que a de fora. E ainda enfrentamos uma carga tributária de 43%, contra 20% nos EUA.
E o tarifaço de 50% tem impacto amplo no setor, não?
Sim. Afeta de forma indistinta empresas que exportam de US$ 1 milhão a US$ 400 milhões. Todas vão sofrer no faturamento e no resultado. É uma situação crítica que exige decisão rápida. O governo reconheceu a fragilidade do setor –com custos de produção mais altos e dependência de matéria-prima cara– e elevou o imposto de importação para conter práticas predatórias. Mas isso não resolve de forma estrutural. A saída é reduzir o custo da matéria-prima no Brasil e aliviar a carga tributária.
Como a reforma tributária impacta o setor?
Positivamente. Só que tudo vai depender do patamar da alíquota somada dos impostos sobre consumo. Pode ser que a situação fique exatamente do jeito que está. É um receio. Obviamente que vai descomplicar.
O Brasil tem uma reserva razoavelmente grande de gás. Por que a indústria não usa?
Porque hoje ele é destinado quase integralmente ao setor de energia — e a preços elevados: US$ 13 por milhão de BTUs, contra US$ 3 a US$ 4 nos Estados Unidos. Apesar de ser grande exportadora, a indústria também importa insumos, e qualquer alteração nesse equilíbrio exige mudanças estruturais no modelo de crescimento do país.
O Brasil está pronto para essa discussão?
Começamos a resgatar a ideia de uma política industrial –o NIB– que vejo como um caminho importante para o crescimento. Ele é positivo porque é orgânico: reúne em um só lugar diversos instrumentos de política econômica para a indústria, como crédito, incentivos e transição ecológica. O problema é que o funding ainda é limitado e há 35% a 40% de ociosidade nas plantas. Dificilmente haverá decisão de investimento relevante nessas condições. A Câmara propôs 2 instrumentos em projeto de lei: um que desonera a aquisição de matéria-prima para aumentar a ocupação da capacidade e outro que incentiva o investimento. Essa é a lógica do programa que propomos ao governo. Não adianta oferecer crédito para setores com alta ociosidade; é preciso primeiro aumentar a utilização da capacidade existente.
Como você entende a atual crise fiscal do país?
A situação fiscal do Brasil é crítica por 3 fatores principais. Primeiro, o serviço da dívida, que consome cerca de R$ 900 bilhões por ano. Segundo, a eficiência do gasto público –é preciso redesenhar a máquina estatal, avançar na reforma administrativa, reduzir o custo da máquina e aplicar menos recursos em processos burocráticos. Terceiro, construir um modelo econômico capaz de gerar emprego de qualidade e renda mais alta. Estamos em um nível histórico baixo de desemprego, mas a questão é: qual é a qualidade desses empregos? Hoje, basicamente geramos vagas no comércio, enquanto a indústria e o agro estão parados. São empregos de baixa remuneração. É preciso acelerar a industrialização em setores mais complexos, com maior valor agregado, o que amplia faturamento, gera mais empregos qualificados e aumenta a arrecadação.