• Sábado, 25 de outubro de 2025

Conheça o “pai do sertanejo”, o homem que transformou a vida rural em música

Muito antes das arenas de rodeio e do sertanejo, um jornalista e folclorista visionário desafiou a elite urbana e as gravadoras para registrar, pela primeira vez, a autêntica música caipira. Conheça a história do homem que deu voz ao Brasil rural

Muito antes das arenas de rodeio e do sertanejo, um jornalista e folclorista visionário desafiou a elite urbana e as gravadoras para registrar, pela primeira vez, a autêntica música caipira. Conheça a história do homem que deu voz ao Brasil rural Em 1928, a música que dominava as rádios e os gramofones das capitais brasileiras era o samba, o choro e as valsas. A vida no campo, com suas violas, seus “causos” e sua melancolia particular, era vista pela elite urbana como um sinônimo de atraso, algo “jeca” ou “capiau”, indigno de ser gravado. A música do homem do campo existia, pulsava forte nas fazendas, nos terreiros e nas festas de colheita, mas era restrita ao seu próprio universo. Ela era transmitida oralmente, de pai para filho, sem registro formal.
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    Foi preciso um homem, que não era músico, mas sim um jornalista, escritor e folclorista, para mudar esse cenário para sempre. Seu nome: Cornélio Pires. Considerado por unanimidade o “Pai do Sertanejo”, foi ele o responsável por provar que a alma do interior paulista, mineiro e de todo o Brasil rural tinha valor cultural e, crucialmente, comercial. Siga a leitura e acompanhe o Compre Rural, aqui você encontra informação de qualidade para fortalecer o campo.window._taboola = window._taboola || []; _taboola.push({mode:'thumbnails-mid', container:'taboola-mid-article-thumbnails', placement:'Mid Article Thumbnails', target_type: 'mix'});O visionário que viu ouro na roça Nascido em Tietê (SP) em 1884, Cornélio Pires era um intelectual. Ele circulava pelos cafés de São Paulo, era amigo de Monteiro Lobato e de Tarsila do Amaral, mas sua verdadeira paixão era a cultura popular do interior. Ele viajava extensivamente pela “alta paulista” e pelo interior do Brasil, não como um turista, mas como um etnógrafo dedicado. Sua missão ia muito além da música. Pires documentava meticulosamente o folclore, o linguajar (o dialeto caipira), as crenças, as receitas e as histórias que ouvira desde criança. Ele entendia que aquele modo de vida, diante da urbanização crescente, estava ameaçado de desaparecer. Para Pires, o “homem do campo” não era uma figura atrasada, mas sim o guardião da verdadeira identidade brasileira. E a maior expressão dessa identidade era a música. No entanto, quando ele teve a ideia de levar esses artistas rurais, com suas violas e sanfonas, para um estúdio de gravação, a resposta foi unânime: “Não”.A batalha contra o preconceito No final da década de 1920, Cornélio Pires bateu na porta de todas as grandes gravadoras da época, como a Columbia e a Victor. Ele levava consigo uma trupe de artistas caipiras que havia selecionado em suas viagens. A resposta que ouviu foi zombeteira. Os executivos das gravadoras não viam sentido em gastar dinheiro com “música de capiau”. Disseram que aquilo “não vendia” e que o público urbano jamais compraria discos com “aqueles lamentos”. O preconceito era claro: a música caipira era vista como um produto cultural inferior. Conheça o “pai do sertanejo”, o homem que transformou a vida rural em música
    Cornélio Pires — Foto: Acervo/Pedro Massa/Instituto Cornélio Pires
    O financiamento do próprio bolso Cornélio Pires não desistiu. Convencido do potencial daquele som autêntico, ele fez o impensável: financiou a gravação do próprio bolso. Em um ato de teimosia visionária, ele alugou os estúdios da Columbia, em São Paulo, e pagou pela prensagem dos primeiros discos. Em 1928 (com lançamento massivo em 1929), nascia o selo “Série Caipira Cornélio Pires”. O primeiro disco gravado trazia de um lado “Jorginho do Sertão” (uma moda de viola) e do outro “Desafio”, ambos interpretados pela dupla Mariano e Caçula. O disco vinha com um selo distinto que dizia “Gravação de Cenas Sertanejas”. O resultado? Um sucesso estrondoso e imediato.Os discos, que Cornélio Pires inicialmente vendia de forma independente em lojas de artigos rurais e até mesmo em circos, esgotaram-se rapidamente. A demanda foi tão avassaladora que as mesmas gravadoras que o haviam rejeitado agora disputavam o direito de distribuir seu catálogo. Cornélio Pires havia provado que o Brasil queria se ouvir. Conheça o “pai do sertanejo”, o homem que transformou a vida rural em música
    Cornélio Pires durante apresentação no início do século XX — Foto: Acervo/Pedro Massa/Instituto Cornélio Pires
    O Legado O impacto da “Turma Caipira” de Cornélio Pires, que incluía nomes hoje lendários como Zico Dias, Ferrinho, e a dupla Mandi e Sorocabinha, foi profundo.
  • A Criação de um Mercado: Ele não inventou a música caipira, mas inventou o mercado da música caipira. Ele provou que havia um público massivo, tanto no interior quanto nas cidades (formado por migrantes rurais saudosos), disposto a pagar para ouvir aquele som.
  • A Dignidade do Caipira: Ao colocar a música da roça no mesmo formato nobre do samba urbano – o disco de 78 rotações –, Pires deu dignidade ao artista do campo. Ele transformou o “capiau” em artista.
  • A Ponte para o Futuro: O sucesso de Cornélio Pires abriu as portas para a segunda geração, que consolidaria o gênero. Sem ele, a jornada de duplas icônicas como Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, ou Cascatinha e Inhana, teria sido infinitamente mais difícil, se não impossível.
  • A Preservação da Memória: Este talvez seja seu maior legado. Cornélio Pires não gravou apenas música. Ele foi o primeiro a registrar “causos”, piadas, declamações e o que chamava de “fragmentos” do folclore. Ele foi, antes de tudo, um preservacionista. Ao documentar a cultura oral, ele criou uma cápsula do tempo sonora, salvando do esquecimento um modo de falar e de ver o mundo.
  • De Cornélio Pires ao agronejo Hoje, o sertanejo é, de longe, o gênero musical mais ouvido e economicamente poderoso do Brasil. As cifras movimentadas pelo “agronejo” e pelos grandes festivais sertanejos alcançam bilhões de reais anualmente, sendo uma força cultural intrinsecamente ligada ao agronegócio moderno. Embora o som tenha mudado, com a introdução de guitarras, baterias e temas mais urbanos, a raiz de tudo isso está no ato de coragem de Cornélio Pires.Ele foi o homem que, quase cem anos atrás, teve a sensibilidade de ouvir a poesia que vinha da lida com o gado, do cheiro da terra molhada e da simplicidade da colheita. Ele não apenas ouviu; ele fez questão que o Brasil inteiro ouvisse também. Ele, de fato, transformou a vida rural em música. Escrito por Compre Rural VEJA MAIS:
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  • ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
    Por: Redação

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