O avanço do programa nuclear iraniano foi o principal argumento usado por Israel para iniciar os ataques aéreos contra Teerã em 13 de junho. O país judeu acusa os persas de enriquecerem urânio além do nível usado para energia nuclear com a intenção de produzir armas atômicas. O Irã nega.
Enriquecer urânio é necessário para gerar energia. Nesse caso, é necessário elevar a concentração de isótopos mais pesados do elemento químico, chamados de U²³⁵. Na natureza, o urânio é encontrado com 0,7% de U²³⁵. Para se produzir energia nuclear, é necessário subir esse nível a cerca de 4%. Para uma bomba nuclear, o patamar é de 90%.
O Irã não tem estoque de urânio enriquecido a 90%, mas tem mais de 400 kg do elemento a 60%, muito acima do patamar necessário para fins energéticos (4%) ou de pesquisa (20%). Segundo Israel, esse estoque é o suficiente para produzir 9 bombas nucleares com poder de destruição em massa.
De acordo com especialistas em engenharia e física nuclear consultados pelo Poder360, o processo para enriquecer esse urânio até 90% é demorado. Mas o governo israelense do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (Likud, direita) afirma que o regime islâmico estaria próximo de desenvolver ogivas.
O processo mais moderno para enriquecer urânio é o de ultracentrifugação. A 1ª etapa é reagir o urânio com flúor para formar o composto químico hexafluoreto de urânio (UF6). Na sua forma gasosa, ele é inserido em centrífugas que giram em altas velocidades –cerca de 350 m/s– para fazer a separação dos isótopos.
Este mecanismo serve para elevar o teor do urânio 235. Ao girar a centrífuga, o isótopo mais leve (U²³⁵) se concentra no centro e o mais pesado (U²³⁸) vai para a borda. Esse gás contido no centro, agora com maior concentração de urânio 235, é transferido para a centrífuga seguinte, enquanto o urânio mais pesado segue o caminho contrário.
Em Natanz, maior centro iraniano de enriquecimento de urânio, há cerca de 14.000 centrífugas, sendo 11.000 em operação. A capacidade da instalação, contudo, é de aproximadamente 50.000 centrífugas. Em Fordow, 2º maior, há 3.000 centrífugas ativas.
Cada centrífuga eleva o nível de U²³⁵ em cerca de 0,3%, o que torna o processo de enriquecimento do urânio prolongado. Quanto maior a concentração do isótopo leve, mais enriquecido está o gás.
A taxa inicial de urânio 235 encontrado na natureza é de 0,7%, enquanto o urânio 238 responde por 99,3% dos isótopos. De 3% a 5%, o elemento pode ser usado para gerar energia em usinas nucleares. A 20%, tem fins laboratoriais e de pesquisa. A 60%, é usado como combustível de submarinos nucleares. E a 90%, para bombas atômicas.
Em paralelo ao perigo de o Irã obter armas nucleares paira também o risco radiativo de se bombardear essas instalações ou o estoque de urânio enriquecido.
Para o professor de engenharia nuclear Carlos Velasquez, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e o professor aposentado de física nuclear da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Carley Martins, o risco de vazamento é baixo por causa da profundidade na qual as instalações foram construídas. Natanz está de 40 a 50 metros abaixo do solo montanhoso. Fordow, de 80 a 90 metros.
Segundo os especialistas, os locais estariam condenados em um eventual ataque bem-sucedido ao urânio enriquecido, mas o impacto ambiental e às pessoas em regiões próximas seria mínimo.
Tanto Natanz quanto Fordow foram atacadas pelos EUA em 22 de junho. Além de Isfahan, que é uma instalação voltada para a conversão de urânio. Os locais foram atingidos com bombas com alta capacidade de penetração no solo. As GBU-57, desenvolvidas pela Boeing, tem 14 toneladas e chegam a 60 metros de profundidade antes de explodirem.
Segundo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), os bombardeios “destruíram completamente” e “obliteraram” as instalações nucleares iranianas. A versão oficial do governo norte-americano, contudo, é que os ataques aéreos apenas atrasaram o programa de Teerã em “alguns meses”.
O regime dos aiatolás minimizou os prejuízos e indicaram que o estoque de urânio enriquecido está intacto. Já o diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Rafael Grossi, disse que as centrífugas de Fordow estão inoperantes e que Natanz e Isfahan foram “gravemente danificadas”.
PROGRAMA NUCLEAR DO IRÃ
O programa nuclear iraniano foi iniciado na década de 1950, quando o país era governado pela Dinastia Pahlavi, com apoio dos Estados Unidos. Com a queda do regime dos xás pela Revolução Islâmica de 1979, a teocracia dos aiatolás assumiu o poder e o controle do programa.
Em 1989, o Irã iniciou formalmente seu projeto para o desenvolvimento de armas nucleares a partir do urânio enriquecido, conhecido como “Plano Amad”. Sob pressão do Ocidente, foi descontinuado em 2003, segundo a Aiea (Agência Internacional de Energia Atômica), órgão nuclear da ONU. Teerã nega que o Amad tivesse objetivos bélicos.
Israel acusa o país persa de ter mantido o projeto mesmo depois do encerramento oficial em 2003. Em 2006, 2007 e 2008, resoluções do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) impuseram sanções contra o Irã por falhar em interromper o processo de enriquecimento de urânio.
O Irã começou a elevar significativamente seu estoque de urânio enriquecido no final de 2008, quando ultrapassou 1.000 kg do elemento. Continuou em alta até 2013, quando o então presidente iraniano, Hassan Rouhani, e o presidente dos EUA, Barack Obama (democrata) iniciaram os diálogos para um acordo nuclear.
O Plano de Ação Conjunto Global foi concluído em 2015 e assinado pelos 5 integrantes permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia), Alemanha, União Europeia e Irã.
O tratado estabeleceu um limite de 300 kg ao estoque de urânio. Teerã cumpriu até a saída dos EUA do acordo, anunciada pelo presidente Donald Trump em 8 de maio de 2018. O volume do estoque voltou a crescer em 2019 e chegou ao ápice no trimestre encerrado em maio: 8.413,3 kg no total e 408,6 kg a 60%.