• Sábado, 21 de junho de 2025

Organizações de notícias desenvolvem métricas de impacto

“Se você não decidir como vai medir seu sucesso, outra pessoa decidirá por você”, diz editora-chefe do “Charlottesville Tomorrow”.

Qual é a métrica correta para medir o sucesso de uma organização jornalística?

Um painel de líderes do setor jornalístico, a maioria representando veículos de comunicação locais de pequeno porte, propôs respostas a essa pergunta em uma sessão de debate na conferência anual INN Days, do Institute for Nonprofit News, no começo de junho. Foi uma conversa tanto sobre a mensagem das organizações sem fins lucrativos quanto sobre a missão da Redação, voltada para veículos menores que não associam escala de audiência ao sucesso.

Os palestrantes explicaram como pensam, monitoram e comunicam o sucesso para suas comunidades e financiadores. Suas abordagens são distintas, mas compartilham um tema comum: uma mudança da mensuração do alcance ou sucesso de uma notícia –visualizações de página, prêmios e similares– para a definição de sucesso pelo impacto nas pessoas atendidas. É uma perspectiva em um debate mais amplo e espinhoso sobre como avaliar o sucesso, o impacto e a relevância das notícias de organizações sem fins lucrativos.

Em última análise, nosso objetivo não é salvar o jornalismo”, disse Angilee Shah, editora-chefe e CEO do Charlottesville Tomorrow. “Nosso objetivo é criar algo útil e vital para a nossa comunidade”, declarou.

Achamos que houve muita ênfase em métricas de crescimento e quantitativas”, disse Amy Kovac-Ashley, diretora-executiva do Tiny News Collective, “e não o suficiente no que chamamos de métricas de impacto”. Embora o painel tenha se concentrado nessas últimas, ela esperava que os participantes saíssem vendo as diversas métricas como complementares, como arroz e feijão.

O público-alvo do Charlottesville Tomorrow na região central da Virgínia gira em torno de 400 mil pessoas, disse Shah. Esse número é essencial para contextualizar os dados quantitativos do veículo. Quatrocentos usuários acessando uma sessão de perguntas e respostas com candidatos de um distrito específico pode não parecer muito, mas é impressionante se o distrito tiver só 700 eleitores registrados.

O Charlottesville Tomorrow prioriza o acompanhamento do feedback da comunidade. A publicação direciona os usuários para um formulário de contato e realiza escutas comunitárias frequentes, de forma individualizada. A organização, que recebe cerca de 130 mensagens de integrantes da comunidade por dia, desenvolveu um fluxo de trabalho no Slack onde os funcionários podem compartilhar facilmente esse feedback para inclusão em seu rastreador de impacto. Quando aplicável, um editor da comunidade atribui uma pontuação de impacto às contribuições em uma escala de 5 pontos:

O Charlottesville Tomorrow está construindo um painel interno que destacará pontuações de impacto, não só métricas como visualizações de página, para suas reportagens.

Entender que as métricas são indicadores e para que servem é fundamental, disse Shah. Se você passa a maior parte do tempo no painel do Google Analytics, ela pergunta, isso mede o quanto sua comunidade valoriza seu trabalho –ou sua eficiência em criar tráfego na internet? Uma coisa pode influenciar a outra, mas “no jornalismo, muitas vezes confundimos o indicador com algo que ele não significa”, disse ela.

Se um financiador solicita dados que não estão alinhados com a missão do veículo, Shah os compartilha –mas diz a ele, logo de cara, que não é assim que o Charlottesville Tomorrow mede o sucesso.

Investir pesado na busca do Google nunca será o que vai nos trazer sustentabilidade, nem o que vai nos tornar úteis para as comunidades que atendemos”, disse.

Ela rebateu a ideia de que os financiadores precisam de métricas padronizadas para mensurar notícias locais em diferentes comunidades nos mesmos termos. “O desejo de padronizar não leva em conta que cada comunidade opera de forma muito diferente e tem necessidades diferentes”, declarou.

Se você não decidir como vai medir seu sucesso”, ela afirmou, “alguém decidirá por você”.

O Baltimore Beat, uma organização de notícias sem fins lucrativos que honraa tradição da imprensa voltada para a comunidade negra e o espírito do jornalismo alternativo semanal, é ainda mais enxuto que o Charlottesville Tomorrow. Conta com 4 funcionários em tempo integral, um novo estagiário do Report For America e um repórter do RFA que se juntará à equipe neste verão, disse a editora-chefe e cofundadora Lisa Snowden.

As colaborações sempre foram importantes para o Beat. Sua parceria de maior sucesso é com a Wide Angle Youth Media, que apresenta a jovens de 14 a 24 anos as carreiras nas artes. Jovens interessados em design são os “designers oficiais” do Beat em seu produto impresso quinzenal. Além disso, jovens também ajudaram na cobertura do Beat sobre Freddie Gray e colaboraram na elaboração de 2 guias de votação para jovens no ano passado.

As parcerias do Beat se estendem pela cidade para além do setor de mídia. Uma cervejaria local criou recentemente uma cerveja chamada The Beat Goes On (“notas de cereja preta e manjericão”). US$ 1 de cada venda é destinado ao Beat. No início deste ano, antes do aniversário de 10 anos da morte de Freddie Gray, o Beat fez uma parceria com o Museu de Arte de Baltimore para promover conversas com a comunidade e uma exposição de fotografia.

Em 2020, parcerias e um aumento no financiamento incentivaram o Beat a criar as “Beat boxes”, uma homenagem às icônicas caixas metálicas amarelas do Baltimore City Paper. Além de conterem edições impressas do Baltimore Beat, as caixas de madeira (mais baratas que as de metal) também funcionam como pontos de “troca comunitária”, contendo provisões como lanches, testes de covid e de drogas. Integrantes da comunidade passaram a “adotar” as Beat boxes, mantendo-as abastecidas, e agora o Beat está estudando formas de expandir a iniciativa.

O Beat busca “dizer quem somos e o que fazemos, e não tentar ser tudo”, disse Snowden.

Com sede em Chicago, o Invisible Institute (que ganhou 2 prêmios Pulitzer no ano passado), investiga principalmente a má conduta policial. Suas raízes remontam à década de 1990, quando seu fundador, Jamie Kalven, relatou o fim dos conjuntos habitacionais populares em grandes prédios e tentou apoiar os moradores –seja ajudando-os a registrar reclamações sobre elevadores quebrados ou apresentando queixas à polícia.

Costumamos dizer em nossos relatórios para financiadores que medimos o impacto pensando no efeito que tivemos sobre políticas e práticas”, disse Maira Khwaja, diretora de estratégia pública do Invisible Institute.

A organização acredita que criar um impacto duradouro em Chicago exige “o trabalho contínuo de acompanhamento” –ajudando os integrantes da comunidade a buscar justiça, inclusive conectando-os a recursos jurídicos oferecidos por outras entidades.

O Institute considera seu trabalho como “parte de uma rede mais ampla de advogados, organizadores e pessoas mais afetadas”, disse Khwaja.

Khwaja descreveu duas das reportagens mais impactantes do Institute. Desde a publicação, em 2016, de uma investigação sobre o tráfico de drogas e policiais corruptos, mais de 212 condenações foram anuladas, segundo ela –resultado tanto de relações contínuas com as pessoas envolvidas no caso quanto do apoio jurídico de organizações como o The Exoneration Project. Uma reportagem investigativa sobre uma condenação injusta, publicada em 2020, apresentou novas provas no caso de Robert Johnson; ele foi libertado há poucos meses.

Enquanto isso, uma investigação sobre o assassinato de Harith Augustus pela polícia em 2018 criou debates, chamou a atenção e inspirou um documentário indicado ao Oscar –mas não impactou as políticas “de forma sustentada”, disse Khwaja. A família Augustus perdeu o processo e não recebeu nenhuma indenização da cidade. Além disso, retrocessos na transparência significam que seria impossível replicar a investigação hoje.

Métricas de crescimento, conversas e eventos podem ser importantes, acrescentou ela, mas o parâmetro de impacto do Institute é: “Isso leva a uma mudança de comportamento da polícia ou dos órgãos de fiscalização? E, especificamente, as pessoas mais afetadas estão sentindo alguma diferença? Isso é mais do que apenas uma mudança de política no papel”.

Ainda assim, Khwaja disse que “os financiadores não gostaram da apresentação” que fez e que essa abordagem “não pode ocupar a maior parte do relatório de doações”. Os conselhos das fundações geralmente ainda querem ver métricas de crescimento e prêmios, disse ela, e as novas organizações sem fins lucrativos devem preparar suas equipes para dialogar com as fundações para apresentar argumentos que façam sentido e “garantam o financiamento novamente”.

O Open Campus é um veículo de notícias nacional que faz parcerias com 16 organizações locais para fornecer reportagens especializadas em educação superior. Isso é importante porque a maioria das pessoas cursa faculdade a até 80 quilômetros de casa, mas grande parte das redações locais não conta com um repórter dedicado à educação superior, disse Colleen Murphy, editora-chefe das operações locais.

No início deste ano, o veículo reformulou seu processo de acompanhamento de impacto. Antes, tinha um canal no Slack para esse fim, mas ele ficou cheio de menções na imprensa e “elogios, que não são a mesma coisa que impacto”, disse Murphy. Como parte dessa reformulação, o Open Campus renomeou o canal para “high fives” (parabéns) e criou um espaço separado para o acompanhamento de impacto “formal”.

Agora, o Open Campus usa o Airtable para acompanhar impactos concretos nos níveis individual, comunitário e institucional, aplicando a metodologia Impact Architects.

Os repórteres preenchem formulários curtos registrando impactos pelo menos uma vez por mês (idealmente, assim que algo acontece). Murphy revisa as informações, frequentemente adicionando mais detalhes, e transforma esses dados em narrativas. Além de um relatório anual de impacto, ela elabora resumos trimestrais de impacto para a equipe, financiadores, redações parceiras e o público, e cria relatórios de impacto específicos por localização para os parceiros.

Embora o Open Campus acompanhe menções na mídia e republicações, elas perderam prioridade. “Elas são importantes do ponto de vista do reconhecimento da marca”, disse Murphy, “mas não refletem de fato o engajamento ou o alcance junto às nossas comunidades”.

Murphy deu 3 exemplos dos tipos de impacto dos quais o Open Campus se orgulha. Uma repórter da WBEZ Chicago contou a história de uma jovem que trabalhava para pagar seus empréstimos estudantis; pessoas que leram a reportagem e a ouviram no rádio pagaram os US$ 10.000 restantes da dívida dela. No Mirror Indy, depois que uma repórter cobriu como a construção do campus da Indiana University em Indianápolis deslocou gerações de famílias negras, ex-vizinhos se reconectaram pelas redes sociais. E, quando uma repórter do Texas Tribune falou sobre uma jovem mãe que cuida de um filho pequeno, trabalha à noite numa lavanderia e frequenta a faculdade em tempo integral, leitores perguntaram como poderiam enviar dinheiro para ajudá-la.

Como sua reportagem está aumentando a empatia”, disse Murphy, “e fortalecendo a coesão social em suas comunidades?”.

Sophie Culpepper é redatora da equipe do Nieman Lab, responsável pela cobertura de notícias locais. Cofundou o Lexington Observer, um veículo hiperlocal. Ela atuou como a única jornalista em tempo integral da organização de notícias digitais sem fins lucrativos durante 2 anos. Foi ainda editora-chefe do jornal independente de sua universidade, The Brown Daily Herald.

Texto traduzido por Marina Ferraz. Leia o original em inglês.

O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos do Nieman Journalism Lab e do Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.

Por: Poder360

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