Novo mapa mostra onde há maior potencial para agricultura no BrasilEsta cena, que viralizou nas redes sociais e comoveu o Brasil, é apenas a ponta do iceberg de um drama muito maior que se desenrola na Amazônia: o conflito entre políticas ambientais mal planejadas e os direitos fundamentais de famílias que vivem da terra há gerações. window._taboola = window._taboola || []; _taboola.push({mode:'thumbnails-mid', container:'taboola-mid-article-thumbnails', placement:'Mid Article Thumbnails', target_type: 'mix'});O que são as Unidades de Conservação? As Unidades de Conservação (UCs) são áreas protegidas criadas pelo poder público para preservar a natureza. Existem dois tipos principais: as de Proteção Integral, onde não se pode morar nem desenvolver atividades econômicas, e as de Uso Sustentável, onde populações tradicionais podem viver desde que sigam regras específicas. A Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes, criada em 1990, é uma UC de Uso Sustentável com quase 1 milhão de hectares espalhados por sete municípios do Acre. Foi criada para permitir que seringueiros e outras populações tradicionais continuassem vivendo da floresta de forma sustentável, extraindo borracha, castanha e criando alguns animais para subsistência. “O problema é que essas unidades, que deveriam proteger tanto a natureza quanto as pessoas que sempre viveram ali, se tornaram instrumentos de controle nas mãos de ONGs e burocratas que nunca pisaram na lama da Amazônia”, explica o advogado Diovane Franco, especialista em direito ambiental. A contradição histórica do Estado Brasileiro A história de Gutierres é emblemática de uma contradição cruel do Estado brasileiro. Sua família chegou à região em 2002, seguindo o mesmo movimento migratório que o governo incentivou nas décadas de 1970 a 1990. Naquela época, a palavra de ordem era “integrar para não entregar” – o governo chamava as pessoas para ocupar a Amazônia, prometendo progresso e desenvolvimento. “Meu avô foi soldado da borracha, ajudou na primeira guerra. Meu pai, hoje com 84 anos, é atacado pelo ICMBio. Teve levado 40 cabeças de gado em 2015. Trabalhamos a vida toda, criamos nossa família, e agora somos tratados como bandidos”, conta uma moradora da região que preferiu não se identificar.
Gado apreendido, curral destruído, sonho soterrado: veja como o Estado age na Amazônia
Famílias que vivem há décadas na floresta, mais precisamente na Reserva Extrativista Chico Mendes, são tratadas como criminosas por criar algumas cabeças de gado para sobrevivência
Famílias que vivem há décadas na floresta, mais precisamente na Reserva Extrativista Chico Mendes, são tratadas como criminosas por criar algumas cabeças de gado para sobrevivência Na madrugada de uma segunda-feira de junho, o som de motosserras ecoou pela Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. Não eram madeireiros ilegais ou grileiros destruindo a floresta. Eram agentes do próprio governo brasileiro derrubando o curral de Gutierres Ferreira, um homem simples que vive há 24 anos no mesmo local com sua esposa e filhos. “Não faça isso comigo não. É do meu pai e dos meus filhos. Bando de covardes. Você acabou com a minha vida”, gritou a filha de Gutierres enquanto chorava copiosamente, vendo o meio de subsistência da família ser destruído. Sua esposa filmava a cena, também em prantos, impotente diante da força do Estado. Clique aqui para seguir o canal do CompreRural no Whatsapp
A proibição de criar gado na área onde vive Gutierres só surgiu em 2007, cinco anos depois de sua família já estar estabelecida no local. Mesmo assim, durante todos esses anos, a família continuou suas atividades, criando algumas cabeças de gado para garantir o sustento – não milhares de animais como fazem os grandes pecuaristas, mas o mínimo necessário para sobreviver. De acordo com o advogado Diovane Franco, essa mudança radical de política – de incentivo à ocupação para criminalização das atividades – ocorreu sem qualquer período de transição ou política de compensação. “Famílias que agiram de boa-fé, seguindo orientações governamentais das décadas passadas, hoje se veem na condição de ‘invasores’ em suas próprias terras.”A operação que ignora a justiça O que torna o caso ainda mais revoltante é que existia um processo judicial em curso, já sentenciado, mas com efeito suspensivo – ou seja, a decisão não poderia ser executada até o julgamento dos recursos. Mesmo assim, os agentes do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) chegaram com motosserras e tratores, destruindo currais e apreendendo animais. Quando questionados sobre a natureza da ordem que estavam cumprindo – se era judicial ou administrativa – os fiscais se recusaram a responder. “Nunca vi isso na minha vida. Não faz sentido que isso aconteça dessa forma, tão petulante”, declarou o deputado Pedro Longo, que tem formação jurídica e trabalhou na magistratura.
“Apreensão de gados e destruição de currais sem apresentar ordem judicial é inaceitável. Não há regra nenhuma que permita essa atuação do ICMBio”, completou o parlamentar. De acordo com o advogado Diovane Franco, “a recusa dos agentes em esclarecer a natureza da ordem que estavam cumprindo é um indicativo grave de que algo estava errado. Em um Estado de Direito, qualquer cidadão tem o direito de saber com base em que autorização legal sua propriedade está sendo destruída.” Curiosamente, em consulta ao processo, ele foi pautado pelo TRF1 após a repercussão da mídia. Explica o advogado que, com receio de o ICMBio ser responsabilizado, estão buscando uma decisão que confirme seus atos irresponsáveis.
O paradoxo Amazônico Enquanto famílias como a de Gutierres são criminalizadas por criar algumas cabeças de gado para sobrevivência, o mesmo governo que os persegue está leiloando blocos de petróleo na Amazônia para exploração por grandes empresas. A contradição é gritante: de um lado, proíbe-se o pequeno produtor de ter algumas vacas; de outro, autoriza-se a exploração petrolífera em uma das regiões mais sensíveis do planeta.
“As unidades de conservação têm se tornado instrumentos de controle das ONGs, que decidem quem pode e quem não pode viver na floresta”, denuncia o advogado Diovane Franco. “Enquanto isso, a população local fica fadada à desgraça, sem escolas, sem estradas, sem nada. Sem progresso.” A região da Reserva Extrativista Chico Mendes, que deveria ser um exemplo de desenvolvimento sustentável, vive um paradoxo cruel. Enquanto 91% da reserva permanece preservada – um índice excepcional de conservação -, as famílias que sempre viveram ali são impedidas de desenvolver qualquer atividade econômica que lhes permita uma vida digna.
Números que revelam a injustiça Os dados oficiais mostram a dimensão do problema. Na Amazônia, mais de 80% do território são florestas públicas, mas a lei exige que propriedades privadas mantenham 80% de vegetação nativa. É um paradoxo técnico-jurídico insolúvel: como compensar déficits ambientais em um bioma onde a maior parte das áreas vegetadas está sob domínio público e indisponível para compensação? De acordo com o advogado Diovane Franco, esse paradoxo cria uma situação de insegurança jurídica permanente para os produtores rurais da Amazônia. “Eles são obrigados a cumprir exigências que são tecnicamente impossíveis de serem atendidas.”
Durante a Operação Suçuarana, deflagrada em junho de 2025, mais de 300 cabeças de gado foram apreendidas e R$ 1,18 milhão em multas foram aplicadas. Para se ter uma ideia da desproporcionalidade, muitas dessas multas superam o valor das próprias terras onde vivem as famílias. A hipocrisia do sistema Enquanto Gutierres chora vendo seu curral ser destruído, grandes empresas recebem licenças para explorar petróleo na Amazônia. Enquanto famílias são multadas em valores superiores ao que possuem, ONGs internacionais movimentam milhões de dólares em nome da “preservação” da floresta. “A população local fica fadada à desgraça, sem escolas, sem estradas, sem nada. Sem progresso”, resume o advogado Diovane Franco. “É uma política que condena as pessoas à miséria em nome de uma preservação que, na prática, beneficia apenas os interesses de quem nunca viveu na floresta. É um incentivo e um convite à migrar da lide rural para as lides criminais. Se ser produtor rural, ainda que pequeno, é ser criminoso, então é melhor se entregar de vez às facções que estão dominando a Amazônia.” O caso da RESEX Chico Mendes expõe uma questão fundamental: é possível preservar a Amazônia condenando quem sempre a protegeu da pobreza extrema? É justo criminalizar famílias que vivem há décadas na floresta por práticas que eram incentivadas pelo próprio governo? O grito de socorro de Gutierres que vem da Reserva Extrativista Chico Mendes “Você acabou com minha vida.” Essa frase, gritada pela família Gutierres enquanto via sua propriedade ser destruída, ecoa como um grito de socorro de milhares de famílias amazônicas. Não é um grito contra a preservação ambiental – essas famílias sempre viveram em harmonia com a floresta. É um grito contra a injustiça, contra a hipocrisia, contra um sistema que criminaliza os pobres enquanto beneficia os poderosos. A história de Gutierres é a história de um Brasil que perdeu o rumo, que esqueceu que desenvolvimento sustentável significa permitir que as pessoas vivam dignamente da terra, não as condenar à miséria em nome de uma preservação seletiva e hipócrita.
Por: Redação