O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre a estrutura clandestina na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) mostra que funcionários da agência teriam fraudado um processo licitatório de R$ 5,7 milhões para a contratação do sistema de espionagem “First Mile”.
As investigações mostram que o sistema realizou 60.734 consultas ilegais para a Abin em cerca de 1.800 terminais telefônicos, sem ordens judiciais. Entre fevereiro de 2019 e abril de 2021, monitorou diversos alvos, entre eles:
A aquisição do sistema de espionagem foi feita por dispensa de licitação em 26 de dezembro de 2018, durante a gestão de Alexandre Ramagem (PL-RJ). O contrato previa 10 mil consultas por ano ao longo de 30 meses.
A contratação foi feita com a empresa Suntech S/A, então representante no Brasil da fabricante israelense Verint Systems.
Conforme a PF, a Abin tinha ciência do caráter intrusivo da ferramenta e ocultou essa informação em documentos oficiais do processo para burlar a necessidade de autorização judicial.
O sistema de monitoramento permitia geolocalizar celulares em tempo real e traçar rotinas de movimentação de alvos.
A etapa de planejamento durou apenas 3 dias e foi conduzida com pressa para evitar entraves à contratação. Com a ferramenta, a Abin invadiu redes de telefonia sem autorização judicial e deixou de notificar a Anatel sobre essas ações.
O uso irregular do First Mile começou a ruir no fim de 2019, quando, após cerca de 10 meses de operação, a ferramenta passou a enfrentar dificuldades para acessar a rede da operadora TIM.
Em resposta, a Abin abriu um processo administrativo para cobrar a “falta de cobertura” da TIM, mas a situação evidenciou o caráter intrusivo da ferramenta.
Entre as manobras para conter a crise, o diretor-geral Alexandre Ramagem teria protelado o andamento do processo disciplinar relacionado ao uso do First Mile, numa estratégia apelidada internamente de “chantagem institucional”.
A PF diz que o objetivo era evitar que a divulgação do uso ilegal do sistema durante o período eleitoral de 2022 prejudicasse sua campanha a deputado federal e a reeleição do então presidente Jair Bolsonaro –que o havia indicado para o cargo.
Somente em 2023, com um 2º relatório e a iminência da demissão dos servidores envolvidos, as irregularidades vieram à tona na imprensa, culminando na abertura de um inquérito policial para apurar o caso.