• Sexta-feira, 31 de outubro de 2025

TCE 72 anos: controle externo transforma políticas públicas em desenvolvimento

Tribunal integra fiscalização, orientação e diálogo para fortalecer políticas de saúde, educação e infraestrutura nos municípios

Criado em 1953 para garantir a legalidade dos gastos públicos, o Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) nasceu como um órgão técnico, autônomo e independente frente às disputas políticas que marcavam a época. Em 72 anos o cenário mudou e seu papel evoluiu. Para além da imparcialidade e rigor fiscalizatório, neste 31 de outubro, o controle externo no estado é celebrado como instrumento de transformação, capaz de trazer para o centro da agenda urgências que atravessam a vida de mais 3,6 milhões de pessoas.

“Mato Grosso é o primeiro em produção de soja, algodão, milho e carne. Mas também tem a cidade que é campeã em feminicídio no Brasil. Nós estamos 600% acima da média nacional em hanseníase e em Cuiabá temos a fila do ossinho, formada por gente que não tem o que comer. Hoje, no estado, temos ilhas de prosperidade e ilhas de miséria e, portanto, também de preocupação para o Tribunal. Não existe outro caminho que não seja o trabalho do Tribunal de Contas”, afirma o conselheiro-presidente, Sérgio Ricardo.

Sob sua liderança, este novo modelo avança sobre todos os debates e setores que podem mudar a realidade de contrastes de um território rico em recursos, mas desigual em oportunidades. Frente ao desafio, a orientação permanente e a indução de políticas públicas agora se somam às auditorias, mesas técnicas e fiscalizações, conduzidas em conjunto pelos conselheiros Antonio Joaquim, José Carlos Novelli, Valter Albano, Waldir Teis, Campos Neto e Guilherme Antonio Maluf.

Atuação completa

Da infraestrutura hospitalar à regulação dos serviços, o TCE-MT vem identificando falhas, propondo soluções e fortalecendo a rede pública de saúde. Em 2023, deu aval para a retomada das obras do Hospital Júlio Müller, que deverá atender anualmente cerca de 150 mil pessoas, e, em mesa técnica solicitada pelo Tribunal de Justiça (TJMT), aprovou um novo fluxo para as Representações Pré-Processuais da Saúde, garantindo mais celeridade às demandas do SUS e transparência sobre o uso dos recursos públicos.

Em fiscalização sobre a atenção básica, realizada simultaneamente pela Comissão Permanente de Saúde, Previdência e Assistência Social (COPSPAS) em 24 municípios, dezenas de auditores avaliaram a estrutura das unidades, a disponibilidade de medicamentos e o atendimento. “Cerca de 40% dos medicamentos estão disponíveis. A maior dificuldade hoje é com a insulina e estamos mapeando a população para tentar adequar a demanda”, relatou a enfermeira Diana Mota, da USF do CPA III, em Cuiabá.

Uma série de seminários, notas recomendatórias e mesas técnicas resultaram ainda em medidas concretas, como a criação de uma rede de atenção em saúde mental no estado e o aprimoramento da contratação de serviços médicos de traumatologia, ortopedia. “Isso consolida o papel propositivo do controle externo, que não se limita a apontar falhas, mas antecipa soluções, fortalece o SUS e contribui para políticas de saúde mais eficientes e humanas”, diz o presidente da COPSPAS, Guilherme Antonio Maluf.

Do repasse à execução

Ao combinar fiscalização, orientação e solução, o controle externo se faz instrumento da expansão de direitos. Graças à articulação do presidente da Comissão Permanente de Educação e Cultura (COPEC), conselheiro Antonio Joaquim, o orçamento estadual conta agora com a destinação de R$ 120 milhões para a construção de creches ao longo de três anos. Com os recursos assegurados, o passo seguinte foi eliminar os entraves burocráticos que dificultavam a execução das obras.

Em resposta à consulta formulada pelo Governo do Estado, o TCE apontou que as licitações para obras e serviços de engenharia podem ser divididas em lotes distintos, separando a aquisição de materiais da contratação da mão de obra. “Os prefeitos têm problema de executar, porque há empresas que ganham e não cumprem o contrato. Então, a proposta é para facilitar a execução, com o recurso do orçamento disponível, e fazer com que as creches fiquem prontas”, avalia Antonio Joaquim.

É o caso de Primavera do Leste, onde o presidente da Associação Mato Grossense dos Municípios (AMM), Leonardo Bortolin, foi prefeito. “Parte das obras inacabadas se deve à burocracia junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Dou exemplo do que acontece em Primavera do Leste, onde uma obra está há mais de sete anos parada e a gente não conseguia ter acesso ao recurso para dar continuidade e garantir esse direito à comunidade.” 

Controle que protege

A indução de políticas públicas alcança os direitos de crianças e idosos, além do enfrentamento à violência doméstica, agora acompanhada nas contas de governo dos municípios. As temáticas estão no centro das ações da Comissão Permanente de Segurança Pública que, sob liderança do conselheiro Waltir Teis, mobiliza gestores em torno da proteção social. “Se não nos unirmos, será muito difícil implementar políticas públicas que atendam estas populações, que estão mais vulneráveis”, analisa.

Recentemente, a desembargadora Maria Erotides Kneip reconheceu o protagonismo do TCE-MT no enfrentamento à violência. “Eu conheci um Tribunal de Contas competente, mas silencioso, elegante, pesquisador, mas não audacioso, como eu vejo hoje. Esse Tribunal é o que vai tirar Mato Grosso da letargia. Esse Tribunal ousou, denunciou e instigou os demais poderes a se mexerem, para que a gente tenha um mundo mais justo e um estado mais humano.”

A proteção também se estende aos servidores públicos, o enfrentamento do superendividamento com empréstimos consignados tem mobilizado o Tribunal em ações conjuntas com o Ministério Público e o Governo do Estado. O TCE-MT identificou irregularidades em mais de 60 mil contratos de crédito consignado analisados na plataforma Fiscaliza Consignados e determinou a criação do Revisa Consignados, sistema que permitirá aos servidores acompanhar seus contratos e registrar denúncias.  O trabalho motivou a abertura de ação civil pública contra empresas investigadas por fraudes nas operações de crédito. “Essa é uma construção do Tribunal, que está dizendo como tem que ser feito e garantindo que o servidor não fique mais desamparado”, afirmou o presidente Sérgio Ricardo.

De mãos dadas com os gestores

Em outra frente está o abastecimento e esgotamento sanitário. Amparado pelo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/20), o Tribunal lidera o diálogo com gestores, Ministério Público e Governo do Estado para incentivar a formação de consórcios regionais, reduzindo custos e viabilizando a implantação de aterros sanitários em substituição aos lixões. A estratégia é conduzida pela Comissão Permanente de Meio Ambiente e Sustentabilidade, presidida pelo conselheiro Sérgio Ricardo.

Este modelo já começa a se consolidar no norte do estado, onde Alta Floresta sediará um aterro regional que atenderá seis municípios do Vale do Teles Pires. “Somos gratos ao conselheiro Sérgio Ricardo por abrir as portas do Tribunal e nos ajudar a construir esse debate que é de interesse de toda a sociedade. Agradecemos pelas orientações e pela disposição de conhecer de perto nossa realidade”, relatou o presidente do Consórcio Intermunicipal e prefeito de Nova Monte Verde, Edemilson Marino.

Outros municípios querem seguir o mesmo caminho, por isso, o tema será debatido em mesa técnica, ampliando o entendimento no estado. “O que nos preocupa é como os municípios pequenos vão resolver essa questão. Temos todos os entes capazes de ajudar a pensar o desenvolvimento e resolver a questão do aterro sanitário para uma região pobre, que precisa desse apoio. A credibilidade dos órgãos envolvidos é essencial para viabilizar o projeto”, acrescentou o prefeito de Diamantino, Chico Mendes.

Saneamento em pauta

Os efeitos vão além da preservação ambiental e têm impacto direto sobre a saúde da população de Mato Grosso, onde a taxa de detecção de hanseníase, impulsionada pela falta de saneamento básico. A doença entrou no radar do TCE-MT, que incluiu ações de prevenção e combate na análise das contas anuais dos municípios. “O monitoramento permitirá identificar a incidência por município e avaliar as políticas de prevenção e atendimento”, reforça o presidente.

Cooperar para transformar

As profundas transformações nas malhas urbana e viária vividas pelo estado também são acompanhadas de perto. No caso do BRT, em Cuiabá, o TCE-MT acompanhou o acordo extrajudicial firmado entre o Governo e o Consórcio Construtor, garantindo a conclusão de trechos na Avenida do CPA. “O Tribunal nunca nos faltou com apoio e nos deu a orientação para licitarmos as obras com rapidez”, contou o titular da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra), Marcelo Oliveira, durante vistoria às obras.

A mesma lógica de controle orientativo foi aplicada ao Programa de Concessões Rodoviárias, que autorizou a licitação de seis lotes e transferiu 2,1 mil quilômetros de rodovias à iniciativa privada. Em paralelo, o TCE-MT reuniu prefeitos de 49 municípios cortados pelas rodovias concedidas para tratar sobre o tema. “O estado ainda precisa de muita infraestrutura. Então, sempre que se fala em concessões é preciso esse debate”, disse o prefeito de Querência, Gilmar Wentz, durante o evento.

Na BR-163, uma das principais rotas para o escoamento de grãos do estado, o órgão ajudou a destravar as obras de duplicação, reduzindo entraves. Ao mesmo tempo, manteve seu caráter fiscalizador ao determinar que a Nova Rota do Oeste, que administra o trecho, passe a prestar contas ao Tribunal, garantindo acompanhamento permanente e transparência na aplicação dos recursos. A decisão considera que a concessionária pertence à empresa pública MTPar.

Destravando o transporte público

No mesmo caminho do BRT, outros desafios de mobilidade urbana também vêm sendo resolvidos. O TCE-MT apontou solução para garantir a continuidade do serviço de transporte coletivo em Várzea Grande até 2026, além da modernização da frota, aprovando acordo para quitação de dívida entre a prefeitura e a empresa responsável pela operação. “Não teríamos como resolver isso sem a anuência e sem esse trabalho da equipe técnica do Tribunal, que foi imprescindível”, reforçou a prefeita Flávia Moretti.

Ainda na linha do consensualismo, soluções semelhantes evitaram a paralisação do transporte coletivo em Cuiabá. Em mesa técnica também foi aprovada proposta que permite a aplicação de subsídio estadual na tarifa dos ônibus que ligam a Capital a Santo Antônio de Leverger. “As mesas técnicas reforçam o papel do diálogo e do consenso como base do controle externo moderno. É um passo na trilha da efetividade e celeridade dos processos”, defende o conselheiro José Carlos Novelli.

Políticas para além das gestões

Agora, o Controle Externo é ferramenta de desenvolvimento e redução das desigualdades. Exemplo disso foi a mobilização em torno da Moratória da Soja, que resultou na Lei Estadual nº 12.709/2024, reconhecida posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que restringe benefícios fiscais a empresas signatárias. “Isso retrata o comprometimento e visão de futuro para com o desenvolvimento de Mato Grosso e seus municípios”, afirmou o presidente da Aprosoja-MT, Lucas Beber.

O debate ganhou corpo com auditoria operacional sobre as renúncias fiscais, que chegaram a R$ 10,6 bilhões em 2024. Os incentivos se concentram em 30 empresas e nas regiões mais ricas, o que levou à recomendação da criação do Índice de Efetividade Regional de Renúncias Fiscais (IERRF), para medir o retorno dos benefícios e à orientação para políticas voltadas à geração de empregos nas regiões mais pobres, políticas estruturantes de estado, pensadas para permanecer além dos ciclos de governo.

Em encontro com gestores para discutir a Reforma Tributária, o conselheiro Valter Albano, presidente da Comissão Permanente de Sustentabilidade Fiscal e Desenvolvimento (COPSFID), destacou a importância de políticas que assegurem a distribuição equilibrada do desenvolvimento. “Temos que estar atentos a cada passo nesta transição para termos o melhor posicionamento possível. O que queremos construir é continuidade e estabilidade, garantindo um desenvolvimento independente de mandatos.”

Eficiência mostra caminho para reduzir desigualdades

Parte essencial da equação “desenvolvimento + justiça social”, a eficiência administrativa avançou com a Central de Compras Municipais. Validada em mesa técnica conduzida pela Comissão de Normas e Jurisprudência (CPNJur), a medida permitirá licitações conjuntas e redução de custos de até 60%. “Quando o Tribunal aproxima tecnologia, eficiência e transparência, ele entrega mais resultados à sociedade e ajuda os gestores a fazerem mais com menos”, avalia o conselheiro Campos Neto, vice-presidente da CPNJur.

Proposto pela AMM com o apoio do Ministério Público de Contas (MPC), o sistema prevê a constituição de consórcios públicos. No estado, onde 106 dos 142 municípios têm menos de 20 mil habitantes, isso representa ampliação do acesso à educação, saúde e infraestrutura a quase um milhão de pessoas. “Foi uma construção inovadora, que gerará uma economia de escala para as compras públicas de todos que aderirem ao consórcio”, explicou o procurador-geral do MPC, Alisson Carvalho de Alencar.

Iniciativas assim marcam o ponto de virada na história do TCE. O órgão, que nasceu para zelar pela legalidade, uniu técnica, articulação política e sensibilidade social para se tornar um agente de transformação capaz de impulsionar um novo ciclo de desenvolvimento em Mato Grosso.

“O controle não é o fim, é o meio para melhorar a vida das pessoas e construir um Estado mais justo, moderno e eficiente. Hoje somos a esperança da sociedade para garantir isso”, conclui Sérgio Ricardo.

Por: Redação

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