• Quarta-feira, 12 de março de 2025

Indígenas tiveram papel crucial na disseminação da mandioca nas Américas, revela estudo 

Povos indígenas foram fundamentais para a geração da diversidade que atualmente encontramos na mandioca

Povos indígenas foram fundamentais para a geração da diversidade que atualmente encontramos na mandioca Na foto acima, agricultora rala raízes de mandioca para consumo. A aldeia mantém variedades para diferentes propósitos, como produção de farinha e consumo in natura. Também há plantas mais resistentes à seca e a doenças. Povos indígenas foram essenciais para a dispersão e diversidade genética da mandioca nas Américas.
Análise de 573 variedades mostrou forte parentesco genético, resultado de práticas tradicionais de seleção e troca de mudas entre aldeias.
  • Clique aqui para seguir o canal do CompreRural no Whatsapp
  • Conheça a diferença entre aipim, macaxeira e mandioca brava
    Os povos indígenas foram fundamentais para a geração de diversidade e dispersão da mandioca no continente americano, muito antes da chegada dos europeus. A conclusão é de um estudo publicado na revista Science nesta sexta-feira (7/03) que revela como se deu a evolução, a disseminação e o grau da diversidade genética da mandioca. A pesquisa, conduzida por cientistas da Embrapa e de instituições dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Dinamarca, Bolívia e Chile, analisou o genoma de 573 variedades da planta e identificou um forte parentesco genético entre elas. Segundo os pesquisadores, essa conexão foi impulsionada por práticas indígenas como a troca de variedades entre aldeias e a seleção de plantas espontâneas, garantindo a propagação de clones de alta qualidade ao longo dos séculos. O pesquisador Fábio Freitas, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), um dos autores do estudo, explica que foram analisados os códigos genéticos de amostras de mandioca e de seus parentes silvestres, distribuídos desde os Estados Unidos até o Chile. O objetivo foi traçar um panorama da evolução da diversidade da mandioca no continente.Amostra arqueológica de mandioca com 2 mil anos Para isso, os cientistas recorreram a coleções de bancos genéticos, a amostras de exsicatas de herbários, variedades tradicionais cultivadas por povos indígenas e até a amostras arqueológicas. “Nós conseguimos sequenciar um leque muito amplo de espécies e variedades, tanto no espaço quanto no tempo. Temos amostras coletadas no ano passado, outras obtidas há mais de 100 anos e até uma amostra arqueológica com 2 mil anos”, destaca Freitas. Segundo o pesquisador, a mandioca foi domesticada há mais de seis mil anos na borda sul da Amazônia, em uma área que hoje abrange os estados do Acre e de Rondônia. Dali, espalhou-se por todo o continente. Mas, diferente do que é normalmente encontrado em espécies de propagação sexual por sementes, como o milho, em que é possível identificar linhas evolutivas, para a mandioca isso não foi percebido. No milho as variações genéticas se aprofundam quanto mais distantes geograficamente as amostras estão do seu centro de origem, diferentemente do que foi registrado nesse estudo.“Na mandioca, toda a diversidade existente entre as diferentes amostras está mais ou menos espalhada de forma uniforme, independentemente do quão distantes estão da borda sul da Amazônia, de onde saíram as primeiras populações domesticadas”, ressalta. “É como se todas as plantas fossem parentes muito próximas, muitas das quais como mãe e filha. Por exemplo, comparamos uma amostra coletada em Cuba, em 1904, e constatamos que, geneticamente, ela é filha de outra planta coletada na Amazônia, em 1961. Isso mostra como a dispersão dessa cultura, promovida pelos povos indígenas e, ao mesmo tempo, a manutenção de determinadas variedades geração após geração, foi extremamente eficiente ao longo dos séculos”, explica. Diversidade genética e cultura indígena Para entender como isso aconteceu, é preciso conhecer um pouco essa cultura. A mandioca é propagada predominantemente por clonagem, ou seja, novos cultivos são formados a partir de pedaços da planta original, chamados manivas, sem a necessidade de sementes. Isso quer dizer que plantas com o mesmo código genético podem ser cultivadas durante anos. Esse tipo de reprodução traz muitas vantagens, mas poderia levar à perda de diversidade genética pelo acúmulo de mutações deletérias. No entanto, a pesquisa revelou que a mandioca manteve uma variabilidade surpreendente ao longo do tempo. Isso ocorre porque a mandioca apresentou um nível de heterozigosidade acima do esperado (até mesmo maior do que a espécie silvestre). Ou seja, um clone pode apresentar a característica herdada pela planta mãe e outras vezes pelo pai. Esse fator funciona como um “buffer” genético, uma espécie de seguro natural que protege a cultura de mutações prejudiciais e a torna mais resistente a mudanças ambientais, como seca, pragas ou solos pobres. Práticas tradicionais das comunidades indígenas contribuíram para a preservação e ampliação da diversidade genética da mandioca. Um exemplo disso é a Casa de Kukurro, uma tradição do povo Waurá, habitantes do Território Indígena do Xingu, no estado de Mato Grosso. Parte do ritual consiste em reunir todas as variedades de mandioca em dois montes ou covas, acreditando-se que essa prática fortalece a energia das plantas. Na prática, a Casa de Kukurro permite o cruzamento de diferentes variedades, promovendo o surgimento de novas plantas por semente.Mais do que um ritual, a Casa de Kukurro representa uma estratégia eficiente de melhoramento genético da mandioca. “Essa tradição do povo Waurá funciona como um banco genético que permite não apenas a conservação das variedades que já possuem, mas também estimula o surgimento de novas variedades e a ampliação da diversidade da cultura no local”, explica Freitas. Esforço histórico de coleta garante resultados Os resultados do estudo só foram possíveis graças a um esforço histórico da pesquisa agropecuária na coleta e análise de amostras de espécies silvestres do gênero Manihot e de variedades da espécie cultivada. O sequenciamento de 573 genomas foi viabilizado pela ampla diversidade das coleções de mandioca da Embrapa, que reúnem plantas de diversas procedências geográficas e coletadas ao longo de um extenso período. “Diversos pesquisadores e técnicos trabalharam e ainda pesquisam há décadas esse gênero, que hoje é preservado em bancos de conservação espalhados por diferentes Unidades da Embrapa. Pesquisa abre novas perspectivas para o melhoramento genético da mandioca A diversidade presente nos bancos de sementes do solo e a seleção de variedades espontâneas têm sido fundamentais para gerar novos genótipos. “O estudo demonstrou que o cultivo tradicional da mandioca pode fornecer informações valiosas para o desenvolvimento de novos clones superiores e abre amplas possibilidades para a seleção de combinações parentais que maximizem a variância e a média de atributos agronômicos importantes”, explica Éder Jorge de Oliveira, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA).Escrito por Compre Rural VEJA MAIS:
  • Quão raro é um verdadeiro cavalo preto?
  • Conheça um dos maiores “bovinos” do mundo, o Beefalo, um híbrido de bisão e gado doméstico
  • ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias
    Por: Redação

    Artigos Relacionados: