A proposta de defender a prisão foi discutida em reuniões das frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, que agregam organizações alinhadas ao presidente Lula (PT), mas acabou rejeitada pela maioria.
A definição em consenso foi a de pregar o lema "sem anistia para golpista" e lembrar os 60 anos do golpe militar de 1964, difundindo a mensagem de que novas tentativas de ruptura devem ser combatidas.
Líderes da mobilização se irritaram com materiais que circularam dando conta de que o pedido de prisão seria um dos chamarizes do ato. O argumento que prevaleceu nos debates fechados foi o de que o direito de defesa e o devido processo legal têm que ser resguardados, assim como se reivindicava para Lula.
Articuladores contrários à ideia lembraram que, quando o presidente estava no alvo da Operação Lava Jato e preso, o chamado campo progressista defendeu majoritariamente o cumprimento da pena de prisão somente após quando não houvesse mais recursos.
Bolsonaro é investigado sob suspeita de comandar uma trama golpista para reverter a eleição vencida pelo petista em 2022 -e ainda não foi nem sequer denunciado formalmente.
A manifestação da esquerda será em defesa da democracia e de punição para aqueles que a Justiça considerar responsáveis pelo levante inconstitucional.
Ela deve se concentrar em São Paulo e Salvador, mas os detalhes ainda estão sendo fechados. A tendência é evitar a avenida Paulista como ponto escolhido na capital paulista, pelo temor de que a comparação com o ato bolsonarista seja desfavorável.
Pessoas envolvidas nas discussões admitem, sob condição de anonimato, que a direita demonstrou manter capacidade de mobilização e afirmam que a presença de Bolsonaro e de aliados de peso funcionou como atrativo para caravanas que saíram de outros estados.
A participação de Lula no evento está sendo cogitada, o que reforçaria a disputa de forças com o bolsonarismo.
"Nós queremos a participação do Lula e que ele ajude a decidir se o melhor é concentrar esforços em Salvador ou em São Paulo", diz João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Segundo ele, a manifestação não é uma resposta à dos rivais.
A capital da Bahia foi escolhida como um dos locais prioritários pela força de Lula no Nordeste e pelo fato de o estado ser governado por um aliado, Jerônimo Rodrigues (PT). Organizadores estão medindo a disposição da militância para decidir sobre a realização de atos em mais capitais no mesmo dia.
No caso de São Paulo, outros locais em avaliação são as praças da República e da Sé e os largos da Batata e São Francisco. A escolha dificultaria uma comparação direta do tamanho dos públicos. Caso o ato da esquerda seja pulverizado, a configuração será ainda mais diferente, na ótica dos líderes.
No último domingo, o ato bolsonarista atraiu milhares de pessoas. Ao menos quatro quarteirões da Paulista ficaram superlotados. Havia bolsonaristas, mais espalhados, em cerca de um total de dez quarteirões da avenida.
A manifestação teve 600 mil pessoas na avenida e mais 150 mil nas ruas próximas, segundo o secretário estadual da Segurança Pública, o bolsonarista Guilherme Derrite. Um cálculo de pesquisadores da USP chegou a um número menor, de 185 mil pessoas no total.
O próprio Lula reconheceu em entrevista que o ato foi grande e que "não é possível você negar um fato". "É só ver a imagem. Como as pessoas chegaram lá 'é outros 500'", afirmou o presidente à RedeTV!. Aliados do petista têm dito que empresários e produtores do agronegócio financiaram ônibus para o destino.
De acordo com Rud Rafael, que é coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e representa o grupo na frente Povo sem Medo, o mote da prisão de Bolsonaro foi excluído da pauta para unificar as entidades que preparam a convocação. A reunião que definiu os temas da data teve a participação de 150 porta-vozes de movimentos, de acordo com Rafael.
"Fizemos o ajuste porque não queremos precipitar uma conclusão das investigações ou nos anteciparmos à Justiça. Nossa defesa é a de que as autoridades possam ir a fundo no que de fato aconteceu", diz ele, acrescentando que "há fartas provas mostrando a ligação de vários setores com a estratégia golpista".
O entendimento expresso em conversas privadas é que o apelo por prisão pode ser usado como estratégia de agitação, mas colocá-lo oficialmente como uma demanda neste momento soaria incoerente com o histórico do campo de esquerda no caso de Lula e de outros réus da Lava Jato. O discurso, naquele momento, era o de que a operação instrumentalizou o Judiciário para interferir indevidamente na política.
"O que vamos fazer é, no contexto de aniversário do golpe [militar], lembrar que isso não pode acontecer de novo, nunca mais", diz o coordenador nacional da CMP (Central de Movimentos Populares), Raimundo Bonfim. "Vamos defender a democracia que foi atacada no ato do Bolsonaro e reforçar que não deve haver perdão para quem tiver culpa no cartório."
Mobilizadores dizem que, mesmo sem ser um tema oficial, a questão da prisão deve aparecer em cartazes e falas, já que a militância anti-Bolsonaro tem a expectativa de que ele seja condenado. Essa pressão tem aparecido em outros protestos, como no realizado em 8 de janeiro deste ano também na avenida Paulista.
Além do PT, estão envolvidos nas mobilizações de março PC do B, PSOL, PV, Rede, PSB e PDT. O campo de esquerda também lançou um manifesto contra a iniciativa bolsonarista. O Palácio do Planalto avaliou que Bolsonaro mostrou força ao mobilizar aliados e estuda ações para dialogar com esse público.
Além das pautas relacionadas a golpe e democracia, a manifestação se posicionará "contra o genocídio na Palestina", segundo a versão final da convocação aprovada pelos movimentos. A guerra Israel-Hamas apareceu com destaque no ato bolsonarista, com um posicionamento pró-Israel.
O calendário estabelecido pelas organizações de esquerda prevê ainda manifestações em 8 de março, pelo Dia Internacional da Mulher, e em 14 de março, nos seis anos do assassinato da vereadora Marielle Franco, com cobrança de esclarecimento do caso. O dia 23 seria o capítulo final da chamada "jornada de lutas".
Simone Nascimento, do MNU (Movimento Negro Unificado), diz que "o avanço da extrema direita se combate com mobilização popular" e rebate críticas feitas na própria esquerda sobre o risco de medir forças com Bolsonaro. "Risco nós correremos se não continuarmos a construir as lutas também nas ruas."
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