O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero qualificou como “muito grave” o anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump (Partido Republicano), da imposição de tarifas de 50% sobre as importações brasileiras. “É muito grave. É uma ameaça que, se concretizada, torna o comércio quase inviável com essa taxa de 50%”, afirmou.
Em entrevista ao Valor Econômico, o diplomata disse ser “totalmente inaceitável” a menção de Trump na carta destinada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a assuntos como o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no STF (Supremo Tribunal Federal) e a decisão da Corte em relação às big techs.
“A 1ª parte [da carta], essa em que ele trata de assuntos políticos brasileiros, é totalmente inaceitável. Inclusive, Lula não tem nenhuma autoridade sobre o Supremo Tribunal Federal”, disse. “Essa parte da carta é inaceitável e o Itamaraty fez bem em devolver a mensagem. Agora, dito isso, o resto se pode negociar”.
O ex-ministro afirmou que os norte-americanos “têm uma vantagem quase sistêmica” no comércio bilateral com o Brasil, com saldos que somaram “mais ou menos US$ 410 bilhões” em 15 anos, e que, por isso, eles “têm mais a perder do que nós”.
E acrescentou: “É uma diferença que torna o ataque ao Brasil incompreensível. Todos os outros casos são de países em que os Estados Unidos têm deficit. O maior deficit que os EUA têm é com a União Europeia e com a China. Depois vem o México, o Canadá”.
Ricupero disse que Trump afirma na carta que a balança comercial dos EUA com o Brasil é deficitária ou “porque é mentiroso ou porque é ignorante”.
O ex-ministro afirmou que, ao longo da sua carreira “nunca” viu nada parecido com essa “combinação de fatores, a mistura de um tema político com um tema comercial. Outro aspecto muito desagradável é essa ação de brasileiros conspirando com o governo americano contra o Brasil”, disse, em referência à campanha do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para que os EUA apliquem sanções contra Alexandre de Moraes, ministro do STF.
“Em tempo de guerra, seria considerado traição à Pátria. Tomar o partido de um governo estrangeiro contra o teu próprio país? Qual é a definição disso? É traidor que faz isso, não é? Não sou eu quem está dizendo, são eles que se orgulham nas mídias sociais de serem responsáveis por isso”, afirmou.
Ricupero declarou que, até 1º de agosto, prazo estipulado por Trump para as tarifas entrarem em vigor, a Embaixada do Brasil em Washington deve mobilizar seus contatos no Departamento de Estado, na Secretaria de Comércio Americano, no USTR (United States Trade Representative) e no Congresso.
O diplomata disse também que o Brasil deveria tentar “sensibilizar o setor privado americano” que tem interesse no Brasil, como os exportadores americanos.
“Trump, sempre que recua no que anuncia, invariavelmente é por causa de pressões do setor de negócios. É sempre por causa das empresas. Ele não é muito sensível a argumentos diplomáticos ou de outra natureza, mas é muito sensível a setores ligados à economia”, afirmou.
Outra sugestão de Ricupero é que o Brasil, de maneira discreta e não publicamente, “entrasse em contato com os países que estão sendo atingidos, como o Canadá, o México, a União Europeia, a China” para saber como pretendem reagir.
Quanto às respostas de Lula, o ex-ministro opinou que o presidente “fez bem” ao cancelar o pronunciamento nacional, porque “com Trump, engajar-se em uma briga pública não leva a nada. Isso é o tipo de coisa que ele gosta”. Ricupero também minimizou que a Cúpula do Brics tenha influenciado a decisão de Trump.
“Ele não chegou a mencionar [o Brics] na carta. Menciona um tema muito mais difícil, que é o Bolsonaro, que sabe que é um tema interno, mas não menciona o Brics. Acho que o Brics pode atuar como um irritante a mais, mas não acredito que seja um fator determinante. Trump não gosta de nenhum ataque ao dólar. Mas é uma bobagem atacar porque não vai levar a nada mesmo”, disse.
Sobre a decisão do presidente brasileiro em levar o caso à OMC (Organização Mundial do Comércio), Ricupero afirmou que apesar de “correto, do ponto de vista legal”, é infrutífero. “Trump não liga para a OMC, ele não liga para regra nenhuma. Nunca citou a OMC, que eu saiba, tem o mais soberano desprezo por isso. No fundo é uma perda de tempo. É pouco efetivo”, disse.