Moradores, familiares e representantes da sociedade civil se reúnem na comunidade da Vila Cruzeiro para manifestação de repúdio à Operação Contenção que deixou 121 mortos. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
"Usaram nossa janela para ficar atirando"
De acordo com o relatório da Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro sobre a Operação Contenção, divulgado no início da semana passada, crianças e adolescentes nos complexos de favelas tiveram a rotina bastante impactada pela operação.
O texto relata que eles ficaram sem aulas e alimentação escolar por três dias e, no caso de atípicos, foram descritos casos de desregulação por conta dos barulhos de tiros por mais de 16 horas. Há ainda relatos de crianças atingidas por gás de pimenta ou com casas destruídas para a prática de "Tróia", quando a polícia entra em uma residência para emboscar suspeitos.O Ministério dos Direitos Humanos também recebeu relato de uma mãe, grávida, com duas crianças pequenas, que teve a casa depredada e perdeu a cozinha na explosão de um botijão de gás. “Essa mulher estava em situação grave, com sangramento há dois dias, sem conseguir fazer exame e saber o que tinha acontecido com a gestação”, revelou a coordenadora, sobre o impacto da operação policial entre crianças. Em relação ao apoio aos conselhos, ficou acordado com a pasta a criação de uma rede de apoio, como acolhimento psicológico, dado o impacto emocional do trabalho. Por sua vez, os conselheiros devem registar, detalhadamente, as violações de direitos informadas pelas famílias e atuar, quando necessário, encaminhando casos ao PPCAM. Há ainda a expectativa de que cheguem novas denúncias ou demandas. “[Os conselhos] ainda não estavam sendo demandados, porque as pessoas estavam mobilizadas e conectadas ao reconhecimento de corpos, abaladas ou traumatizadas pela operação”, avaliou Vidal.“Eles entraram na minha casa e nos prenderam no quarto e usaram nossa janela para ficar atirando nas pessoas. Tem várias cápsulas de bala em cima da cama do meu filho. Eles atiraram com a gente dentro de casa. Meu filho só sabe gritar”, diz F., no relatório da Ouvidoria, que é um órgão externo à Defensoria Pública do Estado do Rio.
Crianças brincam em praça da Vila Cruzeiro ao lado de barricadas que foram colocadas para conter avanço de policiais durante a Operação Contenção. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Adolescência cerceada
A rotina de violência atravessa diferentes gerações de jovens na região onde ocorreu a Contenção, a operação mais letal da história do estado do Rio. No documentário Adolescência no Complexo da Penha, de 2004, alunos já relatavam uma adolescência cerceada. “A visão da Igreja da Penha é maravilhosa, mas eu prefiro ficar em casa, porque tem mais segurança. Se a gente for na rua, não sabe se vai voltar ou não", disse uma das jovens ouvidas pelo filme. Outra revelou o medo de ser vítima de bala perdida. "Quando eu estou na rua, na Penha, fico com medo de acertarem em mim ou na minha avó". No filme, feito em parceria com o Programa Imagens em Movimento, eles também falaram da angústia de viver entre abusos policiais e de facções criminosas. "Aqui, na Penha, para me divertir, às vezes, eu venho para escola e brinco, o que não faço em casa. Em casa, não posso sair, porque o clima é [de briga entre] facções", contou outra jovem. O Ministério dos Direitos Humanos reconhece a necessidade de integrar ações sociais enquanto combate a entrada de armas na comunidade. “O tráfico, o manejo de drogas e de armas, é algo que nomeamos como crime, como ato infracional, mas que, por uma outra perspectiva, é reconhecido como trabalho infantil pela OIT (Organização Internacional do Trabalho)”,disse Vidal. A organização internacional reconhece a população de até 18 anos como vitimada pelo trabalho infantil de tráfico de drogas, acrescentou. Na semana da operação, o ministério também prometeu trabalhar para oferecer perícia independente. Boa parte dos mortos foi encontrada em região de mata, com sinais de tortura e execução, segundo o relatório da Ouvidoria da Defensoria. A lista de pessoas assassinadas evidencia a letalidade de jovens, sendo que um em cada três tinha até 25 anos e era preta ou parda, diz o documento. A Ouvidoria acrescenta no texto que o perfil das vítimas expostas em praça pública tinha também traços do estilo da juventude de comunidades, como cabelos pintados de vermelho ou branco. “Isso mostra, efetivamente, um claro crime de racismo e de ódio, levando em conta que essa é a marca da juventude negra periférica”, diz o documento. Relacionadas
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