A diretora lembra a relevância do jornalista para a história do país, ao avaliar que seu assassinato teve grande impacto para a transição democrática pós-ditadura militar. O documentário resgata ainda filmes raros gravados durante o culto ecumênico na Catedral da Sé, em 31 de outubro de 1975, e no descerramento do túmulo de Herzog, no cemitério Israelita do Butantã, um ano após sua morte. Neste domingo (26), a Praça Memorial Vladimir Herzog, no centro de São Paulo, receberá uma intervenção permanente chamada Calçadão do Reconhecimento. No piso, haverá a instalação dos nomes de todas as pessoas e coletivos vencedores do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, um dos mais importantes do país. Uma das homenagens será ao conjunto dos trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que recebeu, em 2022, o Prêmio Especial Vladimir Herzog Contribuição ao Jornalismo, pela resistência na defesa da comunicação pública. O reconhecimento decorreu da atuação dos profissionais durante o governo de Jair Bolsonaro, quando a censura, o governismo e a perseguição foram disseminadas na empresa.“A importância [do filme] é contar a história do Vlado, por isso o documentário tem esse nome. A gente conta o que ele gostava de fazer, quem ele era, a importância dele como pessoa, como jornalista, as vontades e os desejos dele.”
Assassinato de Vladimir Herzog gerou grande mobilização contra a repressão e também de luta pela democracia - Foto: Wilson Ribeiro/Acervo Vladimir Herzog
A foto e a farsa
No podcast O Caso Herzog: A Foto e a Farsa, o jornalista Camilo Vannuchi entrevista o fotógrafo Silvaldo Leong, que fez a imagem do corpo de Vlado pendurado no DOI-Codi. A produção conta também com entrevistas, documentos e áudios inéditos, além de análises que contextualizam o Brasil da ditadura e suas marcas no contexto atual, e está disponível nas plataformas de streaming.Além disso, Vlado era mais alto do que a janela em que foi pendurado, ficando com joelhos dobrados e os pés arrastando no chão. “É toda uma situação inconcebível, segundo os especialistas, os médicos, não dá para se matar se pendurando de uma altura menor do que você mesmo.” Como Vlado era judeu, em caso de suicídio – como dizia a versão oficial da época –, ele deveria ser enterrado em local específico, de acordo com a tradição religiosa. No entanto, no processo de preparação do corpo, conta Camilo, um funcionário procurou o rabino Henry Sobel, para relatar que havia hematomas e escoriações no corpo. “Ele fala isso ao telefone, e o Henry Sobel fala ‘não, ele não se matou, vamos enterrar na área nobre’”, conta Vannuchi. O jornalista Paulo Markun, amigo de Vlado, que também estava preso no DOI-Codi na data da morte, relata que houve até um inquérito para mascarar o assassinato. “Tudo isso era uma farsa e uma ficção, a gente tentou argumentar mas eles [agentes do DOI-Codi] insistiam que ele tinha se matado”, diz ele, que também era colega de Herzog na TV Cultura. Markun lembra que eram “24 horas por dia ouvindo gritos das pessoas apanhando” no local. “Quando [fui levado], já cheguei num local que era um centro de tortura. Não era uma delegacia, não tinha um escrivão, nada disso. Era a violência desde o início.” Ele reforça que todos os detidos usavam macacão sem cinto, o que ajuda a desmentir a farsa do suicídio, com uso de um cinto, montada pelos militares.“A foto é uma farsa, uma farsa muito violenta, porque foi simular um suicídio com o Herzog pendurado numa janela com o suposto cinto de pano que faria parte do uniforme dos presos na carceragem do DOI-Codi, mas na carceragem não tinha cinto, nem de pano, nem de qualquer outro material, ninguém usava cinto”, relata Camilo Vannuchi.
Inteligência artificial
Na sua atuação profissional, Markun desenvolveu uma ferramenta, com uso da inteligência artificial, que cria respostas a partir de materiais produzidos por Herzog ao longo de sua vida. “É um conjunto de livros, reportagens, textos do Vlado, cartas que ele escreveu, organizados numa base de conhecimento, sobre a qual a inteligência artificial responde com a voz do Vlado”, explica. Quando o usuário faz uma pergunta ao avatar construído a partir da voz clonada de Herzog, a plataforma faz uma busca na base de conhecimento a partir de palavras-chave, e a inteligência artificial constrói a resposta em texto, que é transformada em áudio instantaneamente. A ferramenta será apresentada em evento que discutirá como a inteligência artificial pode servir à preservação da memória, nos dias 30 e 31 deste mês, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc-SP. Para Markun, essa é mais uma maneira de apresentar a história de Herzog, por meio de um novo formato.O jornalista avalia que as iniciativas em torno da rememoração dos 50 anos da morte de Vlado são uma demonstração de que, mesmo entre diferentes posições políticas e crenças, há o entendimento comum de que algumas premissas devem ser asseguradas. “A primeira delas é o respeito ao voto popular. A segunda, casada com isso, é que direitos humanos são fundamentais. A terceira é que a liberdade de expressão é essencial”, enumera. “O que levou à derrota da ditadura foi o entendimento de que pessoas que pensam diferente podem se unir em torno dessa ideia de que a democracia é importante e que a ditadura é inaceitável”, lembra, ao citar o ato inter-religioso que ocorreu sete dias após o assassinato de Herzog e que se repetirá neste sábado (25), às 19h, na Catedral da Sé.“É uma voz clonada do Vlado a partir do pequeno trecho [da voz original] que há disponível, e permite que esse avatar responda a qualquer pergunta sobre ele, sobre a trajetória dele e a carreira, a biografia, os projetos, os textos e o cenário político, até a manhã do dia 25 de outubro de 1975, quando ele se apresenta no DOI-Codi”, destaca.





