• Domingo, 13 de abril de 2025

Inflação e pobreza em queda: o que aconteceu na Argentina de Milei

Ainda muito alta, inflação na Argentina, que era de 3 dígitos, vem desabando no governo Milei. Pobreza também caiu e país fez acordo com FMI

Acostumados a uma sucessão de crises econômicas nas últimas décadas, os argentinos parecem ter motivos para estar mais esperançosos. Vilã histórica do país, a vem caindo expressivamente durante o governo do presidente , assim como a extrema pobreza. Por outro lado, a renda da população argentina aumentou, a moeda local se valorizou e o Produto Interno Bruto () está avançando, ainda que lentamente. Ao assumir a , em dezembro de 2023, o economista ultraliberal Javier Milei inicialmente pôs fim ao congelamento da taxa de câmbio oficial no país e desvalorizou o peso argentino em 54%. O câmbio oficial passou para 800 pesos por dólar, em meio a uma política de desvalorização de 2% ao mês (menor do que a inflação mensal). Com o fortalecimento do peso ao ser desvalorizado abaixo da inflação, o dólar acabou perdendo parte de sua capacidade de compra em relação ao custo de vida, . Além dessas medidas, o governo argentino instituiu uma âncora fiscal (que contribuiu decisivamente para a redução dos gastos públicos) e uma âncora monetária (com a suspensão da emissão de dinheiro para financiar o Tesouro). Inflação ainda alta, mas em queda livre Em 2024, a inflação na Argentina ficou em 117,8%, despencando 94 pontos percentuais em relação ao ano anterior, de acordo com o Instituto Oficial de Estatísticas (). Em dezembro do ano passado, a taxa mensal foi de 2,7% em relação a novembro. Em janeiro de 2025, o índice desacelerou para 2,2%. Em fevereiro, a Argentina registrou uma inflação de 2,4%. Em março, segundo dados divulgados pelo Indec nessa sexta-feira (11/4), o índice foi de 3,7%. Na base anual, a inflação ficou em 55,9% em março – a mais baixa desde 2022. A título de comparação, em janeiro, a inflação anual argentina sido de 84,5% e, em fevereiro, de 66,9%. Em 2023, a taxa acumulada em 12 meses superava os 200%.  “Se a inflação caiu de forma importante, isso aconteceu porque Milei tomou uma decisão política muito clara. A chave é a âncora fiscal. O atual governo tomou uma decisão política de equilibrar as contas públicas, gerando maior estabilidade e cortando gastos. O Estado pode, eventualmente, gastar acima de suas possibilidades, mas isso não pode durar para sempre”, afirma Ricardo Gabriel Amarilla, analista sênior de dados econômicos e financeiros da Economatica na Argentina. “Foi tão grave a crise anterior, durante o último governo [do ex-presidente Alberto Fernández, entre 2019 e 2023], que acabou gerando um esgotamento em toda a sociedade. Por isso, em função da gravidade da crise, temos hoje o presidente que temos. A crise foi tão exagerada, tão complexa, que a decisão política de tentar reorganizar um pouco a economia tinha de ser tomada”, explica o economista argentino. “Esse fenômeno inflacionário que existe na Argentina não ocorre em outros países do continente, como Brasil ou Chile. Grande parte dos países aprendeu que a inflação é ruim. As pessoas que mais podem se defender da inflação são aquelas que têm recursos, que podem comprar dólares na Argentina. Os pobres não têm essa condição e são os que mais sofrem.” Segundo o também argentino Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), uma combinação de fatores explica a derrocada da inflação sob o governo de Javier Milei. “O primeiro é o aperto fiscal. Quando você corta gastos do governo, diminui a demanda, o que acaba reduzindo a pressão sobre os preços. O segundo ponto importante é a pressão do câmbio. O país vem tendo inflação em dólares, e não em pesos. Assim, o governo segura os preços pela política do câmbio. O dólar corre mais devagar do que a inflação”, enumera. “Além disso, o dólar é a unidade de conta dos argentinos. Na Argentina, além de o dólar segurar os preços comercializáveis, o argentino médio pensa em dólar, faz conta em dólar… o fato de o dólar se desvalorizar pouco faz com que ele passe isso aos preços”, afirma Troster. No ano passado, de acordo com dados do Banco de Compensações Internacionais (, na sigla em inglês), o peso argentino foi a moeda que mais se valorizou no mundo, em termos reais (descontada a inflação), com ganhos de 44,2%. Pobreza também recua Um dos efeitos mais evidentes da queda da inflação no país é a diminuição do percentual de argentinos vivendo abaixo da linha da pobreza. Dados divulgados pelo Indec mostram que 11,3 milhões de pessoas estavam nessa situação no fim do ano passado, o que representava 38,1% dos argentinos. No semestre anterior, esse índice correspondia a mais da metade da população (52,9%). . Em dezembro de 2023, a taxa era de 41,7%. De acordo com o levantamento do Indec, o argentino abaixo da linha da pobreza é aquele que tem dificuldade para ter acesso a itens e serviços de necessidades básicas, entre os quais alimentos, roupas, transporte e hospitais. A pesquisa também mostrou uma diminuição na taxa de argentinos em situação de indigência, de 18,1% para 8,2%. Esse quadro é caracterizado pela impossibilidade de acesso a uma cesta básica suficiente para suprir as necessidades diárias de energia e proteína. “A queda da inflação é o fator mais importante para a diminuição da pobreza. A renda real aumenta quando cai a inflação. Aumentando a renda, diminui a quantidade de pessoas na linha da pobreza”, diz Roberto Luis Troster. Além da queda da inflação e da pobreza, há outros dados auspiciosos sobre a Argentina. O país registrou superávit primário (quando há resultado positivo das contas do governo, em que as receitas superam as despesas) em 13 dos 14 meses de governo Milei até fevereiro. Naquele mês, o superávit foi de cerca de US$ 1,1 bilhão, o equivalente a 0,5% do PIB. Em janeiro, a atividade econômica do país cresceu 6,5% em relação ao mesmo período de 2024. No quarto trimestre do ano passado, a alta do PIB foi de 1,4% em relação aos três meses anteriores e de 2,1% na base anual. Acordo com o FMI e falta de reservas Embora ainda esteja longe de uma situação confortável, a Argentina dá sinais consistentes de que, a persistir na busca pela estabilização, o caos econômico que castigou o país em passado recente pode ficar para trás. Nesta semana, o (FMI) (cerca de R$ 118,2 bilhões). O acordo preliminar, , ainda depende de aprovação do Conselho Executivo do FMI, o que deve ocorrer nos próximos dias. Em nota, o FMI afirmou que a decisão de fazer o acordo com a Argentina tem como base o “impressionante progresso inicial das autoridades argentinas na estabilização da economia”. Ainda segundo o comunicado, a forte âncora fiscal adotada pelo país sul-americano vem gerando “rápida desinflação e recuperação na atividade e indicadores sociais”. “O programa apoia a próxima fase da agenda de estabilização e reforma doméstica da Argentina, com o objetivo de consolidar a estabilidade macroeconômica, fortalecer a sustentabilidade externa e desbloquear um crescimento forte e mais sustentável, ao mesmo tempo em que gerencia o cenário global mais desafiador”, defendeu o FMI. Em tese, o governo argentino poderá utilizar os novos recursos para quitar dívidas do Tesouro junto ao Banco Central, buscando reduzir o endividamento e dar mais previsibilidade ao mercado financeiro. “O acordo com o FMI é importante, mas o grande problema do país, hoje, é que o governo não acumula reservas internacionais. Mudar essa situação vai levar muito tempo e significará que o câmbio passe a ser mais volátil”, alerta Ricardo Gabriel Amarilla. “Para agravar esse cenário, temos um mundo cada vez mais complicado com [Donald] Trump nos Estados Unidos, em um ambiente de muita instabilidade e incerteza. Ter poucas reservas é um componente que ataca a ideia de estabilidade. Estabilizar uma economia sem dólares é difícil. Não é fácil nem rápido”, completa. Reservas internacionais são ativos em moeda estrangeira que um país possui e funcionam como uma espécie de proteção contra crises econômicas. Em janeiro de 2025, a Argentina tinha cerca de US$ 22,1 bilhões em reservas internacionais – uma queda de 9% em relação a dezembro de 2024 (US$ 24,3 bilhões). O FMI projeta que o país necessite de US$ 47 bilhões em reservas. A “surpresa” Milei Apesar de apontarem um cenário ainda delicado para a economia argentina, os analistas ouvidos pelo Metrópoles classificam a gestão do governo Milei como uma boa “surpresa”. “O desempenho é melhor do que o esperado. Todavia, por mais paradoxal que seja, o grande risco da Argentina hoje se chama Javier Milei. Ele toma medidas impulsivas e arruma brigas desnecessárias”, pondera Troster. Na última quinta-feira (10/4), por exemplo, o governo argentino foi alvo de uma greve geral convocada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), a maior central sindical do país. . “É uma surpresa positiva o governo estar conseguindo estabilizar uma economia com tantos problemas. Sem dúvida, é um grande feito. E isso ocorreu tendo como norte alguns dos princípios básicos, como a âncora fiscal”, afirma Amarilla. “De forma geral, a sensação dos argentinos em relação à economia, hoje, é muito melhor do que no passado recente. É importante termos em conta que Milei tem limitações políticas. Foi eleito como um ‘outsider’. Poucas pessoas imaginavam que um ‘outsider’ poderia alcançar o que alcançou na economia”, prossegue o economista. “Apesar disso, o país continua tendo problemas econômicos profundos, como a pobreza e a indigência, que vêm caindo, mas ainda são muito elevadas. Há muito o que resolver e não será um processo simples.”
Por: Metrópoles

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