• Sábado, 2 de agosto de 2025

Governo firmou 1.600 acordos com anistiados políticos desde 2023

Caso Herzog, que levou Brasil à condenação internacional, é uma das reparações feitas pela União a vítimas da ditadura.

Cinquenta anos depois da morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar em 1975, a AGU (Advocacia Geral da União) firmou um acordo para pagamento de indenização à família, celebrado em 26 de junho de 2025, em São Paulo. Foi um entre os 1.600 acordos de anistiados políticos firmados pela AGU desde 2023, quando foi criada a PNNE (Procuradoria Nacional da União de Negociação).

Os acordos somam cerca de R$ 130 milhões em indenizações. Em sua maioria, são casos de pessoas presas, torturadas e perseguidas pelo Estado brasileiro durante o regime militar (1964-1985), como o cearense Edilson Pinheiro Peixoto e o piauiense Evilásio dos Santos Barros, que tiveram suas carreiras profissionais interrompidas pela repressão.

“Estamos falando de uma mudança muito profunda de um Estado algoz, que perpetrou violência de Estado, reconhecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Judiciário brasileiro, e que está vindo aqui pedir desculpa por toda a barbaridade, por toda a violência que perpetrou, reconhecer direitos”, declarou o advogado-geral da União, Jorge Messias, na cerimônia realizada no Instituto Vladimir Herzog.

Os casos de Peixoto e Barros fazem parte do Plano Nacional de Negociação 23, que trata do reconhecimento da condição de anistiado político pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e da fixação do valor da indenização por danos morais ou materiais.

De acordo com a procuradora-geral da União, Clarice Calixto, o volume de acordos assinados está relacionado a “uma nova arquitetura de funcionamento” implementada pela atual gestão da AGU, na qual um dos pilares é a capacidade de construir consensos e respostas resolutivas.

A procuradora nacional da União de Negociação, Clara Nitão, defende que a busca pela consensualidade seja encarada como uma necessidade da advocacia pública, “como algo que faz parte do fluxo de trabalho”, e “não apenas de casos que já se tem certeza de que vai perder”.

Nitão afirma que, quando um processo chega na AGU, o 1º passo é avaliar se pode ser abarcado por algum plano de negociação. Em caso positivo, é enviado para uma das 6 coordenações regionais de negociação para que a proposta seja formulada e apresentada. Os planos englobam tanto demandas já judicializadas quanto em fase pré-processual. Além do PNN 23, de anistiados políticos, há outros 31 planos –boa parte sobre temas relacionados a funcionários públicos federais.

Edilson Pinheiro Peixoto iniciou sua militância política quando era estudante secundarista em Fortaleza (CE) e, em julho de 1971, foi preso em sua casa por ter realizado “atividades subversivas”. Ficou detido por 23 dias, quando foi torturado e submetido a tratamento desumano. No ano seguinte (1972), foi aprovado para cursar medicina na UFC (Universidade Federal de Ceará), mas foi impedido de efetivar a matrícula.

Diante da perseguição, percorreu vários Estados do Nordeste, antes de rumar a São Paulo, onde estudou farmácia na USP (Universidade de São Paulo). Continuou se escondendo da repressão até 1979, quando foi promulgada a anistia, e em 1982 concluiu sua graduação.

Em outubro de 2009, o caso de Peixoto foi apreciado pela Caravana da Anistia no Ceará, junto a outros 75 requerimentos de vítimas e familiares. Iniciativa da Comissão de Anistia, do então Ministério da Justiça, as caravanas promoviam sessões públicas e itinerante ao redor do país com o objetivo de ampliar o alcance dos mecanismos de reparação e de intervir na memória coletiva sobre a ditadura militar.

Dois meses depois, foi publicada a portaria do ministério que confirmava sua condição de anistiado político, o que incluiu uma reparação econômica, de caráter indenizatório, pelos danos materiais causados pela perseguição estatal, como o atraso em sua formação universitária –situação estabelecida pela Lei da Anistia, de 2002.

Os danos morais (que tratam de bens não materiais, como a saúde mental, a honra e a dignidade), no entanto, não foram contemplados pela legislação, o que levou a uma onda de processos judiciais e abriu a questão sobre o acúmulo de reparações por danos materiais e morais. O impasse foi pacificado por sentença do Superior Tribunal de Justiça, de 2018, que confirmou a possibilidade.

Foi justamente a reparação por danos morais que Peixoto demandou à Justiça, em 2025, no valor de R$ 150 mil, corrigido desde 1971, o que poderia chegar a R$ 1,3 milhão em caso de condenação. Quando chegou à AGU, o processo foi direcionado ao PNN 23 e logo foi firmado um acordo com o anistiado, no valor de 60 salários-mínimos, pouco mais de R$ 91.000. O termo foi homologado pela Justiça Federal do Ceará e a ação judicial foi extinta.

Quando demandou sua reparação por danos morais, Evilásio dos Santos Barros tinha quase 90 anos e vivia com uma aposentadoria de pouco mais de um salário-mínimo, em Parnaíba (PI) –mesmo município em que foi perseguido quando foi líder sindical nos anos 1950 e 1960. Operário, Barros chegou à presidência da Federação dos Trabalhadores na Indústria do Piauí em 1961. Dois anos depois, foi reeleito, mas logo afastado por motivação política e, em 1964, preso por 40 dias com base na Lei de Segurança Nacional.

Apesar de ter recebido habeas corpus em 1967, o registro da incriminação permaneceu válido até 1976, o que o impediu de exercer uma série de atividades, inclusive de representante sindical. Sua condição de anistiado político foi reconhecida em 2011, quando foi indenizado por danos materiais. No ano seguinte (2012), passou a demandar R$ 450 mil da União a título de danos morais. O processo se arrastou na Justiça por mais de 10 anos, até ser celebrado acordo com a AGU no valor de 60 salários-mínimos.

Com o objetivo de evitar longas tramitações como essa, a AGU firmou um acordo para permitir que as solicitações de reparação por danos morais a anistiados políticos sejam analisadas pela via extrajudicial. O escritório representa dezenas de anistiados da região.

Firmando entendimento com magistrados e advogados, o acordo, que integra o PNN 23, estabelece um fluxo mais célere para os processos. Entre outras medidas, define a forma de ingresso da demanda na AGU, o que inclui os documentos a serem apresentados e um breve relato sobre a situação que gerou o reconhecimento da anistia.

Com informações da Agência Gov.

Por: Poder360

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