Trechos do documentário Herzog – O Crime que Abalou a Ditadura. Foto: Instituto Conhecimento Liberta/Divulgação
Márcia Cunha revelou que a produção enfrentou dificuldades com a falta de imagens, porque não existem acervos da época com o o jornalista trabalhando, a prisão e outros momentos da sua trajetória. Além disso, mesmo nos depoimentos, havia barreiras. Como é um crime que ocorreu há 50 anos, a maioria das pessoas que foi testemunha já morreu ou está muito idosa. Na reconstituição da história, a dificuldade foi usada como uma vantagem e fazer o documentário chegar mais perto das novas gerações do país. “Para recriar situações que ele viveu, como os agentes da repressão chegando na TV Cultura, querendo levá-lo preso, o que os companheiros de cela viram, os detalhes dos gritos que ouviam, o que eles falavam, a gente recriou essas situações com storyboards, para ficar como histórias em quadrinhos. Os nossos recursos de arte foram para tentar criar, em imagem de quadrinhos, o que aconteceu, porque a gente acredita também que vai facilitar que as novas gerações se interessem pelo tema e compreendam a dimensão do que aconteceu”, relatou.Memória em quadrinhos
“A gente optou por esta narrativa de recriar essa situação dramática de tensão, do enterro, da abordagem, da prisão e da tortura com essa linguagem de quadrinhos e entremeou isso com os depoimentos dos colegas dele de cela que estão vivos, dos amigos e com relatos de pessoas que já morreram, como Dom Paulo [Evaristo Arns]. A gente fez esse mix de filmes antigos, relatos atuais e, a partir dos relatos, a gente reconstituiu essa violência toda e esse drama que o Herzog viveu”, completou. Os desenhos dos quadrinhos foram feitos pela artista ativista Paula Villar. Para a realização, o diretor passava as histórias de cada situação, para que ela pudesse elaborar a arte. “A gente fez uma recriação das coisas que não tínhamos em imagem, porque muitas aconteceram nos porões da ditadura e em lugares que não tinham permissão para entrar. Aconteciam nos porões do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, órgão que praticou violações contra opositores da ditadura]. Não têm registros de imagem, iconografia disso e muitas não tinham iconografia porque não tinha ninguém fazendo foto, não tinha ninguém fazendo filmagens. A Paula fez uma interpretação desses episódios, mas tudo baseado em depoimentos e naquilo que a gente tem de iconografia disponível”, revelou o diretor. Como é uma história que ainda tem testemunhas e colegas de trabalho de Herzog, o diretor e roteirista do filme disse que criou o roteiro em cima dos depoimentos.“São pessoas que trabalharam, foram companheiras do Herzog e, algumas delas, estiveram presas no mesmo lugar. Alguns são depoimentos aterrorizantes, porque ouviram ele ser torturado na cela ao lado. É muito chocante o testemunho que elas têm a dar. Era importante que o documentário tivesse essa preocupação de trazer o que foi o terror dessa época, para que não tenha esse engano que a gente vive hoje em dia, de pessoas pedirem intervenção militar e a volta do que foi o regime militar”, acrescentou Farinaci.“A gente fez tudo muito respeitoso e fiel com os depoimentos, que a gente conseguiu colher das pessoas que estavam lá e foram testemunhas em primeira mão dessa história. Não é alguém contando uma história que ouviu falar. São pessoas que viveram e estiveram presas com ele no DOI-Codi. É uma história muito contundente”, apontou.
Abalo na ditadura
A diretora do ICL lembra que o crime teve impacto tão grande na época que deixou evidente a divisão que havia no regime militar a respeito da continuidade da ditadura. Por isso, o nome do documentário: Herzog – O Crime que Abalou a Ditadura.Márcia Cunha acrescenta ainda mais uma parte da história de Herzog que precisa ficar na memória do país: os agentes foram até a TV Cultura, em São Paulo, onde o jornalista trabalhava, para fazer a prisão dele, mas Herzog argumentou que precisava botar o telejornal no ar e não poderia ir com eles. Ele se comprometeu a se apresentar no prédio do DOI-Codi, órgão de repressão e inteligência e do Exército. Lá foi preso, torturado e morto. “Ele foi lá, se apresentou e, no mesmo dia, foi morto. Nunca mais saiu. Foi se apresentar espontaneamente. Ele foi torturado barbaramente, e o corpo dele não resistiu. A gente conta no DOC que, na semana que antecedeu a prisão e o crime, já tinham sido presos 11 jornalistas. Estava tendo uma caça aos jornalistas”, disse. Outra memória da trajetória de Herzog abordada no filme é a foto em que aparece enforcado para reforçar a narrativa de que ele se suicidou. “A gente quis contar a violência, o modus operandi, a desfaçatez, porque eles contavam com a impunidade a ponto de a foto com ele pendurado ter sido tirada por um perito da polícia técnica. Ele está enforcado com o pé e o joelho quase encostado no chão. A foto já era denúncia da fraude, da farsa.“O crime foi tão violento e teve uma repercussão tão grande, que as duas linhas, a da abertura, com Geisel [ex-presidente general Ernesto Geisel] e Golbery [ex-chefe da casa civil general Golbery do Couto e Silva], e a linha dura do exército estavam já se estranhando com ideias diferentes. O Geisel e o Golbery queriam a abertura, e a linha dura, não. Esse crime ajudou que a linha que queria a abertura vencesse. Esse crime teve um impacto muito grande para o fim da ditadura no Brasil”, disse.





