Uma eventual anistia para os condenados pelos atos extremistas do 8 de Janeiro que beneficie o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem muitos obstáculos políticos a serem transpostos. Mas há também uma dificuldade operacional: o calendário disponível de 2025.
As negociações políticas e os prazos para algumas etapas do processo indicam que é improvável que Bolsonaro possa ser eventualmente anistiado ainda em 2025. O ex-presidente foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por tentativa de golpe de Estado.
A seguir, um detalhamento de como deve se dar cada uma das etapas da eventual tramitação do projeto de lei de anistia:
Duas propostas diferentes têm sido discutidas no Congresso. Na Câmara, bolsonaristas defendem um texto que beneficie Bolsonaro e os condenados por algum tipo de envolvimento com os atos do 8 de Janeiro.
Líderes de partidos do Centrão, no entanto, avaliam levar adiante uma proposta que não derrube a inelegibilidade de Bolsonaro. A estratégia permitiria que outro nome da direita fosse o candidato a presidente em 2026.
Ainda não há uma proposta de lei formalmente apresentada na Câmara. O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), divulgou em 4 de setembro de 2025 uma minuta de projeto que ele e outros bolsonaristas querem votar. O texto concede perdão a todos os condenados, processados ou investigados pelo 8 de Janeiro. O rascunho desse projeto tem um período bem elástico para conceder o benefício: estabelece que o perdão será para todos os atos praticados a partir de 14 de março de 2019, data do início do inquérito das fake news no STF.
O texto também determina que a concessão da anistia elimine automaticamente os efeitos de condenações penais, com o consequente arquivamento de inquéritos, investigações e processos em curso. Também cancela multas, indenizações, medidas cautelares e liminares já impostas pela Justiça. Com isso, na prática, seria possível reverter a inelegibilidade de Bolsonaro e permitir que o ex-presidente dispute as eleições de 2026.
O projeto foi criticado por deputados e políticos de diversas esferas por ser considerado muito abrangente, podendo até beneficiar facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho).
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), viajou para Brasília em 3 de setembro e pressionou a favor da anistia na Câmara. Bolsonaristas avaliam ter votos suficientes. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), entretanto, resiste. No seu Estado, na Paraíba, todos os seus principais aliados estão ao lado de Lula nas disputas de 2026. Em Brasília, Motta depende de apoio do Centrão anti-Lula para comandar os deputados.
Em 2 de setembro, Motta afirmou que estava avaliando o tema e chegou a dizer a aliados que poderia pautar o projeto no plenário da Casa. Só que na 3ª feira (9.set), o deputado disse que o projeto “não tem previsão nem de pauta, nem de relator”. A declaração foi dada depois de reunião com líderes partidários. A decisão do grupo foi deixar o assunto para depois da conclusão da etapa de julgamento de Bolsonaro no STF, que terminou na semana passada.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), disse na 4ª feira (10.set.2025) que colocar o projeto em votação antes da publicação do acórdão com o resultado do julgamento seria uma “brutal interferência em um processo” em curso no Judiciário.
Ainda que os bolsonaristas consigam convencer Motta a colocar o projeto em votação na próxima semana, é provável que se aprove só o regime de tramitação em urgência. O mérito seria analisado em outro momento.
Na semana que começa em 22 de setembro, Brasília deve reduzir o ritmo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viaja a Nova York (EUA) para participar da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Ficará nos Estados Unidos por 4 dias. Ministros o acompanharão. É possível que Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também sejam chamados para integrar a comitiva.
Dessa forma, em um cenário muito otimista, o projeto da anistia poderia ser votado pela Câmara na última semana de setembro. Se o texto vier a ser aprovado, seguiria para análise do Senado. Ainda é incerto, porém, se haverá acordo para tal votação.
O avanço de uma anistia a Bolsonaro esbarra também em Alcolumbre. O senador defende no máximo uma redução de pena para os condenados pelo 8 de Janeiro, sem incluir os líderes e financiadores do ato. Essa medida excluiria a possibilidade de anistia a Bolsonaro. Além disso, é possível que o Senado atenue um eventual texto aprovado pela Câmara.
Se um projeto aprovado pelos deputados chegar ao Senado no início de outubro, numa previsão otimista para os bolsonaristas, a Casa poderia votar a qualquer momento, a depender de acordo entre os líderes de partidos.
Em um cenário muito favorável para os que defendem a anistia, a urgência para a votação do projeto em plenário poderia ser votada na 2ª semana de outubro. O mérito do texto, porém, poderia ficar para o fim do mês.
Dessa forma, uma proposta de anistia poderia ser aprovada pelo Senado na 4ª semana de outubro. Se os senadores aceitarem a proposta da Câmara e não houver mudanças substanciais (algo muito improvável), o projeto seguiria para a Presidência, para que Lula sancionasse ou vetasse trechos ou a íntegra do texto. Caso haja alterações, a proposta voltaria para ser novamente analisada pela Câmara.
O presidente da República tem até 15 dias úteis para sancionar ou vetar um projeto de lei. Caso não o faça dentro do prazo, o texto é considerado sancionado. Dessa forma, se eventualmente o projeto de lei de anistia for aprovado pelo Congresso no fim de outubro, Lula teria até meados de novembro para decidir. O presidente e aliados próximos são declaradamente contrários à proposta.
O petista certamente gastaria todo o prazo disponível para tomar uma decisão. No início de novembro, as atenções do governo federal e de muitos congressistas estará voltada para a COP30, em Belém (PA). O evento será realizado de 10 a 21 de novembro, mas a cúpula de chefes de Estado foi antecipada e será realizada em 6 e 7 de novembro, também na capital paraense.
Quando se consideram os fins de semana e feriados de novembro, o mais provável –nessa hipótese otimista para os bolsonaristas– é que Lula vetará o projeto perto de 20 de novembro. Aí a bola volta para o Legislativo.
Todo veto presidencial deve ser analisado por deputados e senadores. Só que não há prazo para que isso seja feito.
Os congressistas podem derrubar um trecho ou todo o conteúdo de um veto. Essa decisão precisa ser tomada em sessão conjunta do Congresso, que é convocada pelo presidente do Senado.
Para rejeitar um veto, são necessários os votos da maioria absoluta de deputados. Ou seja, no mínimo 257 deputados e 41 senadores. Não há periodicidade definida para as sessões conjuntas. Depende da vontade dos líderes de partidos e do presidente do Senado. Os vetos também precisam ser votados na ordem em que foram enviados para o Legislativo. É possível por meio de acordos políticos “furar a fila”. Dessa forma, seria viável analisar o eventual veto à anistia no fim de novembro ou início de dezembro, caso Alcolumbre marque uma sessão conjunta do Congresso. Normalmente, os congressistas trabalham somente até a semana anterior ao Natal.
Caso o provável veto presidencial à anistia seja derrubado, políticos da esquerda recorrerão ao STF imediatamente. Como já ocorreu em outras ocasiões, um ministro sozinho pode tomar uma decisão e derrubar o que o Legislativo aprovou. Foi o que ocorreu no caso do aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras): o ministro Alexandre de Moraes anulou o que deputados e senadores haviam decidido e o Congresso não soube como reagir.
Como há no STF uma maioria de ministros contra a anistia para os condenados pelo 8 de Janeiro, é provável que uma decisão monocrática seja tomada caso o Congresso derrube um veto de Lula. Nessa hipótese, ninguém seria beneficiado até que o plenário do Supremo analisasse o caso.
A Corte entra em recesso no meio de dezembro e volta só em fevereiro de 2026.
Todas as datas e prazos neste texto são suposições que assumem um cenário positivo para os bolsonaristas. Mas como se observa, a anistia não cabe dentro do calendário de 2025.
E o desfecho neste momento deve ser negativo quando vier a palavra final do Supremo. A Corte tende a decidir pela derrubada da anistia, especialmente a de Bolsonaro.
Durante o julgamento da ação por tentativa de golpe de Estado, os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Gilmar Mendes sinalizaram que não aceitarão ações por anistia relacionados ao caso. Dino disse na 3ª feira (9.set) que não cabe anistia à tentativa de golpe de Estado por ser um atentado contra a democracia. “Nós tivemos já muitas anistias no Brasil. Certas ou não, não somos um Tribunal da história, somos um Tribunal do direito positivo dos fatos concretos existentes. Mas é certo que jamais houve anistia em proveito de quem exercia o poder dominante”, disse em seu voto.
As falas dos ministros foram interpretadas como recados para o Congresso de que qualquer tentativa de anular as punições aos envolvidos no 8 de Janeiro será rejeitada pelo STF.
No caso de o STF decidir contra a anistia, os bolsonaristas poderiam recorrer por meio de embargos infringentes ou de declaração, que tampouco têm prazo para serem analisados e dificilmente revertem uma decisão da Corte.
Tudo considerado, é extremamente improvável viabilizar a anistia a Bolsonaro ainda em 2025. No melhor cenário para o ex-presidente, o caso poderia ser resolvido no 1º semestre de 2026 –mas com um viés de insucesso, pois a palavra final novamente será do STF.