• Quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

STF tem maioria para declarar marco temporal inconstitucional

Corte julga lei de 2023 que restringe demarcações a áreas ocupadas até 1988; placar é de 6 votos a 0 pela inconstitucionalidade.

O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta 4ª feira (17.dez.2025) para declarar a inconstitucionalidade do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A Corte julga a Lei 14.701 de 2023, que restringe o reconhecimento dessas áreas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

O julgamento se dá no plenário virtual e vai até 5ª feira (18.dez). Estão em análise 4 ações que questionam a validade da norma. Até o momento, o placar é de 6 votos a 0 pela inconstitucionalidade, faltando 4 ministros se manifestarem.

Prevalece o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, acompanhado por Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Dino, Zanin e Toffoli, no entanto, apresentaram ressalvas pontuais ao entendimento do relator.

Toffoli acompanhou Gilmar Mendes em grande parte e votou pela inconstitucionalidade dos trechos que condicionam o reconhecimento de terras indígenas à ocupação em 1988. O ministro reafirmou que os direitos territoriais dos povos indígenas são originários e independem de marco temporal. Defendeu ainda que indenizações só sejam admitidas em casos de erro comprovado do Estado, rejeitando “ampliações genéricas” dessa possibilidade.

Dino afirmou que a Constituição assegura proteção máxima aos povos indígenas e que a atuação do STF deve garantir igualdade material no processo demarcatório. Para o ministro, o entendimento da Corte consolida que são inconstitucionais todas as normas que busquem consagrar o marco temporal, inclusive por meio de Propostas de Emenda à Constituição.

Dino, contudo, propôs ressalvas ao voto do relator ao defender que, nos casos em que terras indígenas também sejam unidades de conservação, cabe às próprias comunidades definir as regras para a presença de visitantes e pesquisadores. “A posse constitucional dos indígenas deve ter hierarquia superior a decisões de funcionários administrativos”, afirmou.

Zanin também considerou a Lei 14.701 inconstitucional. Em seu voto, afirmou que é notório que diversas populações indígenas já ocupavam territórios posteriormente declarados públicos e destacou que a apropriação indevida de terras foi um elemento central no processo histórico de ocupação do território nacional, somando-se aos danos impostos aos povos originários ao longo dos séculos.

Ao mesmo tempo, o ministro concordou com as ressalvas feitas por Dino sobre a hierarquia de povos indígenas em relação a órgãos de gestão ambiental para a definição de entrada de visitantes em suas terras. “Conforme acentuado pelo Ministro Flávio Dino, há uma inversão na ADI 7582/DF, ordem de proteção disposta nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, já que atribuiu-se ao órgão gestor ambiental da unidade de conservação a responsabilidade para dirimir questões referentes ao usufruto exclusivo dos povos indígenas em suas próprias terras”, declarou Zanin.

Em seu voto, o ministro, que é o relator do caso, afirmou que a definição de que terras tradicionalmente indígenas são aquelas ocupadas “na data da promulgação da Constituição” fere a tese definida pelo próprio STF em 2023 e também pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Gilmar disse que a lei causa insegurança jurídica, já que torna praticamente impossível a apresentação de provas de ocupação tradicional.

O ministro ainda apontou em seu voto a omissão inconstitucional do Estado brasileiro e exigiu que todos os processos de demarcação em andamento sejam concluídos em até 10 anos. Sustentou que a Constituição permite a revisão de atos administrativos, o que possibilita que terras indígenas já demarcadas sejam ampliadas.

Gilmar Mendes também votou pela homologação de uma proposta desenvolvida pela comissão especial de conciliação do STF e que deve ser enviada ao Congresso. O projeto determina, entre outros pontos, a participação de Estados e municípios nas demarcações, além de ampla publicidade das etapas conduzidas pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Pela tese do marco temporal, os indígenas somente têm direito a terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

Em setembro de 2023, o STF havia decidido que o marco temporal para reconhecimento de ocupação de terras indígenas não poderia ser 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. O julgamento começou em 2021.

O Congresso, então, reagiu. Ainda em 2023, aprovou a lei nº 14.701, que derrubou o veto sobre o marco temporal e determinou que o prazo para reconhecimento das terras dos povos originários teria de ser em 5 de outubro.

O texto foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas o veto foi derrubado e a lei passou a vigorar.

Agora, após ser questionado por partidos ambientalistas e associações indígenas, o Supremo deve dizer que essa lei é inconstitucional.

Se a Corte derrubar a lei, ou seja, declarar a sua inconstitucionalidade, volta a prevalecer o entendimento de que a data da promulgação da Constituição não é um critério para a demarcação de terras indígenas. Ainda caberá ao STF especificar prazos e critérios para homologação de terras.

Ao todo, estão em análise 3 ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) — 7582, 7583 e 7586 — que contestam a lei, além da ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 87, que pede o reconhecimento de sua validade. Todas estão sob relatoria de Gilmar Mendes.

A ADI 7.582 foi apresentada pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Psol e Rede. A ADI 7.583 é de autoria do PT e do PV, enquanto a ADI 7.586 foi protocolada pelo PDT. Já a ADC 87 foi ajuizada por PP, Republicanos e PL, que defendem a constitucionalidade da norma.

Por: Poder360

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