Acontece nesta semana em Denver, no Colorado (EUA), a 4ª edição da Psychedelic Science Conference, o maior evento do mundo dedicado ao uso terapêutico de substâncias como MDMA, psilocibina, LSD e cetamina. O Poder360 fará a cobertura exclusiva da edição de 2025 para o público brasileiro.
Organizado pela Maps (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies), o encontro reúne cientistas, investidores, terapeutas, empreendedores e ativistas para discutir o futuro e os impasses de um mercado que promete transformar a saúde mental, mas que ainda está longe de alcançar consenso político e a validação regulatória que milhares de pessoas tratadas com esse tipo de substância esperam.
Desde sua 1ª edição em 1993, a conferência virou uma vitrine do renascimento psicodélico. A edição de 2023, também em Denver, atraiu mais de 12.000 pessoas e foi marcada pelo entusiasmo em torno da legalização da psilocibina no Colorado e da expectativa de que o MDMA fosse aprovado pelo FDA (U.S. Food and Drug Administration) como medicamento para transtorno de estresse pós-traumático já em 2024. Dois anos depois, o cenário mudou: o Colorado seguiu adiante com seu modelo estatal, mas o FDA rejeitou o pedido de registro do MDMA em 2024, alegando falhas metodológicas nos estudos.
No campo científico, os debates são liderados por universidades de prestígio, como Johns Hopkins, Yale e UCSF. Pesquisadores apresentam dados de longo prazo sobre segurança, eficácia e riscos do uso terapêutico de substâncias psicodélicas. Mas o avanço técnico enfrenta um problema regulatório real: o FDA ainda não aprovou nenhuma droga psicodélica como tratamento padrão. A rejeição do MDMA, considerada um balde de água fria para o setor, trouxe à tona críticas sobre a condução dos ensaios clínicos, a relação entre pesquisadores e financiadores, e a viabilidade de levar experiências subjetivas para dentro do modelo biomédico tradicional.
No plano econômico, a expectativa de um “boom psicodélico” desacelerou, mas não parou. Empresas como Compass Pathways, MindMed e Lykos Therapeutics ainda captam recursos e apostam em terapias assistidas por substâncias –combinando drogas sintéticas com sessões de psicoterapia supervisionada. Há quem chame isso de “medicina mental 2.0”, mas os críticos alertam para o risco de medicalização excessiva e exclusão social: os tratamentos custam caro e, por enquanto, estão restritos a clínicas privadas, sem cobertura pública.
Socialmente, a Psychedelic Science 2025 amplia o debate sobre acesso, equidade e reparação histórica. Organizações indígenas e coletivos afro-americanos reivindicam maior protagonismo nas decisões éticas e legais sobre o uso de substâncias que, em muitos casos, têm raízes em tradições medicinais e espirituais milenares. O evento terá pela 1ª vez um espaço fixo para representantes de povos originários apresentarem suas perspectivas e protocolos, embora ainda haja críticas à forma como o setor lida com apropriação cultural e desigualdade racial.
O Colorado, onde a conferência é realizada, é hoje um laboratório vivo dessa transição. Desde 2023, o Estado permite o uso supervisionado de psilocibina em healing centers licenciados. Em 2025, os primeiros atendimentos começaram a acontecer –com sessões que incluem preparo psicológico, ingestão da substância sob supervisão e acompanhamento posterior. Embora o modelo não seja médico nem recreativo, ele está sendo observado com atenção por outros estados e até por agências federais.
Mas o experimento também enfrenta desafios. O custo das sessões com psilocibina varia de US$ 3.000 a US$ 5.000, tornando o acesso restrito a uma elite. Não há cobertura por planos de saúde, e muitos dos facilitadores ainda estão em processo de certificação. Além disso, há incerteza sobre como monitorar os efeitos de longo prazo, e se será possível integrar essas experiências num sistema de saúde pública mais amplo.
A Psychedelic Science 2025 deve servir, portanto, menos como celebração e mais como balanço de forças. O entusiasmo inicial deu lugar a uma posição mais cautelosa, ainda que esperançosa. O evento de 2025 tenta mostrar que o futuro das substâncias psicodélicas passa por mais do que aprovação científica ou viabilidade de mercado: exige discussão pública, ética aplicada e regulação sensata.
Como articulista que acompanha o tema desde o início da virada psicodélica nos EUA, chama a minha atenção a velocidade com que o discurso sobre “cura” se tornou um produto. Ao mesmo tempo, é evidente que estamos diante de uma mudança cultural em curso. Para o bem ou para o mal, a era psicodélica não é mais contracultura. É pauta de congresso, item de orçamento e proposta de política pública.
Se a ciência psicodélica vai conseguir cumprir suas promessas –ou se será engolida pelo cinismo do mercado e pela lentidão da política– ainda é uma pergunta em aberto. Mas em Denver, esta semana, ela está sendo feita em voz alta, por milhares de pessoas, em dezenas de idiomas, com diferentes intenções. O futuro pode não estar definido, mas está, sem dúvida, em debate.