Uma semana depois da implementação do acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, o acordo de paz apresentado pelos Estados Unidos, mostrou-se mais frágil do que o propagado pelo presidente Donald Trump (republicano). Tanto o governo de Israel quanto líderes do Hamas apontam violações e não indicam que cumprirão o plano até o fim.
Ainda nas primeiras fases da trégua, o Hamas afastou a possibilidade de desmilitarização, falhou em entregar todos os corpos dos reféns dentro do prazo de 72 horas e iniciou uma campanha de execuções de integrantes de facções rivais em Gaza. Já o governo do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu manteve fechada a fronteira de Rafah para ajuda humanitária e permitiu a entrada de menos de 1/6 dos caminhões com mantimentos no enclave palestino.
A não devolução de todos os restos mortais de reféns pelo grupo extremista tem sido usado pelo governo de Israel para questionar a validade do acordo de cessar-fogo. E pode ser a faísca do fracasso de uma nova investida para encerrar a guerra no Oriente Médio, iniciada há mais de 2 anos.
“Ha ainda muitas incertezas e mutias obscuridades em relação com o futuro dessa relação. E o cessar-fogo, que começou muito frágil, diariamente vem dando provas de que essa trégua não vai ser respeitada pelo Estado de Israel”, disse João Amorim, pesquisador e professor de direito internacional da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
A administração de Netanyahu já foi acusada por familiares de reféns de coordenar ações militares em áreas de risco para os prisioneiros ainda vivos e para a futura localização dos corpos dos demais. É o que alega o Hamas. Segundo a milícia palestina, os cadáveres não encontrados estariam em locais bombardeados pelas FDI (Forças de Defesa de Israel). Sem a entrada de maquinário pesado para a retirada de escombros, a tendência é que esses corpos sigam desaparecidos, colocando em xeque o plano de paz de Trump.
Esse resultado não seria ruim para o primeiro-ministro de Israel. Seu governo atualmente se mantém pela perpetuação da guerra, que paralisou as investigações contra o premiê por corrupção. O conflito é o que segura o apoio que “Bibi” tem no Parlamento de facções religiosas ainda mais à direita que de seu partido (Likud).
“Há um custo e um risco político e jurídico para o Netanyahu, com o fim da ação militar em Gaza e com os desdobramentos posteriores do pós-conflito em relação à manutenção dele no poder”, declarou o professor João Amorim. “Na medida em que a situação na Faixa de Gaza se estabilizar em condições extremamente favoráveis à formação e estabilização do povo palestino […] eu acredito que aumentam as chances de ele perder o poder”, completou.
O avanço do plano de paz dos EUA é em parte uma derrota para a ala mais religiosa do governo, que defende o extermínio do Hamas e a ocupação do território palestino por Israel. O acordo propõe o contrário: anistia para os integrantes do grupo e a criação de um Estado Palestino reconhecido internacionalmente.
Mesmo que o avanço acordo de paz não provoque a queda de Netanyahu, o primeiro-ministro poderá ser testado nas urnas no próximo ano. As eleições parlamentares estão marcadas para 27 de outubro de 2026. O Likud, partido do premiê, lidera as intenções de voto está distante do necessário para obter a maioria dos assentos do Knesset.
As pesquisas projetam que sua sigla conquistaria de 27 a 34 cadeiras das 120 do Parlamento. Somadas as legendas que hoje formam o governo, ainda assim a margem é pequena: de 48 a 66 assentos.
A oposição fragmentada é um obstáculo para a mudança de poder. O grupo do ex-primeiro-ministro Naftali Bennett é o mais bem colocado nas pesquisas, mas ele não conformou sua pré-candidatura. Bennett governou de 2021 a 2022 em alternância com o atual líder da oposição, Yair Lapid. A aliança foi formada para impedir o retorno de Netanyahu ao poder, mas foi dissolvida 1 ano e meio depois. A avaliação do pesquisador João Amorim é que a guerra deu à oposição mais condições de se unir.
“Ele é o responsável por aumentar a insegurança da população israelense em seu próprio território e no mundo e universalizar a opinião pública internacional da defesa da causa palestina. Isso, junto com a pressão internacional, inclusive de aliados históricos da formação do Estado de Israel, vão pesar enormemente em uma futura eleição parlamentar e formação de governo”, disse o professor da Unifesp
Com ou sem Netanyahu, Amorim disse que a relação entre Estados Unidos e Israel não será afetada, o que dá uma esperança para o sucesso do armistício em Gaza. Para ele, nem mesmo a inviabilidade do pedido de Trump para que o presidente de Israel, Isaac Herzog, perdoe Netanyahu seria capaz de enfraquecer as relações bilaterais.
“É uma aliança umbilical muito mais profunda que a transitoriedade de governos. O presidente norte-americano que assinar uma ordem suspendendo o auxílio financeiro militar e bélico a Israel cai no dia seguinte”, concluiu o pesquisador.