A Interpol, organização policial internacional, e o Departamento de Estado dos Estados Unidos sustentam que são insuficientes os indícios de crimes reunidos pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes contra o jornalista Allan dos Santos, 41 anos. Por essa razão, um pedido de extradição não foi atendido nem a divulgação do nome de Santos como foragido internacional.
Alvo de inquéritos conduzidos por Moraes no Brasil, o jornalista se mudou para os EUA em meados de 2020. Pouco mais de 1 ano depois, em outubro de 2021, o ministro do Supremo decretou sua prisão preventiva e determinou a abertura de um processo para extraditar Allan dos Santos.
Na ação conduzida por Moraes, o jornalista é acusado de lavagem de dinheiro, organização criminosa e incitação aos crimes de calúnia e difamação. O objetivo seria desestabilizar a democracia brasileira. Ele nega ter cometido os crimes e afirma ser alvo de censura.
Allan dos Santos é apoiador de Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente denunciado pela PGR (Procuradoria Geral da República) sob a acusação de comandar um plano de golpe de Estado depois de não conseguir se reeleger em 2022.
A Interpol não investiga nem prende ninguém por conta própria. Quem faz isso são as polícias nacionais dos países-membros. O Brasil pode solicitar a emissão do que é conhecido como e uma difusão vermelha (alerta vermelho ou “red notice”, em inglês). Dessa forma, a pessoa alvo dessa notificação tem seu nome divulgado globalmente para que todas as polícias nacionais saibam que se trata de alguém que está sendo procurado. Só que esse pedido de difusão vermelha precisa ser justificado.
No caso de Allan dos Santos, o Brasil requereu que o nome do jornalista fosse incluído na lista de nomes com difusão vermelha, o que não foi aceito.
É importante registrar que a Interpol, caso aceite os argumentos sobre fazer a difusão vermelha, faz apenas a divulgação a informação. Não tem como obrigar nenhum país a prender uma pessoa. Cada governo e com seu próprio sistema judiciário decide se coopera ou não.
Quando um investigado brasileiro é incluído na lista da Interpol e está nos EUA, o Departamento de Estado norte-americano pode ser envolvido e atuar diplomaticamente no caso se houver um pedido de extradição do Brasil. A decisão final, no entanto, geralmente cabe ao sistema judiciário dos EUA.
Ao determinar a prisão preventiva de Allan dos Santos, o ministro Alexandre de Moraes pediu à Interpol que incluísse o jornalista na lista vermelha da organização. A inclusão levaria a um alerta mundial para localização e prisão da pessoa citada. Os países envolvidos decidem o destino do preso. Um dos caminhos possíveis é a extradição.
A Interpol resistiu à inclusão de Santos na lista vermelha. Em novembro de 2022, juízes que atuavam com Moraes especularam sobre a atitude da organização em mensagens que acabaram vazadas e divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo.
Em uma das mensagens, Airton Vieira, juiz que trabalhava junto ao ministro no Supremo, diz que o escritório da Interpol na França deu a entender “que a questão poderia ter viés político”.
A organização pediu mais informações a Moraes relacionadas à acusação de crime de lavagem de dinheiro de Santos em ao menos 2 momentos: em dezembro de 2021 e em julho de 2022.
Moraes teria dito que “não estava em condições de fornecer mais informações”. É o que indica um e-mail da Secretaria Geral da Interpol para o gabinete do magistrado. Leia a íntegra (PDF – 89,2 kB).
Em 15 de dezembro de 2022, a Interpol informou que não havia incluído o jornalista na lista vermelha por falta de esclarecimentos quanto aos eventuais crimes que teriam sido cometidos. Leia a íntegra (PDF – 656 kB) do ofício enviado ao Brasil. O nome de Santos, porém, teria sido inserido no sistema da organização para consulta interna da polícia.
O advogado de Allan dos Santos, Renor Oliver, disse ao Poder360 que as determinações de Moraes para divulgar a inserção do jornalista no sistema foram uma forma de “constranger o alvo da investigação”.
Por isso, Renor entrou com um pedido de revisão junto à CCF (Comissão de Controle dos Arquivos) da Interpol. A defesa diz que a organização confirmou, em outubro de 2024, que Santos está fora da lista vermelha.
Uma notificação da organização esclareceu que o nome do jornalista não é objeto de “notícia ou difusão” em seus sistemas. Leia a íntegra da nota (PDF – 238 kB)
O STF também passou a tratar da extradição de Allan dos Santos com o Departamento de Estado norte-americano, equivalente ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil. Alguns dos crimes que Moraes atribui ao jornalista são parte do Tratado de Extradição em vigor entre os 2 países.
Mas, assim como no caso da Interpol, o governo norte-americano apontou “carência” de provas. O Departamento de Estado respondeu, em 17 de fevereiro de 2023, que precisaria de mais esclarecimentos para a extradição, depois de Moraes cobrar o andamento do processo. Leia a íntegra do ofício enviado ao STF (PDF – 749 kB).
O governo dos EUA disse também que daria cumprimento ao pedido de extradição apenas “em parte dos delitos” imputados ao jornalista, desde que houvesse esclarecimentos sobre as suspeitas de “organização criminosa” e “lavagem de dinheiro”.
Eis o que o departamento norte-americano pediu ao STF:
Fundador do site –hoje inativo– Terça Livre, Allan dos Santos é considerado foragido da Justiça brasileira –ainda que não tenha sido denunciado pelo Ministério Público nos casos que estão em tramitação no Supremo: o inquérito das milícias digitais e o inquérito das fake news.
O jornalista, que comandava o canal Terça Livre no YouTube, é crítico dos ministros da Corte. Quando o YouTube baniu o seu canal, Santos criou outro, e fez o mesmo com outras redes sociais que derrubaram seus perfis por determinação da Corte.
Na decisão que determinou a prisão preventiva de Allan dos Santos, Moraes afirmou que o jornalista usava seus perfis nas redes sociais para questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro. Seu intuito seria ganhar dinheiro, segundo um relatório da Polícia Federal de setembro de 2021. Leia a íntegra (PDF – 298 kB).
Nas investigações, há um relatório da PF de 26 de junho de 2022. Foi produzido a pedido do delegado Fábio Shor. O material analisa as movimentações financeiras do jornalista de 2018 a 2019 e de 2021 a 2022. O relatório ao qual o Poder360 teve acesso diz não haver indícios de desvios de dinheiro. Leia a íntegra (PDF – 717 kB).
Ao Poder360, a Polícia Federal respondeu que a corporação “não se manifesta sobre eventuais prisões”. Já o STF disse que não vai “comentar nada” sobre a ação.
Em setembro de 2021, ao ser instada por Moraes a emitir um parecer, Lindôra Araújo, então subprocuradora-geral da República, manifestou-se contra a prisão de Allan dos Santos.
Ela entendeu que os delitos atribuídos ao jornalista eram “manifestações de opinião, essencialmente por meio de redes sociais”, o que não representaria risco iminente para as investigações –condição necessária para uma prisão preventiva.
Moraes determinou a prisão mesmo assim.
Allan dos Santos continua nos EUA e, segundo a defesa, em situação de legalidade e que permitiria e ele trabalhar no país. O advogado declarou que o jornalista prefere não divulgar informações pessoais, como o tipo de visto tem no momento, por “segurança”.
O Poder360 também perguntou ao advogado do jornalista o que ele está fazendo para se sustentar nos EUA. A defesa disse apenas que Santos está “legalmente” no país.
Santos havia anunciado, em outubro de 2024, que estava trabalhando como motorista de aplicativo nos EUA. Hoje integra a publicação digital Revista Timeline, ao lado dos jornalistas Luís Ernesto Lacombe e Max Cardoso. Em 27 de janeiro de 2025, Moraes mandou derrubar os perfis do veículo nas redes sociais, sem explicar a razão.
Apesar de o jornalista ser considerado foragido pela Justiça brasileira, a defesa de Allan dos Santos questiona a falta de uma acusação do Ministério Público para que a afirmação se torne verdadeira.
Ao Poder360, o advogado Renor Oliver diz que ficou quase 3 anos e meio sem acesso aos inquéritos por causa do sigilo e, só agora, poderá apresentar uma manifestação sobre o caso.
Oliver enfatiza que Allan dos Santos está nos EUA de forma legal. Segundo ele, se estivesse em uma situação ilegal, o jornalista “já teria sido deportado” pelo presidente Donald Trump (Partido Republicano).
Allan dos Santos teve suas contas bloqueadas em redes sociais como YouTube, X, Instagram e Facebook, por ordem de Alexandre de Moraes.
As determinações foram parte de investigações sobre a disseminação de desinformação e ataques contra a democracia. Allan migrou para outras plataformas, como o Rumble, onde continuou a divulgar seus conteúdos e monetizar suas transmissões.
Moraes determinou em fevereiro de 2025 que a plataforma bloqueasse a conta de Allan dos Santos. O CEO do Rumble, Chris Pavlovski, disse em seu perfil no X (ex-Twitter) que a empresa não cumpriria o que chamou de “ordens ilegais”.
O embate recrudesceu em fevereiro de 2025, quando Moraes determinou o bloqueio do Rumble no Brasil e impôs uma multa diária de R$ 50.000 caso a empresa não cumprisse suas ordens.
A decisão pela suspensão foi reforçada depois pela 1ª Turma do STF.
Em resposta, a plataforma e a Trump Media & Technology Group, do presidente Donald Trump, entraram com uma ação nos EUA. Acusaram Moraes de censura e pediram que suas ordens contra a plataforma não tivessem validade no país. Leia a íntegra da ação, em inglês (PDF – 258 kB).
As empresas argumentaram que as decisões de Moraes violavam a 1ª Emenda da Constituição dos EUA, que garante a liberdade de expressão, além de desrespeitarem tratados internacionais entre Brasil e EUA, como o Tratado de Assistência Jurídica Mútua.
A Justiça dos EUA decidiu em 25 de fevereiro que Rumble e TMTG não precisam seguir as determinações de Moraes por entender que o caso sequer existe no país. As ordens do magistrado brasileiro não têm validade em solo norte-americano.
Depois de ter ficado 1 ano e 2 meses fora do ar no Brasil, o Rumble havia voltado a funcionar no país em 8 de fevereiro de 2025. Só que durou pouco essa atividade: em 21 de fevereiro, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão depois de considerar que a plataforma não havia cumprido decisões judiciais. Em 15 de março de 2025 o STF referendou a ordem de Moraes e determinou que o Rumble deveria ser bloqueado.
No voto que liderou a decisão de suspender o Rumble novamente, o ministro Morares falou sobre o dono da plataforma: “Chris Pavlovski confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos”. Leia a íntegra do voto (PDF – 213 kB).
O Rumble não é a única plataforma acionada por Moraes em processos envolvendo Allan dos Santos. Em 19 de março de 2025, ele mandou Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, e X fornecerem os dados das contas do jornalista.
Moraes deu 10 dias para as big techs fornecerem também todos as publicações compartilhadas pelos perfis de 1º de junho de 2024 até 1º de fevereiro de 2025, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.
A investigação apura se Allan dos Santos forjou conversas da jornalista Juliana Dal Piva com uma pessoa não identificada. Na troca de mensagens printadas e divulgadas, o perfil apontado como sendo de Dal Piva ironiza a prisão de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, diz que ele iria “apodrecer” na cadeia por uma “viagem que ele nem fez” e que salvá-lo significaria “sacrificar a PF e até mesmo Moraes”.
O caso contra Allan dos Santos levanta questionamentos sobre a competência de Alexandre de Morares para tomar decisões contra o Rumble e também se estaria excedendo sua autoridade ao impor restrições a uma empresa que opera sob as leis norte-americanas e a partir dos Estados Unidos.
O Marco Civil da Internet (lei 12.965 de 2014) estabelece que plataforma estrangeira que explore dados pessoais e comunicações no território respeite a legislação brasileira. O artigo 12 da lei autoriza a suspensão de plataformas.
O advogado e articulista do Poder360 André Marsiglia diz, contudo, que a plataforma não poderia ser suspensa por cumprir ordem de remoção do perfil de Allan dos Santos, uma vez que ele não mora mais no Brasil desde 2020. Para ele, o uso do Marco Civil no caso está equivocado.
“O Brasil não tem direito de fazer uma lei que incida sobre residentes de outro país ou exigir esses dados sem que seja por intermédio de autoridades estrangeiras. E as solicitações de Moraes que não foram acatadas eram a respeito dos dados de pessoas residentes nos Estados Unidos, e não em território nacional como exige a lei”, afirma Marsiglia.
No caso do episódio que envolve Allan dos Santos e a jornalista Juliana Dal Piva, nenhum dos 2 tem prerrogativa de foro para que o STF cuide desse processo. Só que Moraes é o relator de vários inquéritos que acabam incluindo qualquer pessoa, independentemente de serem autoridades públicas ou não. Entre outros, há o inquérito das fake news (4.781 – 14.mar.2019), o inquérito das milícias digitais (4.874 – 2.jul.2021), e os inquéritos do que o STF considera atos antidemocráticos (nº 4.879, de 16.ago.2021, e 4.921 – 12.jan.2023).