• Domingo, 29 de junho de 2025

Interesse em personalização de notícias com IA é moderado

Reuters Institute identifica que resumos e traduções lideram preferências entre as opções de personalização.

Por Amy Ross Arguedas*

Muitas redações já usam inteligência artificial generativa para tarefas internas e de eficiência. Agora, estão voltando sua atenção para o uso da IA na entrega de notícias mais relevantes e acessíveis para o público –em um momento de queda no interesse e aumento na evasão de notícias em diversos países.

Esse não é um fenômeno novo. Muitos veículos já personalizam recomendações de notícias há anos. Embora a IA possa ajudar a aprimorar essas ferramentas de seleção, a mudança mais significativa trazida pela IA generativa é a possibilidade de personalizar os formatos das notícias.

Algumas redações já integraram ferramentas de IA aos seus sites para permitir que o público resuma automaticamente textos jornalísticos (como o Aftonbladet, na Suécia) ou transforme o texto em áudio (como o Miami Herald, nos EUA).

O jornal argentino Clarín utiliza uma ferramenta chamada UalterAI para oferecer análises adicionais, incluindo trechos-chave, dados relevantes e glossário de termos técnicos. Além da personalização da seleção e dos formatos, jornais como o Washington Post estão testando ferramentas que respondem a perguntas complexas com base em seus próprios arquivos.

Esses e outros experimentos devem continuar. Segundo pesquisa recente do Instituto Reuters com líderes de redação, publicada no relatório anual de tendências da mídia, 4 em cada 5 entrevistados planejam usar IA para melhorar recomendações no próximo ano. A maioria afirmou que explorará ativamente o uso da IA em produtos voltados ao público, como conversão de texto em áudio (75%), resumos (70%), tradução para outros idiomas (65%) e uso de chatbots (56%).

No entanto, o sucesso dessas ferramentas dependerá principalmente do interesse do público em utilizá-las –algo que foi abordado no Digital News Report 2025, publicado no início deste mês.

A pesquisa perguntou a entrevistados de 48 países sobre o interesse em 8 tipos diferentes de personalização com IA. Os resultados agregados mostram que o interesse por cada opção isoladamente é relativamente baixo (menos de 30%), mas mais da metade dos entrevistados em muitos países demonstrou interesse em pelo menos uma delas.

O maior interesse foi por opções que tornam o consumo de notícias mais eficiente ou relevante: resumos (27%) e traduções (24%) lideraram a lista, seguidos por páginas iniciais personalizadas, recomendações de matérias e alertas de notícias (21% cada). O menor interesse foi pelas opções de conversão de formato, como texto em áudio –apesar de esta estar no topo das prioridades das lideranças do setor para 2025.

As redações precisam considerar diversos fatores ao escolher o que priorizar, e recursos como o de texto para áudio podem ser vistos como mais baratos e menos arriscados de implementar. Ainda assim, vale notar que 19% dos entrevistados disseram não ter interesse em nenhuma das opções e 15% afirmaram não saber.

Ao observarmos os dados por país, surgem diferenças interessantes. Primeiramente, vimos que o interesse pela personalização com IA tende a ser menor onde há maior desconforto com o uso de notícias produzidas majoritariamente por IA. Uma forma de ilustrar isso é comparar a porcentagem de pessoas desinteressadas na personalização com IA com a porcentagem das que se sentem desconfortáveis com notícias produzidas por IA. A forte correlação entre os 2 grupos sugere que o interesse pode ser influenciado por percepções mais amplas sobre o uso da tecnologia no jornalismo.

Por exemplo, no Reino Unido –país com o maior percentual de entrevistados desconfortáveis com notícias feitas por IA (64%)–, 41% disseram não ter interesse em nenhuma das opções de personalização com IA, mais que o dobro da média global. O oposto acontece em países como Índia e Tailândia, onde há menos desconforto com IA e maior interesse por ao menos uma das opções.

Há também diferenças entre países quanto à popularidade relativa de cada recurso, refletindo necessidades e preferências locais. Enquanto resumos lideram em geral, traduções aparecem com mais destaque em países europeus com línguas menos difundidas e populações menores, como Finlândia e Hungria. Nos EUA, traduções ficaram abaixo da média global.

Já a opção de adaptar a linguagem das notícias para diferentes níveis de leitura foi mais popular em países com menores índices de alfabetização. Nas Filipinas, no Quênia e na Nigéria, esteve entre as 3 mais escolhidas; na Índia, foi a mais popular, com mais de 1/3 dos entrevistados selecionando essa opção. Em contraste, ficou entre as menos escolhidas no Japão e nos EUA. Essas diferenças destacam necessidades locais que podem ser mais urgentes em determinados contextos.

Independentemente do país, também encontramos variação entre faixas etárias. Globalmente, 66% dos entrevistados indicaram interesse por ao menos uma opção de personalização com IA; entre os menores de 35 anos, esse número subiu para 76%. As diferenças etárias foram mais evidentes no uso de IA para personalização de formatos e em chatbots, o que pode ser explicado, ao menos em parte, pela maior familiaridade e conforto com a tecnologia entre os mais jovens. Isso sugere que organizações jornalísticas talvez devam direcionar esse tipo de iniciativa a públicos mais jovens.

A personalização com IA pode ajudar a engajar pessoas menos interessadas em notícias? Os dados indicam que o interesse, em geral, é menor entre os que demonstram menos interesse por notícias ou que evitam consumi-las com frequência. Ainda assim, certas formas de personalização podem atrair subgrupos específicos desses evitadores –como aqueles que acham difícil compreender as notícias. Esses entrevistados foram quase duas vezes mais propensos a escolher a opção de adaptar a linguagem para diferentes níveis de leitura (32%, contra 17% na média geral).

No geral, os dados indicam que a adoção da personalização com IA tende a ser desigual. As organizações de notícias podem ter melhores resultados ao direcionar ferramentas e produtos específicos para públicos jovens, mais receptivos a esse tipo de inovação. Da mesma forma, os avanços podem ocorrer com mais rapidez em países onde veículos e público são menos conservadores quanto ao uso da IA, como Índia e Tailândia, em comparação a mercados como Reino Unido e Alemanha, onde há maior ceticismo.

É provável que vejamos diferenças nos tipos de personalização que mais ressoam com os públicos, dependendo de necessidades e preferências locais. Contudo, dado o baixo interesse por qualquer opção isolada, as redações podem obter melhores resultados oferecendo um leque de opções de personalização para que o usuário escolha.

Assim como o interesse declarado em uma ferramenta nem sempre se traduz em uso real, a falta de interesse também não significa que as pessoas não experimentarão o recurso. É possível ainda que o desinteresse por algumas opções se deva à falta de entendimento sobre como elas funcionariam na prática.

No entanto, a diferença entre a principal iniciativa com IA planejada por líderes de redação e as preferências reais do público indica que os veículos precisam estar atentos ao que realmente agrega valor ou resolve problemas para sua audiência.

*Amy Ross Arguedas é pesquisadora de mídia e pesquisadora de pós-doutorado no Reuters Institute for the Study of Journalism.

Texto traduzido por Vinícius Filgueira. Leia o original em inglês.

O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos do Nieman Journalism Lab e do Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.

Por: Poder360

Artigos Relacionados: