O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Herman Benjamin, 68 anos, afirmou ao Poder360 que a investigação da Polícia Federal sobre o esquema de venda de decisões judiciais na Corte pode ter relação com o crime organizado.
Na avaliação do magistrado, o “nomadismo”, que é a forma que ele chama a constante mudança de funcionários entre gabinetes, pode estar associado ao crime organizado.
“É exatamente esse nomadismo que se associa ao crime organizado. Ah, o processo importante caiu no gabinete da ministra ou do ministro X ou Y. Então, você vai sair e vai para este outro gabinete. Não estou dizendo que isso foi constatado, mas é uma possibilidade”, disse.
Ele afirma que o “nomadismo” era visto como natural: “O servidor chegava e dizia para o ministro: ‘Olha, eu recebi uma proposta melhor de um outro gabinete’. Ou ‘estou insatisfeito aqui e vou para o outro gabinete’. Até este episódio, não víamos problema nenhum”.
“Hoje temos que repensar como cuidar desse nomadismo. No meu gabinete, por exemplo, nunca teve. Estou aqui há 20 anos. A maior parte dos integrantes do meu gabinete está comigo pelo menos há 10”, declarou o presidente do STJ.
Herman Benjamin diz que a investigação foi um “choque de realidade” para o Tribunal: “Até este episódio, vivíamos num sentimento de Shangri-lá. De que éramos diferentes dos outros. De todas as instituições brasileiras e estrangeiras”.
Shangri-lá é uma referência a um lugar fictício descrito em “Horizonte Perdido”, do escritor James Hilton (1900-1954). No livro, os sobreviventes de um desastre aéreo caem em uma vila na região das montanhas do Tibete onde encontram paz e um ambiente utópico.
O magistrado afirma reconhecer a gravidade da investigação, mas que “seria utópico imaginar que o Superior Tribunal de Justiça, com mais de 5.000 servidores, não tivesse uns poucos incapazes de se comportar de acordo com os padrões éticos que são exigidos”.
“Agora, nós ministros queremos todos que esses fatos sejam apurados em profundidade. Punidos exemplarmente. E que o exemplo sirva não só para nós, mas para toda a Justiça brasileira, já que nós somos uma corte nacional”, declarou.
Um assessor do STJ foi demitido em setembro.
A operação foi deflagrada em novembro de 2024. As apurações da PF indicam a existência de uma organização criminosa que atuava na antecipação de decisões judiciais do STJ.
De acordo com relatório parcial da apuração, ao qual o Poder360 teve acesso, a organização contava com uma rede de assessores de gabinetes dos ministros que antecipavam decisões mediante propina.
Segundo o documento, os ministros da Corte não integravam o esquema.
A PF afirma que o grupo atuava em um mercado paralelo de influência, “no qual contratos milionários de advocacia ou de consultoria eram firmados com o propósito de assegurar decisões previamente combinadas”.
Segundo a investigação, advogados recorriam a intermediários com acesso aos gabinetes de ministros do STJ e pagavam valores milionários pela “promessa de influência nas decisões judiciais”.
“Servidores e assessores internos exerciam papel estratégico, introduzindo alterações em minutas e promovendo ajustes em despachos e decisões, criando condições objetivas para a manipulação de resultados”, diz a corporação.
No final de outubro, a PGR (Procuradoria Geral da República) pediu ao relator da investigação no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Cristiano Zanin, um novo prazo para concluir as apurações. O parecer diz que a PF deve esclarecer pontos que ainda não foram concluídos pelas investigações.
Zanin confirmou em 14 de novembro que a PF apura a “potencial participação de autoridade com prerrogativa de foro”. Não há detalhes sobre quem poderia ser essa pessoa.
Leia outros destaques da entrevista de Herman Benjamin ao Poder360 na 5ª feira (4.dez.2025):
Herman Benjamin tomou posse como presidente do STJ em 22 de agosto de 2024. É natural de Catolé do Rocha (PB). Foi indicado ao Tribunal por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2006. Antes de ser ministro, foi do Ministério Público de São Paulo por 24 anos.
O gabinete de Benjamin é decorado com várias imagens do Sebastião Salgado (1944-2025). Em entrevista publicada no site do STJ em agosto de 2024, o fotógrafo elogiou o magistrado: “Herman é uma pessoa de qualidades humanas e éticas fora do comum. As maiores preocupações dele, sem dúvida, são as ambientais, humanas e sociais”.
A foto de Salgado que Benjamin mais gosta está emoldurada no gabinete. Mostra o rio Jaú, a floresta ao fundo e o reflexo na água. “Pode ser virada ao contrário e continua igual. Acho que mostra a dualidade da vida“, explicou.
Benjamin tem o hábito de tomar chá. Faz questão de oferecer aos convidados. Declarou que só toma “chá de ervas”. Às terças e quintas é servido no STJ um chá de abacaxi, gengibre e açúcar. Caiu no gosto de ministros e assessores, mas essa tradição não veio de Benjamin. Surgiu na presidência de Humberto Martins, de 2020 a 2022.
Ele integra a Corte Especial, formada pelos 15 ministros mais antigos do STJ. O magistrado também fez parte do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ganhou destaque em 2017 ao relatar e votar pelo pedido de cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer. Foi voto vencido.
O magistrado é formado em direito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). É doutor pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Ao longo de sua carreira, especializou-se em direito ambiental e direito do consumidor.
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