• Domingo, 26 de outubro de 2025

Decisão do STF derruba ações da Netflix e expõe risco tributário

Julgamento ampliou cobrança sobre remessas ao exterior por meio da Cide e afetou o balanço da plataforma de streaming.

Quando a Netflix divulgou seu balanço do 3º trimestre de 2025, os números pareciam sólidos: receita de US$ 8,7 bilhões, alta de 17% em relação ao ano anterior, e lucro líquido de US$ 2,5 bilhões, um avanço de 7,7%. Mas um item contábil em especial chamou atenção –e derrubou as ações da empresa em até 10% no dia seguinte.

A gigante do streaming registrou uma provisão de US$ 619 milhões relacionada a uma disputa tributária no Brasil. O valor, suficiente para reduzir sua margem operacional de 31,5% para 28%, refletia o impacto direto de uma decisão recente do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a chamada Cide-Tecnologia (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), com uma alíquota de 10% sobre remessas de recursos ao exterior.

“Não é um imposto de renda. É um custo de fazer negócios no Brasil”, declarou o CFO da Netflix, Spencer Neumann, aos acionistas: “A decisão do Supremo ampliou o conjunto de transações sujeitas à Cide, inclusive serviços que não envolvem transferência de tecnologia. Outras empresas também serão afetadas.”

Segundo Neumann, 20% da despesa se refere a 2025, e o restante cobre períodos de 2022 a 2024. O pagamento foi classificado como custo da receita, reduzindo a rentabilidade global do grupo. “Sem essa despesa, teríamos superado nossa projeção de margem operacional”, afirmou.

A decisão do STF, tomada em 13 de agosto de 2025 por 6 votos a 5, ampliou o alcance da Cide –criada pelas leis nº 10.168 de 2000 e nº 10.332 de 2001– para financiar programas de inovação tecnológica.

Até então, a cobrança incidia apenas sobre contratos de transferência de tecnologia, como licenciamento de patentes ou softwares. Com a nova interpretação, o Supremo validou a aplicação do tributo também sobre serviços técnicos, administrativos, direitos autorais e royalties pagos a empresas estrangeiras.

A Fazenda estimava que a leitura restrita da lei reduziria a arrecadação em R$ 4 bilhões por ano. A vitória da União, portanto, teve peso fiscal. Mas, como mostraria o caso da Netflix, também teve consequências corporativas globais.

A divergência foi aberta pelo ministro Flávio Dino, redator do acórdão. Ele defendeu a validade do parágrafo 2º do artigo 2º da Lei nº 10.168, incluído pela Lei nº 10.332/2001. Leia a íntegra do acórdão (PDF – 5 MB).

Dino argumentou que a ampliação da Cide é compatível com o artigo 149 da Constituição, que permite contribuições destinadas à intervenção no domínio econômico, e que o tributo serve para financiar o desenvolvimento tecnológico brasileiro.

“É preciso julgar com responsabilidade fiscal e previsibilidade”, afirmou Dino. “A norma posterior ampliou o escopo da contribuição, e cabe ao Judiciário respeitar essa opção legislativa.” Leia íntegra do voto (PDF – 202 kB).

Presidente da Corte à época do julgamento, Luís Roberto Barroso acompanhou a divergência. Concluiu que “a norma posterior prevalece sobre a anterior naquilo em que é incompatível”, validando a ampliação. Leia a íntegra do voto (PDF – 124 kB).

Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin também aderiram à tese:

Zanin, por sua vez, defendeu que “a arrecadação deve ser aplicada em programas de inovação, o que confere finalidade pública à contribuição”. Leia a íntegra do voto (PDF – 290 kB).

Ficaram vencidos Luiz Fux, relator do RE (Recurso Extraordinário) nº 928.943, Cármen Lúcia, André Mendonça, Nunes Marques e Dias Toffoli.

Para a Netflix, o impacto foi contábil; para o Brasil, mais um desgaste. A decisão mostrou como mudanças na interpretação tributária podem alterar, de forma repentina, o ambiente de negócios no país.

O co-CEO (equivalente a um diretor-presidente ou vice-presidente) da Netflix, Gregory Peters, resumiu a situação: “Tivemos um bom trimestre. Nossa receita ficou em linha com as expectativas. Nossa renda operacional teria superado a projeção não fosse a questão tributária no Brasil.”

A reação do mercado foi imediata. Analistas classificaram o caso como um exemplo emblemático da insegurança jurídica brasileira –um fator que, segundo investidores, pesa mais do que a carga tributária em si ao decidir onde aplicar recursos.

Criada no início dos anos 2000, a Cide nasceu com a promessa de incentivar a inovação. Mas sua trajetória se confunde com políticas industriais de proteção, como a reserva de mercado da informática, em vigor durante a ditadura militar e mantida até o governo Sarney.

Essas iniciativas buscavam criar uma indústria nacional de tecnologia isolando o mercado interno da concorrência estrangeira. O resultado, porém, foi o oposto: encarecimento de produtos, atraso tecnológico e dependência externa.

A ampliação da Cide sobre remessas repete parte dessa lógica, elevando custos de operação sem assegurar, até agora, que os recursos arrecadados resultem em mais inovação.

Com a decisão do STF, qualquer empresa que realize pagamentos ao exterior –de plataformas de streaming a companhias aéreas, bancos ou indústrias– pode ser afetada pela alíquota de 10%.

A Netflix foi apenas a primeira a traduzir o impacto em números: US$ 619 milhões em uma única linha do balanço. O episódio levou o tema para o radar de investidores internacionais e reabriu uma discussão antiga: quanto custa a imprevisibilidade do sistema tributário brasileiro.

Por: Poder360

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