A rede social X, antigo Twitter, encaminhou um documento ao escritório do USTR (representante de comércio dos Estados Unidos) expressando preocupações sobre a proteção da liberdade de expressão e aplicação da lei no Brasil. A manifestação foi divulgada na 3ª feira (19.ago.2025) na própria plataforma e integra a investigação comercial contra o Brasil ordenada pelo presidente Donald Trump.
O documento enviado pela empresa de Elon Musk alega que decisões judiciais brasileiras prejudicam provedores de serviços digitais norte-americanos. A plataforma diz que tribunais do Brasil ignoram o Tratado de Assistência Jurídica Mútua entre os 2 países. Leia a íntegra do documento em inglês (PDF – 180 kB).
Os Tratados de Assistência Legal Mútua são instrumentos internacionais firmados entre países com o objetivo de assegurar cooperação jurídica em investigações e processos criminais que ultrapassam fronteiras. Esses acordos permitem ações conjuntas em casos de tráfico de drogas, corrupção, crimes cibernéticos e outras práticas ilícitas de caráter transnacional. Por meio deles, os Estados podem compartilhar informações, obter e fornecer provas, identificar e localizar suspeitos, além de adotar medidas como o bloqueio de bens e valores. Tudo isso é realizado em conformidade com as leis de cada país e com respeito à soberania nacional.
Trump abriu a investigação utilizando a seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que permite ao governo dos EUA retaliar países estrangeiros cujas práticas sejam consideradas injustificadas e prejudiciais ao comércio norte-americano.
O X afirma que os tribunais brasileiros estão “contornando o MLAT (Tratado de Assistência Jurídica Mútua) entre EUA e Brasil, forçando subsidiárias locais a entregar dados e comunicações—mesmo de usuários americanos— sem usar canais diplomáticos e mesmo quando isso contraria a legislação americana”.
A rede social indica que o STF (Supremo Tribunal Federal) brasileiro adotou essa prática em 2023, “ignorando normas internacionais e criando conflitos com as leis dos Estados Unidos.”
Na manifestação publicada na própria plataforma, a empresa detalhou os pontos apresentados ao USTR sobre o que considera violações por parte do Brasil.
O X menciona que o STF considerou, em 26 de junho, o artigo 19 do Marco Civil da Internet parcialmente inconstitucional ao ampliar a responsabilização civil das redes sociais pelo conteúdo publicado por usuários. Para a empresa, este dispositivo protegia as redes sociais de responsabilização por conteúdos de usuários, exceto quando descumprissem ordens judiciais de remoção.
A plataforma avalia que essa decisão do STF enfraquece o Marco Civil e representa uma ameaça ao comércio digital norte-americano. “Isso aumenta os custos de conformidade, incentiva a censura excessiva e coloca em risco a liberdade de expressão, inclusive para usuários dos EUA. Solicitamos ao USTR que examine essas barreiras comerciais”, afirma a empresa.
A rede social também cita que o ministro Alexandre de Moraes, tanto no STF quanto no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), determinou a remoção de usuários da plataforma. O X relata que seus recursos contra essas decisões foram negados.
A empresa diz que o não cumprimento das ordens de Moraes resultou em “proibições em todo o país, congelamento de contas e o confisco de US$ 2 milhões da Starlink da SpaceX, apesar de não haver base legal ou conexão”.
O procedimento de investigação comercial dos EUA estabelece que o Brasil, como país alvo, seja ouvido e apresente seus argumentos. O processo de apuração tem duração estimada de 12 meses desde seu início.
Leia abaixo o que diz o documento, traduzido em português:
“O X apresentou comentários à investigação do USTR (Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos) sobre ações, políticas e práticas do Brasil que podem impor encargos injustos ao comércio dos EUA e, em particular, às plataformas de mídia social norte-americanas. Os comentários do X destacam sérias preocupações quanto à necessidade de proteção da liberdade de expressão e de uma aplicação justa da lei no Brasil, impactando provedores de serviços digitais dos EUA e justificando análise no âmbito da Seção 301.
“O X opera no Brasil desde 2012, onde mantém uma de suas maiores bases de usuários. Mas decisões judiciais recentes estão enfraquecendo o Marco Civil da Internet (MCI), de 2014, que garantia a liberdade de expressão, a privacidade e a responsabilidade dos intermediários. Nos comentários enviados ao USTR, o X afirmou que essas novas decisões judiciais, que anulam aspectos centrais do MCI, ameaçam tanto a liberdade de expressão quanto o comércio digital dos EUA.
“O X argumentou ao USTR que os tribunais brasileiros estão contornando o MLAT (Tratado de Assistência Jurídica Mútua) entre EUA e Brasil, obrigando subsidiárias locais a entregar dados e comunicações — até mesmo de usuários norte-americanos — sem recorrer a canais diplomáticos e mesmo quando isso contraria a legislação dos EUA. Em 2023, o Supremo Tribunal Federal do Brasil confirmou essa prática, ignorando normas internacionais e criando conflitos com as leis norte-americanas.
“Em junho de 2025, o STF decidiu que o artigo 19 do MCI, a lei de governança da internet no Brasil, é parcialmente inconstitucional, permitindo que as plataformas de mídia social sejam responsabilizadas pelo conteúdo dos usuários sem revisão judicial. Isso eleva os custos de conformidade, incentiva a censura excessiva e põe em risco a liberdade de expressão, inclusive de usuários dos EUA. O X instou o USTR a examinar essas barreiras comerciais.
“O Superior Tribunal de Justiça do Brasil tem reivindicado jurisdição global, ordenando que plataformas como o X removam conteúdo em todo o mundo, mesmo que seja lícito em outros países — como os Estados Unidos. O tribunal classificou isso como uma “consequência natural” da internet, desconsiderando o direito internacional. O X alerta, em seus comentários ao USTR, que isso estabelece um precedente perigoso.
“Desde 2020, o STF e o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil — ambos sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes — têm emitido ordens sigilosas determinando a remoção de usuários do X, incluindo políticos, jornalistas e até mesmo alguns cidadãos norte-americanos. Muitas vezes, essas ordens resultaram em suspensões integrais de contas, sem aviso prévio ou possibilidade de recurso. Os recursos apresentados pelo X foram rejeitados, e o não cumprimento das ordens resultou em bloqueio nacional da plataforma, congelamento de contas e apreensão de US$ 2 milhões da Starlink, da SpaceX, apesar de não haver base legal ou relação com os casos.
“O efeito cumulativo tem sido um marcado agravamento do ambiente regulatório e judicial para serviços digitais no Brasil, enfraquecendo o Estado de Direito e a estabilidade necessária para o comércio e o investimento transfronteiriços no setor de tecnologia.”