“Somos todos terroristas aos olhos de Israel”, diz jornalista de Gaza
Jornalista palestino denuncia "impunidade total" do Exército de Israel e faz apelo em prol dos profissionais que estão na região
Fundador do Gaza Press, o jornalista palestino Rami Abou Jamous não esconde sua revolta diante do ataque no último domingo (10/8) que . Em entrevista à RFI, ele denuncia a “impunidade total” do Exército israelense e faz um apelo em prol da e continuam realizando a cobertura jornalística da guerra naquela região.
A Faixa de Gaza chora a morte de seus civis, a crise da fome no enclave, mas também a eliminação dos raros jornalistas que transmitem para o mundo os horrores de um conflito que já dura 22 meses. No domingo, o Exército israelense mirou deliberadamente em uma tenda onde trabalhava um grupo de profissionais, entre eles Anas al Sharif (foto em destaque), célebre correspondente da emissora Al Jazeera.
Leia também
Israel confirmou que o repórter foi o principal alvo do ataque, alegando que Al Sharif era um “terrorista” que “se fazia passar por jornalista”. A tragédia provocou uma imensa indignação, levando a ONU e a União Europeia a contestar as acusações. Para a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o correspondente da Al Jazeera era “a voz do sofrimento imposto por Israel aos palestinos de Gaza”.
No entanto, para Rami Abou Jamous, essas denúncias, ainda que sejam positivas, têm pouco efeito na prática. “É preciso parar a guerra, proteger os civis e a imprensa em Gaza. Mais de 200 jornalistas foram mortos durante esta guerra e, infelizmente, reina uma impunidade total”, diz.
Todos terroristas aos olhos de Israel
Segundo a RSF, ao menos 45 profissionais da imprensa exerciam suas funções no momento em que foram mortos na Faixa de Gaza — uma situação que não surpreende Jamous. “Somos todos terroristas aos olhos dos israelenses e, principalmente, do exército de ocupação”, diz.
Fundador do serviço Gaza Press, que fornece suporte e traduções a jornalistas ocidentais, Jamous se emociona ao falar dos colegas mortos e contesta a suposta ligação de Al Sharif com o grupo Hamas. “Anas al Sharif estava 24 horas por dia na frente das câmeras da Al Jazeera, fazendo lives, reportagens. Como ele teria tempo para lançar foguetes ou qualquer outra coisa? Por que não o atacaram enquanto ele supostamente lançava foguetes?”, contesta.
Questionado sobre fotos que o governo israelense divulgou de Anas al Sharif com membros do grupo Hamas, Jamous rebate: “Tenho fotos de muitos jornalistas franceses que fizeram selfies com as mesmas pessoas que estavam com Anas al-Sharif”. “Mas nunca o vimos com uma kalashnikov, nem com qualquer arma de fogo, nem com um foguete nas costas”, defende.
Jamous também denuncia uma “inversão de papéis”. “Há jornalistas que fazem selfies com [Benjamin] Netanyahu, e ele é um criminoso de guerra. Existe um mandado de prisão contra ele no Tribunal Penal Internacional”, ressalta.
Jornalistas no alvo
O fundador do Gaza Press ainda alerta para os riscos dos profissionais da imprensa que seguem cobrindo a guerra no enclave. Para ele, todos os jornalistas estão no alvo das operações israelenses. “Esse exército de ocupação quer cometer seus crimes sem testemunhas. E a prova disso: não quer que jornalistas estrangeiros entrem em Gaza. Quanto aos jornalistas que já estão em Gaza, querem enterrá-los — porque com o enterro deles, enterra-se também a verdade, a realidade, a imagem, a voz, a escrita”.
De fato, com o bloqueio israelense do enclave, meios de comunicação de todo o mundo dependem da cobertura do conflito realizada por jornalistas palestinos. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou há alguns dias sua intenção de permitir que repórteres estrangeiros trabalhem dentro de Gaza acompanhados por militares, mas sem definir datas.
Ciente dos riscos que ele e seus colegas correm, Jamous ressalta a importância de continuar a cobertura em Gaza. “Sabemos muito bem que somos um alvo, que podemos perder a vida. Sabemos muito bem que cada um de nós pode ser morto, mais cedo ou mais tarde, e não sabemos de que forma: bombardeado, carbonizado ou enterrado vivo. Mas é preciso continuar trabalhando, para que o mundo saiba o que vivemos na Palestina, e principalmente em Gaza”.
Leia mais em , parceiro do Metrópoles.
Por: Metrópoles