
Quem realmente financia a produção rural no Brasil?
O grande mito do investimento governamental no agro: quem realmente financia a produção rural no Brasil?
O grande mito do investimento governamental no agro: quem realmente financia a produção rural no Brasil? Por Jean Gonçalves e Kamila Souza* – O desenvolvimento econômico e a estabilidade financeira de um país estão diretamente ligados à qualidade e à eficiência dos investimentos que ele recebe. Estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que, além do aporte financeiro direto na Agricultura, uma política bem estruturada é essencial para potencializar esse suporte.
Nesse contexto, o Apoio à Agricultura ( Support for Agriculture – SA) desempenha um papel fundamental na manutenção do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em níveis competitivos. A estimativa de Suporte ao Produtor ( Producer Support Estimate – PSE) é uma métrica relevante para avaliar os subsídios agrícolas concedidos por diferentes nações. No caso do Brasil, a análise dos investimentos governamentais deixa claro o impacto da agricultura na balança comercial do país, mas também evidencia a fragilidade do apoio estatal ao setor.
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O agronegócio brasileiro é a locomotiva da economia nacional, garantindo não apenas o abastecimento interno, mas sustentando uma balança comercial superavitária. No entanto, enquanto se propaga a narrativa de que o setor é amplamente subsidiado pelo governo, a realidade é bem diferente: quem verdadeiramente financia a produção agrícola no Brasil são os próprios produtores e o crédito privado.
Os dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelam um panorama alarmante: o Brasil ocupa a última posição entre 20 países analisados no que se refere a subsídios governamentais para a agricultura. Enquanto países como Islândia (58%), Noruega (49%), Coreia do Sul (48%) e Japão (37%) destinam parcelas significativas de investimento ao setor agrícola, o Brasil direciona apenas 3% aos seus produtores rurais. Isso escancara a falta de apoio governamental e desmistifica a ideia de que o agro é sustentado pelo Estado.
![Comparativo de investimetos no ano de 2021 – Dados fornecidos pela OCDE. OECD (2023), Agricultural support (indicator). doi: 10.1787/6ea85c58-en]()
Comparativo de investimetos no ano de 2021 – Dados fornecidos pela OCDE. OECD (2023), Agricultural support (indicator). doi: 10.1787/6ea85c58-en Segundo dados da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (ANDAV), 40% do financiamento do agro no Brasil provém de fornecedores de insumos, enquanto meros 7% são oriundos de bancos públicos. Para suprir essa lacuna, os produtores recorrem a instrumentos de mercado como a Cédula de Produtor Rural (CPR), as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), os Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e os Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagros), que sustentam o financiamento privado do setor.
Para compreender a magnitude desse cenário, basta observar os números. Uma única safra no Brasil custa, em média, R$ 1 trilhão. No entanto, o Plano Safra cobre apenas 25% desse montante, deixando o restante nas mãos dos próprios agricultores e de fontes privadas. O mercado de crédito rural movimenta cerca de R$ 700 bilhões por ano, sendo que apenas um terço desse valor vem de bancos públicos e privados. O restante é financiado diretamente por produtores capitalizados e pela indústria de insumos.
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Além disso, como o agronegócio brasileiro se sustenta majoritariamente por meio do crédito privado, os produtores acabam se submetendo a taxas de juros elevadíssimas, que variam de 25% a 35% ao ano. Esse cenário de financiamento oneroso prejudica a competitividade do setor e impõe desafios adicionais para quem busca manter a produção ativa.
Outro problema recorrente são as práticas abusivas, como a venda casada, em que produtores são forçados a adquirir produtos ou serviços adicionais como condição para a liberação do crédito. Essa distorção do mercado não só compromete a saúde financeira do produtor, como também amplia as dificuldades de acesso ao financiamento adequado.
Se já não bastasse essa disparidade e o baixíssimo nível percentual de suporte efetivo do governo à produção rural, a política agrícola mais importante da atualidade, que trata do subsídio e equalização da taxa de juros dos recursos obrigatórios destinados às operações de crédito rural ( Plano Safra), tem sido enfraquecida nos últimos anos.
As instituições responsáveis têm aniquilado os efeitos práticos dessas medidas, tornando ainda mais difícil o acesso ao crédito por parte dos produtores. No final do ano passado, apenas R$ 173,5 bilhões foram liberados do plano safra (de R$508,59 bilhões disponíveis) o que representou apenas 36,4% do total programado para o ciclo – uma redução de 25% em relação ao mesmo período da safra anterior. Além disso, o número de operações caiu 16,8%, e o valor médio por contrato sofreu uma queda de 9,8%. ![Departamento Econômico da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), com base em dados da Matriz de Dados do Crédito Rural do Banco Central do Brasil]()
Departamento Econômico da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), com base em dados da Matriz de Dados do Crédito Rural do Banco Central do Brasil O acesso ao crédito rural continua sendo um dos principais desafios do setor. Uma pesquisa realizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) revelou que mais de 38% dos produtores rurais nunca contrataram crédito rural. Em 2020, apenas 26,6% conseguiram obter financiamento. Os principais entraves identificados na pesquisa foram:
Excesso de burocracia;
Garantias exigidas acima da capacidade dos produtores;
Demora excessiva na liberação do crédito;
Avaliação rigorosa da capacidade de endividamento.
Diante desses dados, não há mais espaço para a falsa narrativa de que o Brasil investe fortemente na sua agricultura. O país destina poucos recursos ao setor, e o pouco que oferece ainda vem acompanhado de obstáculos burocráticos e práticas abusivas que dificultam o acesso ao financiamento. O produtor rural, que deveria ser incentivado, é sufocado por juros exorbitantes, exigências descabidas e a constante imposição da venda casada.
A falta de investimentos estruturados e a onerosidade excessiva dos financiamentos comprometem não apenas a sustentabilidade da produção agrícola, mas também a estabilidade da economia nacional, visto que o agronegócio representa uma parcela significativa do PIB e da balança comercial brasileira. Se o Brasil quer se manter competitivo no cenário global, é urgente uma reformulação das políticas de financiamento agrícola.
A verdade é que o agro brasileiro se sustenta, na maior parte, por conta própria. O produtor rural é resiliente, mas até quando conseguirá carregar sozinho um setor que responde por quase 25% do PIB nacional? Se o governo quer se beneficiar dos frutos desse setor, está na hora de rever suas políticas de financiamento e oferecer um suporte digno aos verdadeiros protagonistas do campo. Autores: Jean Gonçalves e Kamila Souza, do escritório João Domingos Advogados. Referências com os autores.
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Por: Redação