O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viaja a Tegucigalpa, capital do país centro-americano, nesta terça-feira (8), mesmo dia em que os chanceleres dos países-membros se reunirão para alinhar detalhes do encontro entre chefes de Estado.
A expectativa, no entanto, é que esta seja mais uma cúpula esvaziada, repetindo o padrão dos últimos anos. Líderes de apenas 11 dos 33 países que integram a comunidade confirmaram presença, segundo a agência de notícias EFE. Mas o grupo inclui nomes de peso, caso dos presidentes da Bolívia, Luis Arce; do México, Claudia Sheinbaum; e da Colômbia, Gustavo Petro, que vai receber a presidência da Celac da anfitriã, Xiomara Castro, durante o evento.
O encontro ocorrerá em um momento de menos turbulência na América Latina, ao menos internamente. A cúpula de 2024 aconteceu em março, apenas alguns meses antes das conturbadas eleições na Venezuela, em julho, e a semanas da invasão da embaixada do México no Equador, no início de abril.
Entram em cena, porém, novos desafios impostos pela política externa de Trump, que tem atacado países adversários e mesmo aliados desde seu retorno à Casa Branca, em janeiro.
Na América Latina, a imprevisível atitude expansionista de Trump, observada em relação à Groenlândia e à Faixa de Gaza, manifestou-se em ameaças de tomar o canal do Panamá. Já a imposição de tarifas comerciais foi menos dramática. Com exceção de Venezuela e Nicarágua, taxados em 15% e 18%, respectivamente, e México, que foi poupada da última rodada, toda a região recebeu a tarifa mínima estabelecida pelos EUA, de 10%.
A conjuntura hostil, contudo, pode ser uma oportunidade para os países-membros retomarem o objetivo central da Celac, fundada em 2011, no final do segundo mandato de Lula: integrar a região.
Na visão do governo brasileiro, a reunião será importante para que os países possam, juntos, fazer uma avaliação sobre essa nova presença dos EUA na América Latina. O Planalto fala em uma política externa americana ditada na Flórida, que tem predominado nas últimas medidas anunciadas pelo governo.
Tanto o secretário de Estado americano, Marco Rubio (senador pela Flórida), quanto o enviado especial para América Latina, Mauricio Claver-Carone (cubano-americano que liderou organização anti-Castro), e o assessor de Segurança Nacional, Mike Waltz (deputado pela Flórida) têm raízes no estado, onde predomina uma visão linha-dura em relação a Venezuela, Cuba e à esquerda na América Latina.
Um funcionário no Planalto que acompanha a situação avalia que região estará, mais do que nunca, no foco da agenda negativa do governo Trump por dois motivos: a disputa com a China por influência e a abordagem radical em relação a migração.
Ao contrário das tarifas, aliás, muito recentes para dominar os trabalhos e serem incluídas em um texto final que exige negociações entre todos os países, a migração deve ser um tema incontornável no evento, de acordo com o funcionário do Itamaraty.
Ainda assim, não há expectativa de concluir a cúpula com uma declaração forte de condenação às ações de Trump em relação a deportações ou em defesa da democracia e dos direitos humanos, já que muitos países-membros da Celac são dependentes dos EUA e temem retaliações.
Desde o início do ano, centenas de migrantes foram deportados do território americano, muitos deles para uma prisão de segurança máxima de El Salvador, governado pelo líder de direita Nayib Bukele, aliado de Trump na América Central.
O envio do grupo, formado em sua maioria por venezuelanos, abriu uma crise entre Washington e Caracas. A presença de Nicolás Maduro na cúpula, aliás, ainda uma incógnita, pode causar mal-estar inclusive entre antigos aliados, como o próprio Lula, após acusações de fraude no pleito que encaminhou o ditador a um terceiro mandato.
Em janeiro, Argentina, Paraguai e Costa Rica, todos países governados por políticos de direita, opuseram-se a uma reunião da Celac para tratar das deportações em massa de Trump.
A falta de união, em geral, pode prejudicar os planos do Brasil de conseguir unir os 33 países-membros da organização em torno da candidatura unificada de uma mulher para o cargo de secretária-geral das Nações Unidas, no lugar do português António Guterres
Diferentemente de instituições mais consolidadas, caso do Mercosul, a Celac tem fragilidades institucionais que deixam a organização vulnerável às ideologias dos governos de turno, afirma Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em integração da América Latina.
Atualmente, ela descreve a Celac como uma instituição acanhada, mas afirma que o governo Lula deverá aproveitar a cúpula para se posicionar como um articulador regional. "Não vamos conseguir fomentar a integração regional, mas o Brasil poderá aproveitar o espaço para estimular diálogos e fazer propostas de enfrentamento às adversidades internacionais, que possam aumentar o comercio regional e diminuir os impactos do tarifaço, por exemplo."