• Quarta-feira, 4 de junho de 2025

Jandira Feghali estreia em livro com defesa do incentivo à cultura

Em entrevista ao Poder360, ela fala das disputas em torno das leis Rouanet e Aldir Blanc.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lança seu 1º livro, “Cultura é poder” (ed. Oficina Raquel), em Ipanema, no Rio de Janeiro, nesta 2ª feira (2.jun.2025).

Feghali, que já foi baterista profissional, explora o tema no contexto dos processos históricos de colonização e escravidão, além de abordar o racismo e a LGBTfobia no país. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, assina o prefácio.

A deputada foi coautora e relatora da Lei Aldir Blanc (Lei nº 14.017/2020), auxílio ao setor cultural criado na pandemia de covid-19. Em 2 de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tornou permanente o incentivo.

Nesta entrevista ao Poder360, Feghali fala sobre a estreia em livro, a regulamentação do streaming e a “guerra cultural” que, segundo a deputada, tenta desacreditar o fomento da arte no Brasil.

Poder360 – A senhora começou sua carreira como gestora e musicista, transitando posteriormente para a política. Como considera que esta experiência afetou seu mandato e sua carreira política?

Jandira Feghali – Primeiro, me afetou como pessoa. Ter a música na vida, quer dizer, ter a arte na vida, como trabalho, como profissão, como formação, já muda a gente para a vida, né? A gente muda a relação com o universo, muda a relação com as pessoas, muda a relação, inclusive, de tolerância e de sentimento coletivo, porque bateria, inclusive, precisa de equipe, né? Ninguém toca bateria sozinho por aí.

Isso tudo dá uma dimensão coletiva da vida e uma nova fronteira que se abre para uma visão de mundo. Então, 1º me afetou pessoalmente. Esse aprendizado serviu muito, no momento da política, para eu compreender o tamanho, a dimensão e a profundidade da cultura para o país. Não só para as pessoas, mas também para o país.

A cultura pode contribuir para incentivar um debate sem estigmas de ideias, com uma polarização menor?

Olha, eu acho que a cultura transforma. Isso que eu tento espelhar no livro: cultura como um poder de disputa, como um poder de transformação, como uma integração com a educação que forma os valores desde a 1ª infância; a cultura como arte, que é o principal aríete da cultura.

A arte como uma grande adesão para as pessoas viverem em um mundo de paz, em mundo de solidariedade, de afetos positivos. Então eu acho que o debate cultural –e é isso que eu tento promover no livro –é fundamental para essa transformação.

A lei Rouanet e a lei Aldir Blanc são mal vistas por setores da sociedade. Muitos projetos e artistas começaram a dispensar essa ajuda por temer que seus projetos sejam boicotados. Há mudanças que podem ser feitas para começar a eliminar essa visão negativa?

Só fala mal da Lei Rouanet quem não conhece cultura, quem não conhece arte, quem não conhece o apoio que isso dá aos artistas.

Eu sou autora da lei Aldir Blanc, essa lei é da Política Nacional Aldir Blanc, e ela é um fomento direto. É uma forma que a gente tem de apoiar, porque até então, até a existência da lei Aldir Blanc, a cultura só vivia na lei Rouanet mesmo, porque não tinha orçamento próprio. Mas a Lei Rouanet não é dispensável, porque é mais um complemento ao apoio à cultura. Ela é uma lei de incentivo e a Lei Aldir Blanc é uma lei de fomento direto. Então, isso tudo se complementa.

Só não entende isso quem quer usar, distorcer argumentos para tentar atacar os artistas, porque o fascismo não convive com a arte. Ele não suporta a arte, não suporta a liberdade de expressão, não suporta a diversidade, não suporta a formação de massa crítica. Não gosta da arte, não gosta da educação, não gosta da ciência.

Enquanto fazem esse discurso, a gente faz o discurso contrário, afirmando e mostrando o que a lei Aldir Blanc, o que a lei Rouanet fazem pela arte brasileira. E os artistas vão afirmando isso em cima dos palcos. Quem vai a teatro, quem vai a cinema, quem vai a show, ouve isso dos artistas. A disputa está feita na vida real. Não dá para ficar sendo pautado por esse tipo de discurso completamente fora da realidade, e que só quer agredir e desqualificar a arte brasileira.

Em seu livro, a senhora defende a regulação do streaming. Como isso seria feito?

Eu sou relatora do projeto que regula o streaming para o audiovisual. Qual é a questão? As plataformas ficam com o direito patrimonial e direito autoral dos autores brasileiros. Nós não somos prestadores de serviço das grandes plataformas. Nós temos talento, nós temos criatividade, nós temos autores, roteiristas, diretores, artistas, pessoas que fazem a obra acontecer.

O que a regulação faz é equilibrar o jogo, como o mundo inteiro faz. Você quer utilizar a obra brasileira? Você paga. E nós damos um percentual também para valorizar a produção independente brasileira. Tem que contratar a produção independente brasileira, ficando direito autoral e direito patrimonial com quem faz a obra e não com a plataforma. Então, é uma regulação necessária.

Nós estamos atrasados nessa regulação do streaming. Da mesma forma que nós estamos atrasados em regular o direito autoral no streaming. Então, nós vamos precisar fazer essas coisas para que a gente tenha o fortalecimento da soberania e da obra visual brasileira.

No livro, a senhora afirma que a produção de conteúdos nacionais pode incentivar o turismo e a economia. Como?

Eu peguei dados oficiais, inclusive da Embratur [Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo]. Por exemplo, não sei se você lembra do Woody Allen fazendo “Vicky Cristina Barcelona”, ou “Meia-noite em Paris”. O turismo aumenta nessas cidades. Parte dos norte-americanos visita os países a partir do filme que assiste. O desenvolvimento da arte gera desenvolvimento econômico, com integração do turismo. Isso é dado fático, não é uma hipótese, isso é real.

Qual foi a sua motivação para escrever o livro?

Comecei a escrever esse livro em maio de 2024 e acabei em setembro. A motivação foi contribuir para uma visão mais ampla do que é a cultura.

A cultura não é só evento, a cultura não é só entretenimento, ela é muito mais do que isso. Cultura é poder, como afirmo no título do livro. E é poder de transformação, é poder de afirmação da brasilidade na sua pluralidade, é poder de transversalizar com outras culturas, de transversalizar com outras políticas públicas e de fazer a disputa de valores em sociedade. Isso é poder, é poder de transformação e de emancipação.

A motivação foi essa, para que a gente possa debater cultura não apenas na superfície do entretenimento, mas que a gente possa aprofundar um debate mais amplo sobre o papel da cultura na sociedade.

A senhora tem uma ligação com a música, já tocou bateria profissionalmente. Há projetos pra voltar para essa área?

Se eu puder ter uma banda de novo eu vou ter, porque é tudo que eu quero, eu sinto falta, eu gosto. Se eu puder tocar de novo, eu vou tocar. Digo, com regularidade, porque tocar de vez em quando eu já toco, mas com regularidade eu gostaria muito.

Por: Poder360

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