Os Estados Unidos passaram a exigir que fabricantes de chips de IA (inteligência artificial) priorizem o atendimento ao mercado doméstico antes de exportar para países considerados estratégicos ou de risco. A medida foi incorporada à Lei de Autorização de Defesa Nacional para o Ano Fiscal de 2026, aprovado pelo Senado norte-americano em 9 de outubro de 2025 (eis a íntegra – 6,5 MB).
A nova legislação funciona como um mecanismo de priorização de pedidos. Ela determina que fornecedores de semicondutores de alto desempenho para IA priorizem o suprimento de clientes baseados nos EUA, especialmente aqueles envolvidos em defesa, infraestrutura crítica e pesquisa científica.
Na prática, pedidos dessas áreas podem “furar a fila” de encomendas internacionais. A regra faz parte de uma política industrial e de segurança que visa proteger o acesso a hardware avançado –considerado atualmente um ativo estratégico comparável ao petróleo.
A iniciativa se soma às normas do BIS (Departamento de Indústria e Segurança, na sigla em inglês), que desde 2022 atualiza os controles de exportação de chips de alto desempenho. Enquanto a nova legislação visa a garantir o suprimento interno, o BIS regula quem no exterior pode ter acesso à tecnologia.
A versão mais recente, publicada no Federal Register (o Diário Oficial dos EUA) em 15 de janeiro deste ano –2 dias antes do presidente Donald Trump (Partido Republicano) tomar posse–, estabelece a Estrutura para Difusão da Inteligência Artificial, que amplia o controle não só sobre circuitos integrados, mas também sobre os pesos de modelos de IA (parâmetros centrais que determinam o funcionamento de modelos de linguagem e visão). Eis a íntegra (PDF – 720 kB).
O texto cita razões de segurança nacional e destaca a importância de impedir que tecnologias críticas sejam utilizadas para o desenvolvimento de “sistemas de combate inteligentes” ou “ataques cibernéticos ofensivos”. A regulação define parâmetros técnicos que restringem a exportação de chips de IA com desempenho acima de 1.000 teraflops (TFLOPS) e densidade de processamento superior ao limite previsto pelo BIS.
Segundo o governo norte-americano, a estratégia visa a equilibrar proteção e promoção: manter uma “cerca alta” somente ao redor das tecnologias mais críticas para evitar o acesso de adversários, mas também apoiar empresas aliadas na construção de ecossistemas de IA seguros e interoperáveis com os padrões dos EUA.
Na prática, o país consolida o que especialistas chamam de “diplomacia da computação” –usando o acesso ao poder computacional como instrumento de política externa, seja oferecendo acesso preferencial como recompensa por alinhamento político ou negando-o para pressionar rivais.
A legislação foi aprovada em meio ao aumento da tensão tecnológica entre EUA e China. Desde 2022, Washington vem endurecendo o controle de exportações para o setor de semicondutores, afetando diretamente companhias como Nvidia, AMD e Intel.
Versões “enfraquecidas” de chips (como os modelos A800, H800 e H20) foram desenvolvidas para atender às restrições. Esses modelos geralmente têm sua velocidade de comunicação entre chips limitada –um fator crucial para treinar grandes modelos de IA–, mas ainda estão sob monitoramento do BIS.
A medida preocupa aliados que dependem dos EUA para suprimento de hardware de IA, especialmente Japão, Coreia do Sul e UE (União Europeia), que buscam equilibrar cooperação tecnológica e autonomia estratégica. Em contrapartida, o Departamento de Comércio norte-americano criou canais rápidos de licenciamento para “usuários validados”, categoria que abrange empresas e governos considerados parceiros de confiança, embora o processo exija auditorias rigorosas e transparência sobre o uso final da tecnologia.
Para países em desenvolvimento, como o Brasil, a nova prioridade norte-americana amplia o fosso tecnológico. O impacto não deriva de um embargo direto, mas da escassez na cadeia de suprimentos global. Com a demanda dos EUA garantida na frente da fila, as esperas para clientes internacionais aumentam. Pesquisadores e startups relatam dificuldades para acessar GPUs de última geração, o que limita projetos em inteligência artificial generativa e ciência de dados de larga escala.





