Eslováquia restringe direitos LGBT+ e desafia lei da União Europeia
Apesar de a maioria da oposição ter se abstido, nove de seus membros votaram com a base governista, permitindo a aprovação da emenda
O Parlamento eslovaco aprovou na sexta-feira (26/9) uma emenda constitucional que impõe restrições aos direitos das pessoas LGBT+ e estabelece que a legislação nacional deve prevalecer sobre o direito europeu em determinadas matérias. O texto, que limita os direitos de casais do mesmo sexo e dificulta a alteração de gênero para pessoas intersexo, foi aprovado com 90 votos favoráveis entre os 99 deputados presentes.
Apesar de a maioria da oposição ter se abstido, nove de seus membros votaram com a base governista, permitindo a aprovação da emenda.
O voto, inicialmente previsto para quarta-feira e posteriormente adiado, voltou à pauta parlamentar na sexta-feira.
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Michal Simecka, líder do principal partido de oposição, o Progresívne Slovensko, classificou a aprovação como “um voto vergonhoso”. Ele lamentou a “traição” de membros da oposição que contribuíram para a aprovação do texto e alertou que a emenda “prejudicará o povo eslovaco e colocará em risco o lugar da Eslováquia na UE e seu espaço jurídico”.
O governo soberanista, liderado pelo primeiro-ministro nacionalista Robert Fico, defendeu a medida. Fico, que retornou ao poder em 2023, invocou no fim de janeiro “as tradições, a herança cultural e espiritual de nossos antepassados” para erguer uma “barreira constitucional contra o progressismo” e restabelecer o “bom senso”.
Limitações de direitos e soberania
A proposta estabelece que “temos dois sexos, masculino e feminino”, definidos no nascimento, ecoando termos usados pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump. A emenda especifica que o sexo “não pode ser modificado, exceto por razões sérias, conforme modalidades que serão definidas por lei”.
O texto também restringe a adoção de crianças exclusivamente a casais casados, com raras exceções. A Constituição eslovaca já definia o casamento como uma “união exclusiva entre um homem e uma mulher” desde 2014, durante um mandato anterior de Fico. Em 2015, ele tentou realizar um referendo para barrar o casamento igualitário, que foi invalidado por baixa participação.
Um ponto central da nova emenda afirma que a “soberania” da Eslováquia sobre “questões culturais e éticas” deve prevalecer sobre o direito europeu.
Alertas internacionais
Membro da União Europeia desde 2004, a Eslováquia comprometeu-se a respeitar os direitos fundamentais ao aderir ao bloco.
A Comissão de Veneza, órgão consultivo do Conselho da Europa composto por especialistas em direito constitucional, emitiu um alerta na quarta-feira. O órgão advertiu que os Estados não devem criar conflitos entre “questões culturais” e os tratados internacionais que assinaram. Também alertou que a definição binária estrita de sexo na Constituição não deve justificar discriminação com base em orientação sexual ou identidade de gênero em legislações ou políticas futuras.
Martin Macko, diretor da ONG Iniciativa Inakosť (Alteridade), criticou a medida, denunciando que o texto “introduz novos obstáculos ao tratamento de transição de pessoas transgênero” e “inscreve na lei fundamental desigualdades que afetam famílias de casais do mesmo sexo”. Para Macko, a iniciativa representa um possível “primeiro passo concreto rumo ao afastamento da UE” e uma tentativa de “desviar a atenção” da atual crise política.
Desde seu retorno ao poder em 2023, o primeiro-ministro Fico — considerado um dos poucos aliados do Kremlin na UE — tem enfrentado protestos recorrentes no país. Seu governo também tem intensificado o controle sobre o que considera mídia “hostil”, substituído lideranças em instituições culturais e anunciou recentemente o fim dos subsídios a associações de defesa dos direitos LGBT+.
O debate sobre os direitos LGBT+ ocorre em um país ainda marcado pelo assassinato de dois homens em um bar gay em Bratislava, em 2022.
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Por: Metrópoles