Nas últimas semanas, políticos de direita como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o presidente do MBL, Renan Santos (Missão-SP), defenderam publicamente que o Brasil adote propostas inspiradas no modelo linha-dura de segurança pública do governo Nayib Bukele (Nuevas Ideas, direita), de El Salvador.
O chamado “modelo Bukele” é tido pelos seus defensores como um modo severo e eficaz de combate ao crime organizado. Tarcísio afirma que o plano salvadorenho é exemplo de “dureza” no enfrentamento à criminalidade; já Nikolas, que viajou em novembro a El Salvador, diz que a experiência de segurança local é um “aprendizado”; e Renan, pré-candidato à Presidência pelo Missão, já declarou que as “as pessoas querem encarceramento em massa“ como o visto no país da América Central.
Os elogios costumam se basear nas estatísticas de segurança do país. Durante décadas, El Salvador registrou algumas das piores taxas de criminalidade da América Latina. Em 2015, o número de homicídios chegou ao auge, com 911 pessoas assassinadas apenas em agosto. Com a eleição de Bukele, em 2019, os índices desaceleraram como nunca antes. Segundo o governo, em 2024, foram contabilizados 114 homicídios. No ano anterior à eleição de Bukele, o número oficial era de 3.346, o que representa uma queda de 97% dos casos.

Números como esses aumentaram a popularidade de Bukele, que aproveitou para expandir seus poderes. O presidente salvadorenho alterou a Constituição que proibia reeleição e venceu as eleições de 2024 com 84,65%. Desde março de 2022, governa sob um estado de exceção renovado sucessivamente. Esse regime suspende garantias constitucionais e permite prisões sem ordem judicial, transformando uma medida emergencial em regra permanente.
O período de estado de exceção de El Salvador foi renovado 41 vezes até agosto de 2025. Foi por meio dele que o país registrou encarceramentos em massa e prendeu cerca de 84 mil pessoas consideradas integrantes de gangues (MS-13 e Barrio 18) em um território de pouco mais de 6 milhões de habitantes.
Em 2023, o governo inaugurou o Cecot (Centro de Confinamento do Terrorismo), uma megaunidade apresentada como a maior prisão de segurança máxima das Américas. Construída em uma área rural de Tecoluca, a cerca de 75 km da capital, a casa de detenção se tornou símbolo internacional do modelo Bukele graças à exploração visual das imagens de prisioneiros disseminadas nas redes sociais.
A prisão tem 8 pavilhões, 256 celas e capacidade para 40.000 presos, com beliches metálicos e poucos recursos internos. O perímetro é cercado por muros altos, cercas eletrificadas, câmeras e torres de vigilância operadas por agentes, policiais e militares. O regime interno é de isolamento rígido: não há visitas, atividades ao ar livre ou programas de reabilitação. O foco é exclusivamente a contenção dos detidos.

Ao Poder360, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) defendeu a adoção de dispositivos similares ao de Bukele para combater facções criminosas. O congressista afirma que a Constituição brasileira estabelece a decretação de um Estado de Defesa em casos de “anomia social” –forma como ele define o atual momento de segurança pública.
Com isso, diz, seria possível “uma flexibilidade na quebra de sigilo telefônico de liderança de facções, nas buscas e apreensões e prisões em domicílio”. O deputado defende ainda a mobilização de tropas para retomada de territórios tomados pelo crime.
Kataguiri afirma que, na adaptação do modelo Bukele para o Brasil, “quem comandaria as operações seria a polícia militar e as forças armadas atuariam de maneira auxiliar”.
Organizações internacionais de direitos humanos têm registrado preocupações sobre a duração e a forma de aplicação do regime de exceção.
Em 14 de agosto de 2025, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) emitiu um alerta sobre a gestão de Bukele e expôs relatos de violações de direitos humanos. O texto menciona casos que incluem “prisões ilegais e arbitrárias”, “tortura”, “morte de mais de 400 pessoas privadas de liberdade sob custódia do Estado” e “violações múltiplas no acesso à Justiça”.
A Anistia Internacional, dedicada a monitorar e denunciar violações em todo o mundo, afirmou em novembro de 2024 que “as graves violações dos direitos humanos” em El Salvador apontam “para um padrão sistemático e generalizado de abuso estatal”. Uma das queixas principais é que os critérios para as prisões não são bem definidos.
Os números positivos divulgados por El Salvador também são colocados em xeque por especialistas. Fabio Luis Barbosa dos Santos, professor de Relações Internacionais na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que a confiabilidade dos dados atuais é difícil de aferir diante do enfraquecimento das instituições responsáveis pela produção das estatísticas.
“Se as instituições que produzem dados sobre a criminalidade em El Salvador estão capturadas, a confiabilidade desses números diminui”, afirma.
Para o professor, a comunicação desempenha um papel central no modelo salvadorenho, especialmente na forma como o governo constrói suas imagens e direciona a percepção pública sobre segurança e criminalidade. O modelo Bukele, diz, representa a ideia de que “uma vida mais segura exige o sacrifício da democracia ou das instituições associadas a um Estado Democrático de Direito”.
Kataguiri, por sua vez, questiona as violações de direitos humanos apontadas por ONGs. Para ele, a queda no número de homicídios representa “uma preservação muito maior de direitos humanos pós política de segurança do Bukele do que antes”.
O tema da segurança pública ganhou força no Brasil depois da megaoperação contra o CV (Comando Vermelho) no Rio em 28 de outubro de 2025, a mais letal da história do país, com saldo de 122 mortos, sendo 5 deles policiais.
A ação policial, segundo pesquisa da Genial/Quaest, foi aprovada por 67% da população brasileira. A esquerda desde então se articula para apresentar respostas à essa demanda eleitoral.
Vice-presidente do PT nacional e prefeito de Maricá (RJ), Washington Quaquá (PT-RJ) afirmou em 3 de novembro que o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) só “matou otário” nas operações realizadas no Rio em 28 de outubro.
O Poder360 questionou Quaquá sobre sua avaliação a respeito da política de segurança pública de Bukele. O político afirmou que não aprova os métodos aplicados em El Salvador.
“Não concordo com métodos que signifiquem supressão da democracia e autoritarismo. Aumento de penas e destruição das organizações criminosas devem se dar pelas instituições de forma dura e dentro da legalidade”.
Segundo ele, o Brasil precisa ser “mais duro nas penas e nas formas de enfrentar o crime organizado”:
“Mesmo que seja necessário criar uma força-tarefa excepcional, com duração de até 10 anos, que permita algum grau de excepcionalização jurídica para enfrentar determinadas organizações criminosas, ainda assim o combate ao crime deve ocorrer dentro das regras do jogo democrático”.
Esta reportagem foi escrita pelos estagiários de jornalismo João Lucas Casanova e Diogo Campiteli sob a supervisão do editor Guilherme Pavarin





