• Terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Conheça o açougue mais polêmico dos anos 90: Casa de Carnes Mangalarga

Nos anos 1990, um açougue em Goiânia desafiou tabus, atraiu filas e transformou a carne de cavalo em alternativa barata em meio à crise econômica.

Nos anos 1990, um açougue em Goiânia desafiou tabus, atraiu filas e transformou a carne de cavalo em alternativa barata em meio à crise econômica. No início dos anos 1990, Goiânia (GO) foi palco de uma das histórias mais curiosas já exibidas na televisão local. Uma reportagem da TV Serra Dourada (Canal 9), assinada pelo repórter Darci Moreira, revelou ao público um açougue que rompia completamente com os padrões culturais brasileiros: a Casa de Carnes Mangalarga, especializada na venda de carne de cavalo para consumo humano. Logo na abertura da matéria, o espanto era inevitável. Em alguns países europeus, como Bélgica e França, a carne equina é parte tradicional da culinária e amplamente aceita pelo consumidor. No Brasil, embora o cavalo seja legalmente classificado como carne de açougue, o hábito nunca se consolidou culturalmente. Ainda assim, o país possui abatedouros de equinos, cuja produção é voltada majoritariamente à exportação, justamente para mercados onde esse tipo de carne é valorizado.
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  • Apesar de o consumo de carne de cavalo não fazer parte dos hábitos alimentares da maioria dos brasileiros, sobretudo por uma forte questão cultural, o Brasil ocupa posição relevante no mercado internacional de carne equina. window._taboola = window._taboola || []; _taboola.push({mode:'thumbnails-mid', container:'taboola-mid-article-thumbnails', placement:'Mid Article Thumbnails', target_type: 'mix'});O país possui abatedouros habilitados e uma cadeia produtiva estruturada, voltada quase exclusivamente à exportação, atendendo mercados onde esse tipo de proteína é tradicional e valorizado, como países da Europa e da Ásia. Ou seja, embora a carne de cavalo raramente chegue à mesa do consumidor brasileiro, ela tem destino certo no exterior, reforçando o contraste entre a rejeição cultural interna e a importância econômica do produto para a pauta exportadora nacional. Foi nesse contraste cultural que a Casa de Carnes Mangalarga ganhou notoriedade. Localizado no bairro Jardim América, o açougue virou atração imediata. A inauguração, por si só, já fugia do comum: o proprietário resolveu oferecer um churrasco gratuito para que a população experimentasse a novidade. O resultado foi imediato: filas enormes, curiosidade generalizada e um preço muito abaixo da carne bovina, algo decisivo em um período de forte restrição econômica. Na reportagem, o repórter provoca:
    “Você acha que o proprietário aí vai ter condição de sobreviver vendendo carne de cavalo?”
    A resposta do açougueiro foi direta e emblemática:
    “Se continuar do jeito que vai, ele vai ficar rico.”A proposta partiu de um empresário goiano, convicto de que o negócio tinha futuro. À época, ele defendeu o produto sem rodeios:
    “A carne é uma carne de primeira, é uma carne macia, uma carne gostosa. O sabor não existe diferença. A pessoa começa a ingerir sem saber e nem nota.” Durante a inauguração, a carne foi disputada. Muitos experimentavam pela primeira vez e, surpreendentemente, aprovavam. Uma das entrevistadas foi categórica:
    “Muito boa a carne. A mesma coisa de carne de boi, a mesma coisinha.”
    Questionada se teve receio antes de provar, respondeu:
    “Eu fiquei, mas depois que eu comi, acabou. Para mim, é a melhor que existe.”
    E garantiu que continuaria consumindo. Para o evento inaugural, o proprietário abateu dez animais, entre éguas e cavalos. Em apenas duas horas de funcionamento, mesmo com grande parte da carne distribuída gratuitamente, o açougue já havia vendido mais de 300 quilos. Visualmente, a diferença em relação à carne bovina era mínima: apenas um tom um pouco mais escuro. Os cortes seguiam o padrão tradicional, do chamado “carne de segunda” ao filé. O sucesso inicial ajuda a explicar o contexto. O Brasil ainda vivia os resquícios de décadas de hiperinflação, que marcaram o fim do regime militar e atravessaram os primeiros anos da redemocratização. No começo dos anos 1990, o país passava por planos econômicos sucessivos, cujo objetivo, em linhas gerais, era conter a inflação por meio de congelamentos, reformas monetárias e, sobretudo, cortes de zeros da moeda. Naquele período, o país estava na transição para o Cruzeiro Real, que antecedeu a criação do Real em 1994. A estratégia buscava transmitir à população a sensação de estabilização e controle dos preços, mas o poder de compra seguia extremamente pressionado. Nesse cenário, carne mais barata não era excentricidade — era sobrevivência. O que hoje soa estranho, quase folclórico, para muitos goianienses foi, naquele momento, uma solução concreta para colocar proteína na mesa e manter o churrasco de fim de semana. A Casa de Carnes Mangalarga acabou entrando para a memória urbana como símbolo de um Brasil criativo, improvisado e, acima de tudo, moldado pelas circunstâncias econômicas de sua época. YouTube video
    Por: Redação

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