• Terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Cafeína e grávidas: exposição precoce pode causar alterações em bebês?

Evidências epidemiológicas e experimentais revelam que uma ingestão superior a 300 mg de cafeína por dia, pode aumentar o risco de aborto

*O artigo foi escrito pelos professores de fisiologia Patrícia Cristina Lisboa, Egberto Gaspar Moura e Luana Lopes de Souza, todos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), e publicado na plataforma The Conversation Brasil. No Brasil, poucas tradições são tão arraigadas quanto começar o dia com um café quente e aromático. Para muitos, a bebida não é apenas um ritual matinal: é companhia constante ao longo do dia, aparecendo em várias xícaras sucessivas ou em outras formas de cafeína. Muitas , como café, chá e refrigerantes, além de chocolate, alguns medicamentos e suplementos alimentares. Segundo , aproximadamente 90% dos adultos relatam consumo regular de cafeína, com uma ingestão diária média de 227 mg nos EUA; 219 mg na Nova Zelândia; 102 mg na Ásia; ; e de , sendo o café a fonte mais popular. O consumo moderado de café apresenta benefícios à saúde, como menor risco de doença de Parkinson, doença de Alzheimer e diabetes tipo 2. Além disso, como psicoestimulantes, ações antioxidantes e anti-inflamatórias e propriedades ergogênicas, promovendo maior gasto energético e atividade termogênica. A cafeína aumenta o estado de alerta, o foco e a capacidade de permanecer acordado. No entanto, em excesso, ela tem sido associada . Ingestão de cafeína por grávidas e lactantes A presença tão disseminada dessa substância, e seus conhecidos efeitos no cérebro e no metabolismo, ajuda a explicar por que ela também desperta dúvidas, . Embora profissionais de saúde recomendem, o hábito de ingerir cafeína persiste para grande parte das mulheres. E é justamente nesse ponto que a ciência lança seu olhar: quais são as consequências dessa exposição precoce para o desenvolvimento do bebê? Nós, pesquisadores do Laboratório de Fisiologia Endócrina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), temos uma linha de pesquisa experimental sobre o impacto direto e indireto da cafeína em fetos e recém-nascidos. Nos últimos dois anos, publicamos alguns artigos científicos sobre essa correlação. O que a ciência já sabe Em 2024, publicamos um no qual analisamos cerca de 120 estudos que investigaram, em modelos experimentais com roedores, as ações da cafeína em fetos e recém-nascidos e as correlações com saúde e doença. De fato, evidências epidemiológicas e experimentais revelam o impacto da exposição precoce à cafeína. Vale esclarecer que a semelhança do metabolismo da cafeína entre humanos e roedores permite compreender os mecanismos moleculares afetados pela exposição pré-natal à cafeína. A ingestão materna de cafeína afeta o peso corporal e o sistema endócrino da prole ao nascimento e exerce efeitos de longo prazo sobre o sistema endócrino, a função hepática, o metabolismo da glicose e dos lipídeos, o sistema cardíaco, o sistema reprodutivo e o comportamento. Curiosamente, alguns desses efeitos dependem do sexo. Assim, a dose de cafeína considerada segura para mulheres grávidas pode não ser adequada para o período pré-natal. Após a ingestão, a cafeína é rapidamente absorvida no trato gastrointestinal, frequentemente atingindo o pico de concentração plasmática em menos de uma hora. A cafeína distribui-se amplamente pelo corpo, atravessando membranas biológicas, a barreira hematoencefálica e outras barreiras, como a placentária e a da glândula mamária. A meia-vida da . Isso pode implicar um . Esse aumento na concentração materna, aliado à capacidade da cafeína de atravessar a placenta, promove superexposição fetal. Além disso, a placenta e o feto não metabolizam a cafeína, resultando em . Assim, os . Portanto, durante a gestação, o aumento da meia-vida da cafeína promove superexposição fetal. Além do efeito direto, a ingestão de cafeína induz mudanças maternas, como aumento de hormônios e lipídeos. Cafeína e desfechos gestacionais Apesar dos conhecidos , seu papel no peso corporal materno durante o período pré-natal permanece . A ingestão materna de cafeína durante a gestação tem sido associada a um risco aumentado de . O consumo elevado de cafeína pode ter efeitos prejudiciais sobre o sucesso gestacional e a saúde da prole. Em roedores, a exposição à cafeína durante a gestação pode prejudicar a implantação embrionária e comprometer o crescimento e desenvolvimento fetais, levando à . Em humanos, vimos que o efeito teratogênico da cafeína não é claro; mas o consumo excessivo no início da gestação está associado a . Uma . Mesmo em roedores, a cafeína é considerada um agente teratogênico fraco, sendo necessária uma dose alta para induzir malformações em um pequeno número de animais. No entanto, vimos que o consumo materno excessivo é capaz de prejudicar a implantação embrionária e o desenvolvimento fetal, interrompendo a gestação em roedores. Cafeína sobre hormônios tireodianos Em outro por nosso grupo, estudamos os efeitos da cafeína nos hormônios tireoidianos. A hipótese do nosso estudo era que a cafeína na gestação e na lactação provoca sim alterações na síntese e no metabolismo dos hormônios tireoidianos. Realizado com animais de experimentação, aprovado pelo Comitê de Ética, verificamos que estávamos certos. Em nossos resultados, conseguimos caracterizar alguns mecanismos adaptativos que podem contribuir para a disfunção tireoidiana em mães e seus filhotes expostos a baixas doses de cafeína. As alterações nos níveis de hormônios tireoidianos envolvem modificações na síntese desses hormônios, afetando o , especialmente em mães e fêmeas adultas, além de uma leve alteração na morfologia da tireoide e na expressão de mRNA de proteínas tireoidianas-chave. Nós não descartamos alterações na atividade dessas proteínas, que são responsáveis pelas importantes mudanças nos níveis dos hormônios tireoidianos. Portanto, a ingestão materna de cafeína, mesmo em baixas doses, pode impactar a função tireoidiana das mães e de sua prole ao longo da vida. Alterações dependem de gravidez ou lactação, sexo e idade Em outro verificamos que a exposição precoce à cafeína provoca alterações metabólicas e hormonais de maneira diferente conforme a janela de exposição, se durante a gestação ou lactação, o sexo e a idade. Os experimentos foram realizados em um modelo de rato, também aprovado pelo Comitê de Ética, e mostraram que a exposição à cafeína durante a lactação aumenta o risco de desenvolvimento de obesidade entre filhotes do sexo feminino. Para as crias do sexo masculino, a gestação parece ser um período mais crítico de exposição à cafeína. A ingestão materna de cafeína durante a gestação ou lactação pode afetar de forma distinta o metabolismo e a função tireoidiana da prole. Apesar da redução do hormônio tireoideano T3 no desmame, essas alterações não são observadas na vida adulta. Outros hormônios, como insulina, leptina e corticosterona, não são afetados. A exposição apenas durante a lactação promoveu intolerância à glicose e maior suscetibilidade à obesidade em resposta à frutose nas crias fêmeas. Por outro lado, a exposição da prole de machos à cafeína somente durante a gestação promoveu maior preferência por uma dieta palatável e aumentou a suscetibilidade à obesidade. Esses resultados sugerem que os efeitos da cafeína sobre a saúde da prole dependem da janela de exposição e do sexo da cria. Portanto, para as fêmeas, o período de lactação parece ser uma janela de desenvolvimento mais crítica para os efeitos precoces da cafeína. Nossos estudos só foram viabilizados pelo apoio de agências brasileiras de fomento como , e , que também apoiou a publicação deste artigo.
Por: Metrópoles

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