• Sábado, 11 de outubro de 2025

Brasil deve focar na aplicação de IA, diz coordenador de ministério

Para integrante do setor de tecnologias digitais do governo, prioridade passa ao largo da criação de modelos próprios.

O Brasil deve priorizar a aplicação prática (inferência) em vez de criar e treinar modelos próprios de inteligência artificial, afirmou Guilherme Correa, coordenador-geral de tecnologias digitais do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), em entrevista ao Poder360 na 5ª feira (9.out.2025). “Não precisamos criar um ChatGPT ou IAs genéricas, que respondem tudo. Temos que pegar modelos pré-treinados, fazer um refinamento com dados do Brasil, e focar na inferência.”

A inferência é a última das 3 fases principais do desenvolvimento de IA. A 1ª é o treinamento, processo computacionalmente intensivo no qual o modelo analisa enormes conjuntos de dados para aprender padrões. A 2ª é o ajuste fino, que adapta modelos já treinados para tarefas específicas usando conjuntos menores de dados. A inferência aplica o modelo finalizado para criar resultados com novos dados.

Enquanto o treinamento requer GPUs (unidades de processamento gráfico) potentes e pode levar tempo, o ajuste fino e a inferência demandam menos recursos computacionais e podem ser executados mais rapidamente. “É nessa hora que está o valor, que vamos conseguir agregar valor. É usar a IA aplicada para determinados setores. Queremos pegar modelos pré-treinados, afiná-los e depois começar a usar na Receita Federal, no DataSUS”, disse.

Correa participou do “Dell Technologies Forum Brasil 2025”, evento que apresentou palestras, painéis e demonstrações sobre a relação entre IA e produtividade, modernização da infraestrutura de TI e avanços em sustentabilidade corporativa.

No evento, discutiu sobre o PBIA (Plano Brasileiro de Inteligência Artificial), publicado em 12.jun.2025. O documento, elaborado pelo CCT (Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia), com coordenação do MCTI e apoio técnico do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), orienta o desenvolvimento ético, seguro e sustentável da IA no Brasil e estabelece investimentos de até R$ 23 bilhões em 4 anos.

A proposta foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a abertura da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em julho de 2024. Desde então, tem servido como base para ações coordenadas do governo federal voltadas à promoção da inteligência artificial como vetor estratégico de desenvolvimento nacional.

Entre as metas previstas está a aquisição de 1 dos 5 supercomputadores mais potentes do mundo, o que permitirá ampliar significativamente a capacidade nacional de processamento de dados e pesquisas avançadas em IA. Aproximadamente 50% das 54 ações previstas no PBIA já apresentam resultados concretos, segundo Correa.

A soberania digital é um dos principais pontos do plano. Na última semana, foi realizado o “Seminário Nacional Pilha de IA: Desafios para Autonomia Tecnológica e Soberania Digital”, que reuniu especialistas da academia, do governo brasileiro e do setor produtivo para discutir como o país pode avançar no desenvolvimento de uma IA “justa, soberana e orientada ao bem público”. O evento foi realizado na sede do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), em Brasília.

Pilha de IA é um conjunto organizado de dados, hardware e tecnologias de software que trabalham juntas para permitir que um sistema de IA funcione. “Quando falamos em soberania, queremos evitar usar dentro dessa pilha soluções proprietárias, principalmente de outros países”, afirmou Correa. “Se for necessário usar tecnologia estrangeira, que seja pelo menos algo aberto. Isso exemplifica a soberania: ter camadas de software que não sejam proprietárias, que não tenham um dono que possa decidir não distribuir mais ou cobrar valores excessivos”.

Correa avalia que o Brasil está bem posicionado no cenário internacional. “O problema é que a IA atingiu um hype tão grande, principalmente no setor privado, que temos investimentos bilionários anunciados toda semana, principalmente das big techs e dos governos americano e europeus”, explicou. “Apesar de termos um plano significativo, quando comparado com países individuais da Europa, estamos no mesmo patamar. O problema é que eles se unem, são 27 países contra 1.”

Os EUA destinaram R$ 63 bilhões para P&D de IA de 2021 a 2024, com investimentos privados estimados em R$ 380 bilhões. A China aplicou R$ 306 bilhões em datacenters somente em 2024, enquanto seus investimentos privados foram estimados em R$ 39 bilhões em 2023.

Na Europa, a Alemanha comprometeu R$ 29 bilhões em 7 anos para 12 campos de ações da sua estratégia de IA. A França planeja investir R$ 14 bilhões até 2030 para desenvolver infraestrutura, estabelecer ecossistema de pesquisa e ampliar competitividade industrial. A Itália destinou R$ 6 bilhões em 5 anos para apoiar startups e fornecer acesso à infraestrutura de supercomputação.

O Reino Unido anunciou R$ 18 bilhões em 10 anos para infraestrutura de pesquisa, desenvolvimento de habilidades e criação do AI Safety Institute. A União Europeia, como bloco, promete R$ 16 bilhões entre 2024 e 2027 para estabelecer “Fábricas de IA” e fomentar aplicações setoriais.

 “Os 23 bilhões do PBIA, convertidos para dólares, representam cerca de 4 bilhões. Outros países estão investindo 100 bilhões de dólares. Precisaríamos de 10 PBIAs para chegar no nível de outras potências”, diz Correa.

Para que o Brasil não perca competitividade, Correa defende a continuidade e ampliação dos investimentos. “O PBIA é o 1º passo, e precisamos ter novos planos. Daqui a 3 anos, quando o plano atual terminar, deveríamos criar um PBIA 2, talvez com o dobro ou triplo do orçamento, se possível”.

Apesar do desafio orçamentário, Correa considera que o Brasil não deve tentar competir diretamente com as grandes potências mundiais. “Por causa da disparidade de orçamentos, não podemos querer competir com Estados Unidos, União Europeia e China. Temos que focar em nossas forças e particularidades, desenvolvendo soluções adaptadas à nossa realidade.”

Por: Poder360

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