A Defensoria Pública é a ponte de denúncia para casos emblemáticos, como o Massacre de Paraisópolis. Como em outros casos igualmente graves, nesse, em que policiais militares utilizaram granadas em uma operação na favela, familiares das vítimas buscam garantir a responsabilização de agentes e dar visibilidade à violência do próprio Estado. Com o PL, que teria sido protocolado por Luciana sem a devida consulta aos defensores, perderiam força os núcleos especializados do órgão, que são, ao todo, dez atualmente."Na leitura da sociedade civil organizada, trata-se de um grupo de intervenção que limita o próprio acesso da população à Justiça", diz trecho da carta pública.
Outro aspecto que seria alterado pela proposta em tramitação é o orçamento do órgão, que antes seria definido com o aval do Conselho Superior, que tem representantes eleitos dos defensores, e agora dependeria somente da anuência do Grupo de Assessoramento, "de modo que o controle e participação sobre a destinação dos recursos públicos também sejam enfraquecidos e, novamente, concentrando o poder de decisão na Defensoria Pública-Geral", acrescenta a carta pública."Além do atendimento para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, portanto, a Defensoria, por meio de seus núcleos, têm atuação estratégica em questões de grande relevância social. Seja por meio de debates sérios com a sociedade civil, especialmente com as pessoas diretamente afetadas, seja por meio da produção técnica qualificada, os núcleos têm legitimidade de acionar tribunais sempre que a defesa de direitos individuais, difusos e coletivos se fizer necessária", argumentam as entidades em outro trecho da carta.
"Além disso, a possibilidade de tornar virtuais ou híbridas as reuniões podem comprometer o Momento Aberto, único espaço de participação social no Conselho Superior da Defensoria Pública, que tem sido usado por pessoas atendidas pelo órgão, organizações da sociedade civil e servidores da instituição", alegam as organizações de defesa dos direitos humanos.
Conselho Superior
O Conselho Superior é o órgão deliberativo da Defensoria Pública. Sua competência é fixada pela Lei Complementar nº 988 de 2006 e, entre outras atribuições, destacam-se: exercer o poder normativo no âmbito da Defensoria Pública; fixar parâmetros mínimos de qualidade para a atuação de defensores e defensoras públicas e aprovar o plano anual de atuação da instituição. As entidades ressaltam a relevância da Defensoria Pública de São Paulo, criada em 2006. Elas mencionam que o órgão desempenha papel imprescindível, produzindo, inclusive, importantes pesquisas, estabelecendo parcerias e sendo um dos atores alinhados aos princípios da Constituição Federal de 1988, pautados pelos do Estado Democrático de Direito. Em entrevista à Agência Brasil, o filósofo e comunicador Alderon Costa, que integra o Fórum da Cidade de São Paulo em Defesa da População em Situação de Rua, ressalta que tolher os defensores públicos é o objetivo porque são eles que estão na linha de frente, são os operadores do direito mais próximos da população, em especial, a mais fragilizada socialmente. Segundo ele, a maior preocupação é quanto às ações coletivas, "de maior relevância, que têm projeção maior". Para Costa, é vital que se preserve o máximo de autonomia, até mesmo no âmbito orçamentário, tendo em vista que, em geral, os órgãos têm "um problema "genético" de não gozar de independência financeira, o que permite interferências e barganhas políticas em torno de suas atividades. Ex-ouvidor-geral da Defensoria Pública de São Paulo - cargo com mandato de dois anos -, ele explica ainda o contexto por trás do PL 20/2025. Lembra que a proposta vem em um pacote maior, que engloba o Smart Sampa, sistema de monitoramento de crimes que se tornou vitrine da gestão municipal. O sistema, que utiliza o reconhecimento facial como principal recurso, foi anunciado como o maior do gênero na América Latina e gerou uma segunda iniciativa, que dá projeção a ele, o Prisiômetro, instalado no centro de São Paulo, para exibir quantitativos de prisões feitas pela polícia. Perguntado sobre a possibilidade de o PL ter relação com os acontecimentos recentes na região conhecida como Cracolândia, onde há grande número de pessoas que fazem uso abusivo de drogas, Costa disse que pode haver conexão e destacou que hoje não há mais presença dos defensores públicos no perímetro da Luz."Insistimos que a Defensoria lute contra isso [o PL], porque, senão, vai ficar dependendo do estado e o estado é o maior violador de direitos, disso não tenho dúvida", declara.
"E, se não tem uma Defensoria aguerrida para enfrentar essas violações, quem vai defender o povo, as pessoas em situação de rua, as encarceradas, as mulheres que estão sofrendo violência, a maioria delas pobre?", indaga.
A Agência Brasil questionou a defensora-geral, Luciana Jordão, sobre as questões denunciadas pelos defensores públicos e repercutidas pelas entidades na carta pública. Caso se pronuncie, esta matéria será atualizada. A reportagem também procurou a prefeitura de São Paulo e aguarda retorno. Relacionadas"Todo o atendimento, o cuidado que a Defensoria tem com a população está em jogo. Infelizmente, é um debate que não está sendo tão popular, e as pessoas que vão ser afetadas de fato por isso muitas vezes estão afastadas, não estão entendendo o perigo do que pode acontecer", complementa a pesquisadora Carolina Dutra Pereira, do Programa Sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), referindo-se ao protesto organizado para esta sexta-feira (27).

