A chegada de um bebê costuma ser um momento de alegria, mas, para muitas mulheres, o período do pós-parto pode ser marcado por fragilidade emocional, insegurança e tristeza profunda. A chamada depressão pós-parto, que afeta cerca de 25% das puérperas brasileiras, segundo estimativas da Fiocruz, vai muito além do cansaço ou da adaptação à nova rotina: trata-se de uma condição de saúde mental séria, que pode comprometer o vínculo com o bebê, a qualidade de vida da mulher e até mesmo o equilíbrio familiar.
Por isso, encontrar formas de tratar essas mulheres de maneira segura e eficaz tem sido objetivo de muitos pesquisadores. Agora, um estudo clínico publicado no Jama Psychiatry trouxe esperança para essas mulheres –os pesquisadores avaliaram a eficácia da zuranolona, um medicamento oral aprovado há 2 anos pelo FDA (agência norte-americana reguladora de medicamentos) e observaram resultados promissores: em apenas duas semanas de tratamento, houve redução significativa dos sintomas depressivos, com melhora percebida já no terceiro dia de uso.
A pesquisa foi conduzida com 151 mulheres de 18 a 45 anos, diagnosticadas com episódios depressivos severos iniciados no final da gestação ou até 4 semanas após o parto. Todas apresentavam altos escores na escala de avaliação de depressão, indicando quadros graves.
As participantes foram divididas em 2 grupos: um recebeu zuranolona (30 mg por dia, durante 14 dias) e o outro, placebo. O grupo tratado com o medicamento apresentou queda média de 17,8 pontos na escala de depressão, contra 13,6 pontos no grupo placebo –diferença considerada clinicamente relevante. Os efeitos se mantiveram mesmo depois do término do tratamento, até o 45º dia de acompanhamento.
Além da melhora dos sintomas depressivos, o estudo também mostrou melhora nos índices de ansiedade, um sinal promissor de que o medicamento pode ajudar as mulheres a controlar a depressão e a recuperar o bem-estar necessário para cuidar de si e de seus bebês.
Segundo a ginecologista e obstetra Ana Paula Beck, do Einstein Hospital Israelita, a depressão pós-parto é uma das complicações mais comuns do período perinatal, mas ainda é bastante subdiagnosticada. Os sintomas podem surgir durante a gestação ou até um ano após o parto e incluem humor deprimido, fadiga, alterações no sono e no apetite, ansiedade e sentimento de culpa.
“É importante diferenciar a depressão pós-parto do ‘baby blues’, que é mais leve, transitório e costuma se resolver sozinho em até 10 dias”, disse a médica. Segundo Ana Paula, entre as mulheres que apresentam algum grau de depressão pós-parto, cerca de 7% preenchem critérios para depressão maior. O estigma, no entanto, ainda impede o diagnóstico precoce em quase metade dos casos.
Um dos pontos que torna a zuranolona especialmente interessante é o seu mecanismo de ação. Enquanto os antidepressivos tradicionais (como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina) costumam levar de duas a 4 semanas para começar a agir, a zuranolona atua como moduladora dos receptores GABA tipo A. Esse mecanismo está relacionado ao equilíbrio químico cerebral e à regulação do humor, e tem sido investigado como uma via alternativa e promissora no tratamento de transtornos depressivos.
“A zuranolona é um neuroesteroide sintético que promove regulação rápida da atividade cerebral por meio do sistema GABAérgico. Isso é diferente dos inibidores da recaptação da serotonina, que atuam modulando a serotonina e exigem tratamento contínuo, muitas vezes por meses ou anos. Essa diferença abre caminho para uma resposta clínica mais veloz e com regime de curta duração”, disse a médica.
No Brasil, a zuranolona ainda não está disponível. Enquanto isso, o tratamento segue baseado em antidepressivos convencionais e psicoterapia. “A sertralina é a medicação de primeira escolha, porque tem um perfil de segurança robusto, baixa passagem para o leite materno e muitos anos de uso no pós-parto. Outras opções são citalopram, escitalopram e fluoxetina, mas esta última apresenta maiores riscos de efeitos adversos no bebê”, disse Ana Paula. Além disso, a psicoterapia também costuma ser eficaz.
Uma das preocupações levantadas no estudo foi a necessidade de suspender a amamentação durante o uso da zuranolona, já que ainda não há dados suficientes sobre sua segurança no leite materno. No entanto, a obstetra do Einstein reforça que a prioridade deve ser o cuidado com a saúde mental da mãe: “A amamentação é sempre um desafio adicional no puerpério, e a própria depressão pode ser causa de interrupção. O mais importante é iniciar o tratamento adequado, oferecer suporte e, sempre que possível, dar condições para que a paciente consiga manter o aleitamento”.
Para a especialista, o aspecto mais importante da zuranolona é a velocidade de resposta, já que, no contexto da depressão pós-parto, cada dia importa. A obstetra ressalta a importância de ampliar o arsenal terapêutico disponível: “Ter uma nova medicação que possa abreviar os sintomas da depressão pós-parto é um avanço enorme. Reestabelecer o vínculo mãe-bebê de forma rápida fortalece não apenas a saúde mental da mãe, mas também o desenvolvimento da criança”.
Com informações da Agência Einstein.