A presidente do STM (Supremo Tribunal Militar), Maria Elizabeth Rocha, tomou posse nesta 4ª feira (12.mar.2025). Em seu discurso, a ministra reforçou sua posição feminista e cobrou mais mulheres no Judiciário.
Maria Elizabeth é a única mulher entre os 346 ministros que já fizeram parte do STM. É a 1ª a assumir o comando da Corte Militar em seus 216 anos de existência.
A cerimônia contou com autoridades políticas e jurídicas, incluindo os presidentes dos Três Poderes: do Executivo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT); do Congresso, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP); e do Judiciário, Roberto Barroso.
“Sou feminista e me orgulho de ser mulher! Peço licença poética à Milton Nascimento e Lô Borges para dizer : “porque se chamavam mulheres, também se chamavam sonhos, e sonhos não envelhecem!”
“E nós, mulheres, temos um sonho: o sonho da igualdade! A Carta de 1988 nos emancipou graças a um renhido e diminuto grupo de parlamentares eleitas para o Congresso Nacional em 1986, que colaboraram para que as garantias femininas fossem fundamentalizadas. Resta-nos, agora, ressignificar nosso papel nas estruturas societárias.
“Lamentavelmente o Brasil é considerado, segundo o Índice Global de Disparidade de Gênero de 2024, um dos mais desiguais do mundo, ocupando o septuagésimo lugar. Isto reflete as mazelas de um Estado que ainda se esbate contra discriminações e preconceitos, herdados de uma estrutura patrimonialista-patriarcal.
“A despeito do evidente avanço legal, longo é o caminho para a construção de um país livre de constrangimentos e asfixias sociais. Conviver em uma sociedade na qual sejam superadas todas as formas de discriminação e opressão é um ideal civilizatório de convivência entre humanos, que reconhece talentos sem estereotipá-los com preconcebidas concepções sobre as representações de cada qual na comunidade política.
“Costumo dizer que se a deusa Themis desvendasse os olhos, encontraria poucas de seu gênero na Judicatura Pátria, notadamente nos tribunais ad quem e superiores. Aqui e ali, entre calvas circunspectas, barbas esbranquiçadas, ternos e gravatas, veria ela, em algumas poucas togas, traços femininos. E nestes traços, perceberia a força e a determinação das mulheres para ampliarem passagens muito mais estreitas do que a de seus colegas homens e para manterem-se combativas diante do patriarcado que impõem ostensivamente dificuldades e isolamentos.
“À vista deste cenário, cumpre-me clamar a adoção de programas de gestão fundados no reconhecimento e na ampliação dos direitos civis que privilegiem modos de ser e de viver distintos dos padrões androcêntricos.
“Não tenho dúvidas de que o ideário feminista se imbrica com o humanista quando buscam edificar um mundo sem constrangimentos. Um mundo que não afeta só as mulheres binárias, cisgêneros, hetero ou homossexuais, porque o gênero feminino não é sinônimo de sexagem. Ele diz respeito aos papéis historicamente construídos e suas violências específicas.
“A trajetória das alteridades reivindica mudanças e rende ensejo a interlocuções sobre o exercício contemporâneo da democracia cívica e republicana, dos direitos humanos em sentido lato no século XXI, do modo como o aparato estatal vem sendo exercido e de suas estratégias de inclusão.
“À evidência, a isonomia material pressupõe que as autonomias privadas não se submetam a crivos hierárquicos que, sob tal pretexto, conduzam a privilégios e restrições. A desigualação, quando permitida, mira a igualdade efetiva, sobrelevando distinções que no seu ponto de partida afetem, desfavoravelmente, o resultado dos pontos de chegada. Os segmentos minoritários esbatem-se, desde sempre, em um ambiente permeado por hostilidades e intolerâncias, a impor o rompimento das travas opostas à igualação. É este o projeto que buscarei implementar frente à Presidência do Superior Tribunal Militar, o qual se fundará sobre três pilares: transparência, reconhecimento identitário e defesa do Estado Democrático de Direito. E para concretizá-los, conto com a imprensa e os órgãos de comunicação, transmissores da informação correta e verdadeira, com os quais manterei diálogo sincero e claro.
“Tenho consciência de que a eliminação real e simbólica da violência, ao lado do silenciamento e da invisibilidade dos indivíduos considerados heterogêneos e, consequentemente, indesejados, não é natural, mas proveniente de um construto social. Assim, para que grupos proposital e historicamente isolados integrem a comunitas, fundamental o respeito às alteridades. Afinal, a simetria jurídica, clausulada como pétrea na Carta Política, apresenta-se como um viés da não dominação ou da não submissão, implicando numa visão crítica sobre a condição humana. Em um contexto de legitimidade, sua concretização não pode ser considerada válida se alija e menoscaba a participação daqueles em situação concreta de vulnerabilidade díspar, como é o caso das mulheres, dos afrodescendentes, dos indígenas, da população LGBTQIAP+, dos hipossuficientes, dentre outros segmentos populacionais e de classe.
“E é por esta razão que o feminismo contemporâneo, o qual professo, desafia as velhas estruturas dogmáticas e faz prevalecer as experiências múltiplas e intersecionais do gênero feminino, que devem ser elastecidas a todos indivíduos, refutando a noção unitária de identidade como categoria única e universal.
“As vivências pessoais e coletivas são afetadas pelos sistemas de opressão relacionados. Para se entender como as dissemelhanças distópicas ocorrem em uma base multidimensional e criam múltiplas formas ilegítimas de sufocamento, imperioso considerar os critérios identificadores de subordinação em contextos que nada têm de neutro ou natural, ainda que cotidianos.
“A universalidade é ilusória! Somos todos distintos! E as individualidades diversas, neste primeiro quartel do milênio, reivindicam uma “política extensiva de reconhecimento”, um mundo amigo da diferença, no qual a assimilação à maioria ou às normas culturais dominantes privilegiem a tolerância e o respeito.
“A aspiração da liberdade tornou-me advogada e é a cadeira destinada à advocacia a que ora ocupo no STM. Mas, não se iludam, se hoje carrego a toga nos ombros, jamais despi a beca da alma.
“Quixotes Modernos, diria meu falecido pai, a saga dos advogados que levei para a Magistratura, não é feita de exaltação épica nem de vitórias gloriosas, mas de derrotas positivas, dessas que prescrutam a antevisão de um mundo novo, quando caminham à frente, dando o sinal de alarme. Guerreiros profissionais, têm eles o foro por campo de luta! Grandiosa é sua saga! Privilégio e dever!
“Como privilégio e dever é a missão dos que trajam a farda! Fiz questão, nesta posse, de o hino nacional ser cantando em idioma Tikuna como uma homenagem às Forças Armadas. Explico a razão. A primeira vez que o ouvi foi em Yauaretê, distrito de São Gabriel da Cachoeira, localizado no maravilhoso Estado do Amazonas, que o adotou como língua cooficial. Ouvi-o entoado por crianças indígenas, ao visitar o 1º Pelotão Especial de Fronteira instalado no local, em junho de 1988. Até aquele ano, os povos tradicionais que lá residiam autoconsideravam-se colombianos. A imersão no sentimento de brasilidade e pertencimento foi-lhes descortinado pelos militares; resultado da missão sublime de irmanar todos os brasileiros, que transcende a defesa da Pátria. São eles que levam aos rincões deste território continental a presença e o apoio do Estado, propiciando a plenitude da nacionalidade.
“As Forças Armadas, esquadrinhadas pela Constituição cidadã, defendem a soberania da Nação e a segurança do regime democrático quando o espectro dos conflitos internos e externos atinge o grau de gravidade máxima, dando destaque à cadeia de comando, à hierarquia e à disciplina. E se estes princípios magnos se romperem, a Justiça Castrense Federal, a mais antiga do Brasil, é chamada a intervir. Uma Justiça cuja longevidade remonta a 1808, a descortinar sua importância, pretérita e presente, como Jurisdição Penal Especializada.
“Nasci nas Minas Gerais, e nós mineiros formamos uma espécie de confraria de sonhadores, herdeiros dos conjurados, que remontam à antiga Vila Rica e à Inconfidência propagada no estro dos poetas, na sermonística dos padres, nos conciábulos dos bacharéis de direito, na dor dos escravizados, nos sussurros dos homens do povo, na loquacidade temerária de um Alferes de Cavalaria, cujo martírio inauguraria as lutas contra a repressão colonial. “Libertas quae sera tamen” .
“De lá parti aos 25 anos, mas Minas jamais partiu de mim. Não perdi o sotaque –uma linguística única segundo Drumond– muito menos as amizades! Amizades de infância, compartilhadas nos muros do Sacré-Couer quando vestíamos uniformes, ouvíamos o Clube da Esquina, frequentávamos o Minas Tênis Clube e assistíamos filmes de arte no extinto Cine Pathé! Quantas saudades, cantaria Tavito! Vieram os novos amigos, que logo se tornam antigos, e a todos eles presentes nesta solenidade ou no coração, o meu afeto! Eu os guardo no lado esquerdo do peito.
“E falando em amigos, quero agradecer particularmente a um deles que tanto se empenhou em favor da indicação do meu nome para o honroso cargo de ministro do Superior Tribunal Militar: Gilberto Carvalho. Meu estimado companheiro, seu apoio selou o meu destino e mudou minha trajetória. Minha gratidão! Gratidão que se estende ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quem me indicou e nomeou no dia internacional da mulher, em seu segundo mandato no ano de 2007 e, agora novamente neste simbólico dia, repetiu o feito indicando a Dra. Verônica Stterman.
“Meu querido presidente Lula, a magistratura feminina o aplaude e permanece esperançosa de que as mulheres continuem sendo indicadas não apenas para o Poder Judiciário, mas para todos os espaços de participação política e jurídica.
“Dra. Verônica, estou segura que sua juventude aliada ao seu vasto conhecimento jurídico, consolidados em duas décadas de advocacia criminal, muito contribuirão para o engrandecimento do Superior Tribunal Militar. V.Exa. será muito bem-vinda!
“Mas se as amizades dão sentido à existência, imaginem o amor! Desposei um príncipe Shakespeariano, Romeu, luz dos meus olhos, parceiro de jornada. Fui abençoada, graças a ele, com 3 filhos maravilhosos –Flávia, Rodrigo e Cristiane– com 3 cunhadas, verdadeiras irmãs –Lúcia, Patrícia e Ângela– com uma 2ª mãe amadíssima –Dinah– e com uma família extraordinária, como os primos Juçara e Gustavo!
“Me declaro a você publicamente Romeu e te digo que o seu amor me sustenta, me fortalece e me encoraja! O seu senso de humor me alegra e a sua inteligência me fascina! Dou de mim o testemunho de sempre ter me sentido amada, respeitada e valorizada por você ao longo destes breves 35 anos de união de almas, pois a felicidade é um sopro! Não existem palavras para enaltecer tudo o que você fez pela minha mãe. Uma vida é pouco para tanto sentimento!
“Meu tributo de amor e gratidão o estendo, igualmente, à minha família. Aos meus pais em 1º lugar. Do meu pai, advogado atuante, que mourejou nas tribunas judiciais em favor dos desvalidos e lutou pela redemocratização do Brasil, herdei a coragem da resistência. Com ele aprendi a força do verbo e da pena. Da minha mãe, herdei a bravura das mulheres e dela recebi um amor divino! Ao longo de minha vida, sempre me manteve no caminho da verdade e do bem, me construiu e reconstruiu com a dedicação, paciência e o desprendimento que só a maternidade abraça e me tornou quem eu sou. Aprendi, com ela, a importância da elegância em todos os sentidos. A perdi recentemente, em seus gloriosos 101 anos de idade, e a dor da saudade é avassaladora! Tenho certeza de que espiritualmente ela está presente nesta cerimônia, porque mãe é eternidade! Esta Presidência, minha mãe amada, eu a dedico a você! Minha inspiração e minha estrela guia! Que sua alma descanse em paz!
“Agradeço, também, ao meu único irmão, Adherbal, ou como o trato desde a infância: Derbal. Tê-lo ao meu lado nos momentos de alegria e tristeza, é um conforto para minha alma e um refúgio para minha existência. Estamos permanentemente unidos pelo sangue e pela força do amor!
“Aos meus queridos primos e primas, com os quais compartilhei e compartilho uma ligação afetiva de vida inteira, agora estendida à segunda geração da família, o meu carinho.
“Ao meu gabinete, que me acompanha nestes 18 anos de Tribunal: Regina, Alê, Michel, Antonio, Naiara, Helguinha, Carlos Davis, Celinha, Seu Odair, Szopa, Ferreira, Matheus. Alceu, Priscila, Cynthia, Daniel, Gabriela, Mariana, assessores, fotógrafos, motoristas, estagiários, ex-alunos e filhos afetivos, dentre tantos outros amigos que lá estão ou estiveram, o meu bem haja. Vocês são meu esteio e meu suporte!
“Agradeço penhoradamente ao maestro Cláudio Coehn que me apresentou a consagrada pianista Virginia Hogan, quem generosamente emprestou seu virtuosismo para tornar uma cerimônia oficial em celestial, e emocionou os presentes, ao lado da pianista Galina Besner, do violoncelista Rodolfo Borges e dos cantores líricos: o tenor Artur Felix e as sopranos Ada Kellen e Ariadna Moreira, muitíssimo obrigada!
“À cantora Djuena Tikuna, que nos encantou com a voz da floresta e as belas artes dos povos originários, foi uma privilégio ouvi-la cantar!
“À subsecretária do Patrimônio Cultural do governo do Distrito Federal, na pessoa do Dr. Felipe Ramón, que cedeu sem ônus essa magnífica sala Martins Pena para que eu pudesse tomar posse, agradeço em meu nome e no da Justiça Militar da União ter-nos possibilitado conectar a Justiça à cultura, herança universal dos povos.
“Mas ainda tenho muito a agradecer, por isso peço paciência! Ministro Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, sua despedida da magistratura representou para mim um doloroso adeus! V.Exa foi um juiz que enobreceu a toga e dignificou o pretório! Autor da Constituinte exclusiva quando parlamentar, seu vigor cívico exalta a dimensão moral de um homem livre, que ao nascer, um anjo torto soprou-lhe nos ouvidos: Vai, Flávio, ser gauche na vida! Sua primorosa inteligência, que cintila na brilhante oratória e notável saber, sempre me serviu de bússola. Agradeço, meu amigo, sensibilizada, as suas palavras e a sua presença nesta posse. Ouvi-lo saudar-me, após 18 anos do meu ingresso no STM, reaviva meu espírito e sobreleva a admiração pelo ministro no qual sempre me inspirei!
“Minha querida conselheira Clea Carpi, que hoje aniversaria e cuja trajetória de vida se confunde com a da própria Ordem dos Advogados do Brasil, Escola da Cidadania Brasileira. Tive a honra de ser saudada por V.Exa quando me empossei no cargo de ministra 18 anos atrás e, agora, como Presidente. Agradeço o discurso, fruto de sua generosidade, e ao parabenizá-la pelo dia de hoje, parabenizo sua ética, sua marcha em prol da democracia, seu exemplo de mulher. Na qualidade de advogada destacada, V.Exa é modelo de dedicação ao Direito, escudo de proteção que nos ampara em todos os tempos e sob qualquer circunstância.
“Dr. Clauro Roberto de Bortoli, nobre representante do Ministério Público Militar, meus agradecimentos pela saudação. Indelével a importância do Parquet Castrense, seja como custus legis ou dominus litis em sua competência de promover a ação penal incondicionada. Não fosse a atuação dos procuradores e subprocuradores militares presenciaríamos o desabrigo das violações aos pilares das Forças Armadas. O dever profissional exercido por V.Exa e seus ilustres colegas na tribuna criminal da jurisdição especializada, salvaguarda o ethos castrense e regenera a República. Minha exaltação a esta respeitável Instituição!
“Alfim, nesta solenidade tradicional, reservo um último e contundente agradecimento. Expresso do fundo da alma meu profundo reconhecimento aos colegas que me elegeram, e o faço em nome do ministro Artur Vidigal de Oliveira. Vossas Exas, com seus votos de confiança, filogenia e inclusão, chancelaram minha biografia. Não só a minha, mas a de todas as mulheres. Ministro Artur, a magnanimidade de suas palavras, hoje e no dia de minha eleição, sempre em mim ecoarão pela generosidade, desambição e altruísmo que me dispensou. Muito obrigada estimados colegas! Prometo não os decepcionar na relevante missão de presidir esta bicentenária Corte de Justiça!
“Eu finalizo parafraseando a presidente do México, em seu discurso de posse como Chefe de Estado, Claúdia Sheinbaum: “não cheguei sozinha, chegamos juntas”. Porque quando sonhamos sós, só sonhamos; mas quando sonhamos juntas fazemos História! E hoje, nós mulheres, estamos fazendo! Vamos sorrir!
“Muito obrigada!”