A economia brasileira dá sinais de uma desaceleração mais intensa. Dados de indústria, comércio, serviços e emprego, divulgados na última semana, mostram uma perda de fôlego generalizada da atividade econômica.
O motivo central, segundo analistas, é o aperto monetário promovido pelo BC (Banco Central) para conter a inflação, que mantém a taxa básica de juros, a Selic, em 15% ao ano. O remédio para controlar os preços, sem perspectiva de alívio neste ano, cobra seu preço com a retração do consumo das famílias, um freio na produção industrial e um mercado de trabalho menos aquecido.
O retrato do desaquecimento é composto por peças que se encaixam:
A análise de economistas ouvidos pelo Poder360 indica que o efeito dos juros altos ainda não foi totalmente absorvido e o cenário deve permanecer desafiador até 2026, quando se espera o início de um ciclo de cortes na Selic.
A estratégia do BC visa a colocar a inflação na meta, de 3% ao ano, com teto de 4,5%. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado em 12 meses até agosto marcou 5,13%, muito acima do limite. A autoridade monetária já indicou que deve manter a política contracionista por um “período prolongado”.
O setor de comércio varejista, um termômetro direto do consumo das famílias, acendeu um alerta. As vendas caíram 0,3% em julho na comparação com junho, registrando a 4ª retração mensal consecutiva, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Para Fabio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a sequência de quedas é um fato preocupante.
“Isso só ocorreu duas vezes desde que o IBGE passou a fazer essa pesquisa em 2000: em julho de 2001, na crise do apagão, e em setembro de 2015, naquela recessão terrível. A economia não está em recessão, está em desaceleração, mas o registro dessa 4ª queda seguida escancara e evidencia o peso que a maior taxa básica de juros em 20 anos está produzindo sobre o nível de atividade”, diz Bentes.
A comparação anual, embora ainda positiva em 1% sobre julho de 2024, também mostra perda de ritmo. O economista da CNC cita outro fator que pressiona o consumo: o endividamento recorde. “Pesquisa da CNC registrou em agosto o recorde histórico da inadimplência no Brasil, em 15 anos. Nunca tínhamos observado uma quantidade de brasileiros sem condições de pagar suas dívidas, quase 13%”, declara.
A professora Marisa Rossignoli, conselheira do Corecon-SP (Conselho Regional de Economia de São Paulo) e professora da Unimar (Universidade de Marília), reforça a análise: “A ata do Copom também trouxe a questão do nível de endividamento familiar, que está alto. A dívida acumulada pelas famílias é uma dívida alta”.
O setor de serviços, que tem mais peso no PIB (produto interno bruto), tende a ser mais resiliente aos juros, mas também opera em ritmo modesto. As previsões para o resultado de julho apontam para uma alta tímida, de cerca de 2,6% na comparação anual. Em julho, subiu 0,3% em julho ante junho, na série com ajuste sazonal.
Na indústria, os dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria) de julho mostraram estabilidade no faturamento e nas horas trabalhadas. O indicador mais sensível ao momento econômico, contudo, foi a UCI (Utilização da Capacidade Instalada), que recuou para 78,2%.
A queda sinaliza que as empresas estão produzindo menos para não acumular estoques diante de uma demanda mais fraca. Para a professora Rossignoli, essa cautela se reflete no mercado de trabalho.
Depois de um período de forte aquecimento, a criação de vagas formais desacelerou bruscamente. O Brasil abriu 129.775 empregos com carteira assinada em julho –queda de 32,2% em relação ao mesmo mês de 2024, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).
Foi o pior resultado para o mês desde 2020. Além de menos vagas, o salário médio de admissão teve queda real de 0,05% na comparação anual, para R$ 2.277,51.
Com a inflação anual ainda acima do teto da meta, a sinalização do BC e a avaliação dos especialistas é de que não há espaço para cortes na Selic em 2025. A expectativa do mercado financeiro, expressa no Boletim Focus, é que a taxa termine o ano nos mesmos 15%, com o 1º corte apenas no final de janeiro de 2026.
“O Banco Central, nas atas, já sinalizou que vamos permanecer com esse juro apertado por um período razoavelmente prolongado. E quanto mais prolongado for esse aperto, maior tende a ser essa desaceleração”, avalia Fabio Bentes.
Marisa Rossignoli concorda: “Vamos viver essa desaceleração, mas infelizmente, com uma taxa de juros elevada”.
Segundo a conselheira, mesmo o tradicional movimento de vendas de fim de ano, impulsionado pelo 13º salário, será apenas um “fôlego” durante um ciclo de crescimento menor. “A ata do Copom deixa claro que esses juros continuam até o final do ano. A inflação ainda deve fechar acima do que erad a meta, o que justifica terminarmos o ano com a Selic em 15% ao ano”, diz.
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