Robôs, alienígenas, IAs e máquinas. Estes são os primeiros termos que vem à mente ao se falar sobre uma obra de . As tramas muitas vezes recorrem a um universo mais apocalíptico, ou se ambientam em futuros pautados pelas mazelas do homem provenientes das próprias criações. Apesar de muito associadas ao cinema, elas estão presentes em várias áreas artísticas, como na .
O professor Danglei de Castro Pereira, do Departamento de Teorias Literárias e Literaturas da Universidade de Brasília (UnB), explica o que determina uma história ser de fato uma ficção científica.
“São narrativas que tangenciam a realidade. Tem traços, claro, dessa realidade, mas que vão apresentar personagens, às vezes cenários e espaços que se distanciam da perspectiva da realidade imediata”, explica o professor.
O gênero, como um todo, que aborda setores artísticos como a literatura, a televisão e o cinema, reflete histórias pautadas em ideais — muitas vezes futurísticos — que passam muito pela potência científica do interesse por ciência em vários países.
É por isso, segundo Simplício Neto, professor do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM, que desde o século XX as principais produções do gênero têm um grande foco nos Estados Unidos. “A bomba atômica, o computador, foram feitos nos Estados Unidos (EUA) [do século XX], e lá também vão ter muitos livros para um público muito interessado, vai ter investimento em ciência muito grande”, explica.
Leia também
Brasil em foco na ficção científica
Apesar de ser um gênero muito explorado nos EUA — capitaneado em maioria pelo cinema, mas com forte presença na literatura —, a ficção científica também tem base no solo brasileiro.
Mesmo com fortes , as histórias brasileiras de ficção usam e abusam da cultura brasileira e visões de mundo que não necessariamente corroboram com o visto fora do país.

4 imagens



Fechar modal.

![]()
1 de 4 Livros de Ficção Científica Arte/Metrópoles
![]()
2 de 4 O Céu entre mundos, de Sandra Menezes (Ed. Malê) Divulgação
![]()
3 de 4 Soundtrack, de Guilherme Match e Rashid Mc (Ed. JBC) Divulgação
![]()
4 de 4 Odisseia Temporal, de Thiago Phz Divulgação
Conheça a fundo alguns livros brasileiros de Ficção científica
A Vida e as Mortes de Severino Olho de Dendê
Não tinha como não ser uma obra brasileira com um título tão repleto de referências. , de Ian Fraser, é uma das obras de ficção científica mais conhecidas no país.
A trama se passa em uma galáxia distante, no ano de 2577, e acompanha Severino Olho de Dendê. Ele é um investigador particular que, no lugar do olho esquerdo, tem um artefato tecnológico que lhe permite ver os últimos momentos de uma pessoa logo antes de morrer.

Ian Fraser, autor de A vida e as mortes de Severino Olho de Dendê
Além das claras referências no título da obra, o autor conta que desde a criação da obra ele pensava em como o imaginário coletivo sobre o espaço sideral sempre é influenciado por obras estrangeiras.
“Esse espaço é colonizado, esse espaço fala inglês e defende ideais estadunidenses. Então, uma vez que essa perspectiva se tornou óbvia e problemática, a ideia era construir uma narrativa que desconstruísse esse imaginário. Nasce assim, a ideia de cangaceiros no espaço, nasce a ideia de alienígena falando oxente, um robô carranca e uma capivara geneticamente modificada”, explicou o autor ao Metrópoles.
Além da construção narrativa ter inspiração direta em elementos da cultura brasileira, a obra também conta com outras referências como canções populares da MPB, fitinhas do Senhor do Bonfim, o acarajé e até mesmo um cruzeiro espacial que é a manifestação sideral do Festival Folclórico de Parintins, segundo revela o autor.
“As referências também se espalham no projeto gráfico da obra, com cordéis e artes inspirados no movimento armorial”, destaca.
Ligeiramente Fora da Órbita
Pedro Aguilera, autor de Ligeiramente Fora da Órbita (Ed. Rocco), conta que, mesmo com uma história ambientada no espaço, ele trouxe vários elementos brasileiros para a trama do livro.
“A maior parte da história se passa fora da Terra, mas a protagonista é brasileira. Sua infância aqui nos anos 1990 foi marcada pelo ET de Varginha e pela autópsia falsa do ET passando no Fantástico domingo à noite. E também há um pouco relacionado ao primeiro astronauta brasileiro — e a infeliz trajetória subsequente de ministro, senador e garoto propaganda de travesseiros, que, apesar do nome, não tinham nada a ver com a NASA”, conta.

Pedro Aguilera, autor de Ligeiramente Fora de Órbita
O livro acompanha a personagem Rebeca, que sempre sonhou em ir para o espaço. Sem conseguir passar em processos de seleção, ela acaba sendo chamada para analisar gravações da equipe que está na Terceira Estação Espacial Internacional. É nesse contexto que Rebeca vê a chance de executar algumas manobras políticas — além de algumas manipulações psicológicas — e se infiltrar no time designado para ir até a estação investigar a situação.
O Último Ancestral
Assíduo leitor de ficção científica, Ale Santos usou deste amor pelo gênero, somado ao movimento Cyberpunk e jogos de RPG, para construir o livro O Último Ancestral (Ed. Harper Collins Brasil).

Ale Santos, escritor de O Último Ancestral
Com elementos do chamado afrofuturismo, a obra mergulha em Obambo, favela localizada na periferia do Distrito de Nagast, para onde quase toda a população negra foi exilada quando os Cygens — híbridos de homens e máquinas — tomaram o poder. Por lá, estabeleceram uma forte política de segregação racial e proibiram o uso da magia, a propagação da fé e o culto aos deuses.
É nesse local que mora Eliah, um jovem que busca no esquema de roubo de carros uma vida melhor para si e para a irmã, Hanna, uma adolescente autodidata em linguagens eletrônicas. Porém, ele vê a vida mudar completamente ao descobrir que carrega em si o espírito do Último Ancestral, entidade poderosa capaz de salvar os obambos.
O autor também apostou em trazer elementos mais complexos e atuais sobre o Brasil para discutir na obra. “No meu cenário você vai encontrar, por exemplo, coisas que tem a ver com a religiosidade brasileira, com a história brasileira, como a gente é impactado pelo sincretismo religioso”, detalha.
Além disso, a obra tem elementos da vivência em um mesmo universo entre homens e máquinas influenciando a ancestralidade e a espiritualidade do povo.
Movimento 78
Com uma trama que visava discutir os riscos da Inteligência Artificial, Flávio Izhaki apresenta em Movimento 78 (Ed. Companhia das Letras) a história de Seiji Kubo.
O personagem acaba de participar de um Seiji Kubo, se sente cada vez mais nervoso e não consegue aceitar as sugestões do assessor sem uma dose de dúvida, já que ele é, assim como seu adversário, uma inteligência artificial.
Se passando no fim do século XXI, no Brasil, a trama e o personagem principal constroem uma narrativa para mostrar os perigos que um governo baseado em equações matemáticas pode acarretar.
“Fiz questão de trazer a narrativa para o Brasil para mostrar como essa percepção não dá conta da realidade. Então as personagens são brasileiras, as situações se desenrolam aqui, as características das nossas relações sociais estão impregnadas no livro”, explica.
O autor pondera, entretanto, que as distopias, termo que prefere para ser usado com o livro, não ficam presas em fronteiras de países. “As fronteiras, de fato, não dão conta do mundo atual, embora o nacionalismo esteja vicejando em muitos países. As grandes discussões de meio-ambiente, emprego, tecnologia e sociedade são transnacionais”, completa.
E o futuro da ficção científica?
Apesar de ser um gênero difundido e muito conhecido, a ficção científica está sempre em mudança. As mudanças vão desde o século XIX, quando o gênero era conhecido como auto fantasia e depois, somente no século XX, passou a abordar temáticas da tecnologia, segundo explica o professor Danglei de Castro Pereira.
Entretanto, nem mesmo essa denominação parece se manter nos dias atuais. Simplício Neto destaca que existem discussões para que o gênero seja conhecido como “ficção especulativa”, visto que as obras “não necessariamente terão algo só baseado em ciência, mas sim em especulação sobre o futuro”.
Outros debates sobre obras que abordam a urgência climática, mesmo em contextos futurísticos e pós-apocalípticos, nem sempre agradam a todos os especialistas. O termo Cli-Fi, vindo de Sci-Fi, se refere a Ficção Climática e que vem ganhando força como uma espécie de subgênero da ficção.
Confira mais conteúdos de entretenimento no perfil do Metrópoles no YouTube: