Uma bactéria isolada de solos áridos do Ceará acaba de virar o ingrediente principal de uma tecnologia contra a seca que promete melhorar o desempenho das lavouras brasileiras. Batizado de Hydratus, o inoculante desenvolvido pela Embrapa Milho e Sorgo (MG) em parceria com a empresa Bioma já tem registro no Ministério da Agricultura e Pecuária para uso na cultura da soja e vem sendo testado para aplicação em outras culturas.
Produzido com a bactéria Bacillus subtilis, o Hydratus foi formulado para proteger as plantas em condições de escassez hídrica e ainda estimular seu crescimento. Ele também é capaz de melhorar o desempenho de lavouras irrigadas. Estudos em áreas comerciais mostraram aumento de até 7,7 sacas por hectare na produção de milho e 4,8 sacas por hectare em lavouras de soja tratadas com o bioproduto.
O diferencial do Hydratus está na seleção e concentração elevada de células de Bacillus, aliada a uma formulação inovadora com agentes protetores que favorecem a sobrevivência da bactéria no solo e prolongam a meia-vida do produto na prateleira.
Nos testes em laboratório, o microrganismo mostrou potencial de produção de fitohormônios, que alteram a morfologia e aumentam o tamanho das raízes, mecanismos fundamentais para adaptação à seca. É por esse motivo que as plantas acabam crescendo mais e apresentando desenvolvimento mais robusto com a aplicação do produto.
Testes de campo, em diferentes condições de solo e clima, mostraram que a inoculação da estirpe B. subtilis 1A11 incrementou a produção de soja e milho em 4,8 e 7,7 sacas por hectare, respectivamente, na média de 30 áreas comerciais.
O lançamento do Hydratus se dá em um momento importante. O cenário atual de mudanças climáticas tem afetado a intensidade e regularidade das chuvas, levando a flutuações na temperatura e aumentando a incidência de secas, fatores que interferem na produtividade agrícola.
A ideia original da pesquisa, iniciada há 8 anos, foi explorar a diversidade brasileira de microrganismos visando isolar, identificar e caracterizar microrganismos capazes de contribuir para aumentar a adaptação de plantas a períodos intermitentes de deficit hídrico e, ao mesmo tempo, atuar como promotores de crescimento de plantas.
Em 2017, foram coletadas as amostras de solo em regiões áridas do Ceará. Das 414 estirpes bacterianas isoladas, 28 demonstraram capacidade de sobreviver em meio de cultura com baixa disponibilidade de água. Entre elas, a estirpe 1A11 foi eficiente na produção de exopolissacarídeos (EPS).
“Os EPS são polímeros extracelulares de carboidratos complexos que auxiliam na adesão celular, proteção contra estresses ambientais e interações com o ambiente, formando uma camada de proteção ao redor das células, reduzindo a perda de água pelas plantas”, diz a pesquisadora Eliane Gomes.
Ela conta que alguns microrganismos evoluíram, adaptaram ou desenvolveram naturalmente mecanismos de tolerância à escassez hídrica.
“Diferentes exemplos de bactérias tolerantes à seca já foram descritos na literatura. Neste projeto, essas bactérias de solos foram isoladas de áreas sob baixa precipitação e selecionadas aquelas que apresentaram mecanismos de tolerância à seca em laboratório”, afirma.
A cientista conta que também foi avaliada a eficiência dessas bactérias em se associar as plantas. Nessas análises, o isolado de B. subtilis 1A11 apresentou os melhores resultados em associação com as plantas em condições de menor disponibilidade de água.
A etapa seguinte, conduzida pela pesquisadora Sylvia Morais de Sousa Tinoco, foi a avaliação da associação da bactéria com as raízes das plantas, por meio da inoculação em sementes de milho.
As plantas foram cultivadas em condições de hidroponia, sob estresse osmótico induzido. Os resultados indicaram que a inoculação com a B. subtilis resultou em aumento significativo do comprimento das raízes e da atividade fotossintética, além de maior acúmulo de biomassa.
Outro trabalho importante para o desenvolvimento do produto foi o sequenciamento genômico da estirpe, coordenado por Ubiraci Gomes de Paula Lana. Com ele, confirmou-se a identificação taxonômica da bactéria e foi possível encontrar genes associados à promoção de crescimento de plantas, à resposta a estresse oxidativo e osmótico, além da produção de compostos voláteis, que podem promover o aumento de tolerância à seca em plantas.
Por meio de um acordo de cooperação técnica, em 2021 a cepa foi transferida da Embrapa para a Bioma, que desenvolveu a formulação ideal para compor o inoculante. A empresa submeteu o produto a testes de campo em larga escala e deu o nome comercial de Hydratus.
“Essa tecnologia chega como um grande suporte para os agricultores que lidam com os desafios crescentes das mudanças climáticas”, afirma o chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia em exercício da Embrapa Milho e Sorgo, Alexandre Ferreira da Silva.
“Com um olhar atento ao estresse hídrico, uma realidade que impacta cada vez mais as lavouras, essa inovação promete otimizar a produtividade e tornar a agricultura ainda mais sustentável. É uma contribuição que vai além das fazendas, conectando-se diretamente às discussões mundiais sobre como tornar nossa produção agrícola mais resiliente frente ao cenário de mudanças climáticas e garantir a alimentação de todos”, diz o gestor da Embrapa.
“Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que a média anual de chuvas aumentou em algumas partes do País, enquanto em outras regiões estão caminhando na direção oposta. Nesse contexto, o Hydratus reduz os efeitos negativos da escassez de água sobre as plantas, ou seja, mantém a produtividade mesmo em condições ambientais desfavoráveis, quando não chove ou quando chove além do esperado”, diz o diretor de Pesquisa da Bioma, Artur Soares, que também chama a atenção para a sustentabilidade promovida pelo bioinsumo: “o Hydratus aumenta a eficácia do uso da água na propriedade”.
Com informações da Agência Embrapa.