O Piauí tornou-se o 1º território do continente americano a incluir a IA (inteligência artificial) como disciplina obrigatória no ensino médio e no 9º ano do ensino fundamental. A medida, implementada em 2024, coloca o Estado ao lado de países como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e China, que já adotaram iniciativas semelhantes, e rendeu reconhecimento internacional da Unesco.
De acordo com o professor Rogério de Almeida, da Faculdade de Educação da USP, o caso do Piauí representa “um marco importante na disputa por espaço dentro do currículo escolar”. Ele explica que incluir uma nova disciplina envolve debates sobre formação docente, infraestrutura e políticas públicas.
“O Piauí é o único Estado brasileiro, e o terceiro no mundo, a ter uma iniciativa desse tipo”, destaca. “Isso exige capacitação de professores e uma reflexão ética sobre o uso da tecnologia nas escolas.”
O professor aponta que o principal desafio da medida está na formação de professores. “Não existe ainda o docente formado especificamente em IA. A maioria vem de outras áreas e passa por cursos de formação continuada”, explica. Além disso, questões como acesso à internet, infraestrutura escolar e governança de dados são fundamentais. “É preciso garantir dispositivos, conectividade e políticas de privacidade que evitem desigualdades e riscos à segurança dos estudantes”, afirma.
Outro ponto de atenção é o uso das plataformas digitais. Almeida ressalta que muitas delas pertencem a grandes empresas de tecnologia, o que pode produzir dependência e levantar preocupações sobre a gestão de dados sensíveis. “As plataformas sempre trazem uma assinatura, uma big tech por trás. É preciso avaliar riscos e garantir que a IA seja usada de forma ética, sem comprometer a privacidade dos alunos.”
Segundo o professor, a inserção da disciplina também levanta um debate sobre quais temas ficam de fora do currículo. “A entrada da IA traz uma discussão sobre a prioridade de certos conteúdos em detrimento de outros igualmente importantes, como a história e cultura afro-brasileira e indígena, que são temas transversais, mas não obrigatórios”, observa.
Ele enfatiza que a IA deve ser utilizada como uma ferramenta assistente, e não como substituto do professor ou da atividade do estudante. “O objetivo é formar jovens com pensamento crítico, capazes de compreender os riscos e potencialidades da tecnologia. A IA pode apoiar o processo de ensino e pesquisa, mas nunca substituir o trabalho humano”, alerta.
O caso do Piauí, segundo Almeida, pode servir de laboratório para outras redes de ensino. “O Estado se torna um projeto piloto que pode inspirar políticas semelhantes em outros Estados e países, desde que avaliados os resultados e respeitados os cuidados éticos e pedagógicos”, explica.
Ele reforça que a adoção da IA nas escolas ainda é recente —o uso generalizado da tecnologia começou em 2023—, e por isso é necessário avaliar os impactos antes de expandir a iniciativa. “A velocidade com que a IA se expandiu requer cautela. É uma experiência válida, desde que não precarize o trabalho docente e contribua para o aprimoramento dos processos educativos.”
Para Almeida, o ensino de IA deve ser visto como parte de uma formação integral e ética. “Mais do que aprender a usar ferramentas tecnológicas, trata-se de formar cidadãos capazes de entender o papel da inteligência artificial na sociedade e de usá-la de forma crítica”, conclui.
A experiência do Piauí, reconhecida pela Unesco, marca um passo inédito na integração entre educação, tecnologia e responsabilidade social, apontando caminhos para um ensino público mais conectado com os desafios do século 21.
Com informações da USP.





