Escolha política
O documento lançado esta semana pela Unaids reforça as evidências de que as desigualdades e determinantes sociais têm grande impacto no desenvolvimento de pandemias. Os altos níveis de desigualdade favorecem a ocorrência e a disseminação de surtos e dificultam as respostas nacionais e internacionais, tornando as pandemias mais longas, letais e disruptivas. Baseado em dois anos de pesquisas e encontros realizados em diferentes países, o relatório aponta também que as pandemias ampliam as desigualdades, "alimentando um ciclo perverso que se repetiu em crises como a da Covid-19, da Aids, do Ebola, da Influenza, da Mpox, entre outras".Nísia Trindade, ex-ministra da Saúde do governo Lula, ex-presidente e pesquisadora da Fiocruz, contribuiu com o relatório e escreveu um artigo sobre o tema. De acordo com ela, o documento mostra que as desigualdades não são apenas resultado das crises sanitárias, mas ajudam a torná-las mais frequentes, letais e prolongadas.“A desigualdade não é inevitável. É uma escolha política - e uma escolha perigosa, que ameaça a saúde de todos. Quem se preocupa com o impacto das pandemias precisa se preocupar com a desigualdade. Os líderes podem quebrar esse ciclo aplicando as soluções políticas apresentadas neste relatório”, declarou Monica Geingos, ex-primeira-dama da Namíbia e integrante do conselho.
Para a pesquisadora da Fiocruz, "educação, renda, moradia e condições ambientais definem os grupos mais atingidos pelas emergências". "Pessoas sem educação básica tiveram probabilidade até três vezes maior de morrer por Covid-19 do que aquelas com ensino superior. Populações negras, indígenas e residentes em favelas e periferias também registraram taxas mais altas de infecção e de morte." Em seu artigo, Nísia afirma ainda que a desigualdade gerada pelas pandemias atinge forte mente as mulheres, especialmente as pretas, que enfrentam "perdas de emprego e elevação alarmante da mortalidade materna, que saltou de 57,9 óbitos/100 mil nascidos vivos em 2019 para 110 em 2021, sendo 194,8 entre mulheres pretas"."As evidências reunidas revelam o círculo vicioso: desigualdades internas e globais ampliam a vulnerabilidade das sociedades. E pandemias reforçam essas mesmas desigualdades, dinâmica vista em emergências como as de Covid-19, HIV/Aids, Ebola, Influenza e Mpox", destacou Nísia.
Brasília (16/12/2025) - Diretora executiva do UNAIDS, Winnie Byanyima, e a ex-ministra da Saúde e pesquisadora da Fiocruz, Nísia Trindiade, durante a 57ª Reunião da Junta de Coordenação do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). Fotos: UNAIDS Brasil/Kayo Oliveira
Vulnerabilidade
Segundo o estudo, níveis elevados de desigualdade, entre países aumentam a vulnerabilidade global e fazem com que pandemias durem mais e causem mais mortes. Essas pandemias aumentam as desigualdades. Na prática, o risco de morte em pandemias é maior em sociedades mais desiguais, enquanto a diminuição de índices de pobreza é um fator determinante para o aumento da resiliência de comunidades ao avanço de epidemias e pandemias. Os últimos cinco anos aprofundaram essas diferenças, principalmente entre países. A pandemia da Covid-19 levou a um momento de concentração de renda e agora, quando começam a chegar às redes de saúde novas tecnologias inovadoras, como injeções de longa duração para prevenção do HIV, a questão econômica ainda determina seu acesso e difusão. O estudo também reforçou a conclusão de pesquisas das últimas décadas de que quanto mais se demora para combater pandemias, maior o impacto delas no desenvolvimento. De acordo com o relatório, como as pandemias aumentam a desigualdade e enfraquecem a capacidade global de resposta, a persistência de doenças como a Aids, a malária e a tuberculose figura entre as maiores ameaças.Foto: UNAIDS Brasil/Kayo Oliveira
Desigualdades
Para o Conselho Global sobre Desigualdades, Aids e Pandemias, há evidências nítidas de que esse ciclo pode ser interrompido e é necessária uma nova abordagem para a segurança sanitária global, capaz de quebrar esse padrão por meio de ações práticas e factíveis, tanto no âmbito nacional quanto internacional.Como caminho para a melhoria e estabelecimento de uma situação de segurança sanitária melhor, o conselho propõe quatro recomendações, baseadas em uma abordagem chamada de Prevenção, Preparação e Resposta (PPR). São elas: reorganizar o sistema financeiro, renegociando dívidas e repensando as linhas e instituições de financiamento de emergência, além de repensar e eliminar políticas de austeridade pró-cíclicas; investir na prevenção a determinantes sociais das pandemias, através de mecanismos de proteção social; fortalecer a produção local e regional e criar nova governança em pesquisa e desenvolvimento, além de garantir que o compartilhamento de tecnologias seja tratado como um bem público essencial ao enfrentamento de pandemias; e por último, construir maior confiança, equidade e eficiência na resposta às pandemias, através de redes de governança multissetorial entre a sociedade civil e governos. O artigo de Nísia Trindade vai no mesmo caminho em relação à segurança sanitária. Ela defende que é necessário preparar o país e o mundo "para emergências futuras, o que exige sistemas de saúde resilientes, gestão qualificada e investimentos contínuos em políticas sociais, ciência, tecnologia e inovação". Nísia acrescenta também que é preciso fortalecer a produção local e regional de vacinas, fazer testes diagnósticos, usar medicamentos e outros insumos. A ex-ministra reforça que uma das principais recomendações do relatório da Unaids é combater dificuldades financeiras globais com "propostas como renegociação de dívidas de países vulneráveis e mecanismos automáticos de financiamento de emergências, evitando políticas de austeridade que comprimem gastos sociais". Relacionadas“Precisamos agir juntos contra as desigualdades, as quais tornam as pandemias mais prováveis, letais e custosas. Políticas de proteção social e sistemas de saúde resilientes são fundamentais para a preparação e a resposta. Garantir que medicamentos e vacinas possam ser desenvolvidos e produzidos em todo o mundo, em uma perspectiva regional e local é outro aspecto vital para a saúde global.”, declarou um especialista.





